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Sweeney Todd – Thomas Peckett Prest

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Tobias está trabalhando há pouco tempo como ajudante de Sweeney Todd, um barbeiro muito conhecido na Rua Fleet em Londres; mas o garoto percebe que algo muito ruim acontece na barbearia: constantemente alguns clientes entram no local e nunca mais se ouve falar deles. Em paralelo, as tortas de carne da Sra. Lovett são a sensação da cidade.

There’s a hole in the world like a great black pit
And it’s filled with people who are filled with shit
And the vermin of the world inhabit it

But not for long…

Sweeney Todd foi publicado pela primeira vez em 1946 no formato de uma Penny Deadful. Essas publicações eram periódicas, semelhantes aos folhetins, mas que se popularizaram pelo baixo preço e pelo tom de horror e macabro de suas histórias. O livro do barbeiro de Fleet Street voltou a fazer sucesso após sua adaptação para um musical da Broadway por Stephen Sondheim e que em 2007 ganhou os cinemas na direção de Tim Burton que acredito ter sido a obra que apresentou a história à maior parte do público brasileiro, inclusive a mim.

Em 2018 a Editora Wish (conhecida pelo impecável projeto gráfico) trouxe pela primeira vez ao Brasil o livro original. E eu não poderia estar mais feliz em acrescentar esta obra na minha coleção de monstros vitorianos.

Mas se você, assim como eu, conhecia apenas a adaptação musical, prepare-se para a surpresa, pois o enredo do livro é completamente diferente, mas tão bom quanto.

They all deserve to die
Tell you why, Mrs. Lovett, tell you why

Em sua primeira publicação, essa história chamava-se O Colar de Pérolas, título muito mais apropriado ao que encontramos neste livro, na minha opinião. Isso porque, embora todas as linhas narrativas aqui presentes levem à história de Sweeney Todd, o livro apresenta vários personagens.

Tudo começa quando o Tenente Thornhill vai à barbearia na rua Fleet e confessa ao barbeiro estar levando um colar de pérolas para uma moça chamada Johanna em nome de seu namorado que foi dado como morto após um naufrágio. Quem acaba desaparecendo, porém, é o tenente que não foi mais visto após entrar na barbearia.

Com esse ponto de partida, vamos ter Tobias, o ajudante de Sweeney Todd e a própria Johanna tentando desvendar o mistério dos desaparecimentos na barbearia.

Várias coisas me surpreenderam nesse livro. A primeira é o quão diferente ela é do musical, começando pelo próprio Sweeney que aqui não gera nenhum tipo de empatia ao leitor. Ele é um personagem asqueroso e bizarro, desde o início apresentado como uma péssima pessoa. O papel da Sra. Lovett também não é tão grande, apenas algo que ronda o periférico da história; estamos sendo constantemente lembrados do quão deliciosas são as tortas de carne da senhora Lovett, mesmo sem saber porque isso é importante. Queria muito saber se foi fácil para o público da época adivinhar e como foi a reação.

Mas a surpresa mais agradável deste livro foi sua narração. É divertida, o narrador conversa com o leitor em vários momentos, chega até a dar vislumbres do final da trama (spoilerfóbicos tremem), tudo isso em um tom meio sarcástico, apontando as desigualdades e injustiças da época. Com certeza foi o melhor aspecto do livro para mim.

Mas é bom?

É muito bom. É meio bizarro e muito divertido e se você também é fã do musical não vai conseguir ler sem pensar nas músicas. Muito interessante como Sondheim mesmo tendo mudado bastante o enredo, pegou pequenos elementos para incorporar. E claro, não dá para deixar de mencionar a beleza da edição. Traz extras como uma nota do autor e um prefácio contando sobre a publicação do livro, além estar repleta de ilustrações e fotos da época. Maravilhosa.

Nota

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Ficha Técnica

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Título: Sweeney Todd – O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet
Autor: Thomas Peckett Prest
Tradução: Carolina Caires Coelho
Editora: Wish
Ano: 2019
Páginas: 320
ISBN: 9788567566160
Sinopse: Famosa graças às adaptações para o teatro e para o cinema, a lenda do barbeiro demoníaco da Fleet Street chega pela primeira vez ao Brasil em seu enredo original. Publicado em 1846 sob o título “O Colar de Pérolas”, o livro conta a história da macabra parceria entre um barbeiro assassino, Sweeney Todd, e a fabricante de tortas mais famosa da cidade, a sra. Lovett, que desenvolveram juntos um modelo de negócio muito lucrativo e, ao mesmo tempo, muito perigoso.
No entanto, mistérios colocam em risco a sociedade aparentemente bem-sucedida: o desaparecimento de um forasteiro e seu colar de pérolas, a busca incansável de uma jovem apaixonada pelo seu amado e o terrível cheiro nas câmaras subterrâneas da Igreja de St. Dustan.
Sweeney Todd é um dos primeiros clássicos da escrita britânica de horror. Ele combina a história de assassinatos em série com um subenredo romântico envolvendo decepção, disfarce e investigação, tendo como pano de fundo as ruas escuras e desagradáveis de Londres.

Nosferatu – Joe Hill (Joseph King)

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No início de Nosferatu conhecemos Victoria “Vic” McQueen ainda criança, descobrindo sua habilidade de encontrar objetos perdidos quando pedala sua bicicleta por uma ponte imaginária. Um dia, após uma briga com os pais, Vic sai de casa em busca de problemas e encontra Charles Talent Manx, um homem bizarro de idade indeterminada e que possui talentos parecidos com os dela.

Após esse encontro, a vida de Vic muda completamente. Passamos a acompanhar uma Vic adulta, lidando com as consequências do seu poder, os traumas causados pelo encontro com Manx e também pelo relacionamento conturbado com os pais. O retorno de Manx revira a vida de Vic novamente, dessa vez com consequências mais cruéis.

Uma nova versão do mito do vampiro

Manx é uma espécie de vampiro que suga a inocência e a vida de crianças como uma forma de se manter jovem. Suas vítimas são levadas no seu Rolls-Royce antigo para um lugar especial que ele chama de Terra do Natal. Gostei muito dessa versão do mito do vampiro, onde ao invés de sangue, a inocência das crianças é tomada. Como monstros não percebem que o são, Manx acha que está fazendo o bem para elas. Nesse livro temos também uma versão de Renfield, Bill Partidge, um homem com sérios problemas psicológicos que é usado por Manx para conseguir mais vítimas.

Avaliação

O livro é um pouco lento no início, principalmente nas partes que mostram o crescimento de Vic, mas depois ele engata a quinta marcha até um final explosivo. O autor soube construir bem os personagens, desde os protagonistas até coadjuvantes como a bibliotecária Maggie. Nós nos importamos com o destino deles, algo essencial para nos prender na história e temer pela vida dos personagens. O autor amarrou bem os acontecimentos, usando de forma orgânica as pequenas pistas que foram plantadas ao longo do enredo. Nosferatu não é assustador, mas apresenta algumas cenas bem tensas. Não me deixou com medo, mas me prendeu até o fim.

Nota

4 selos cabulosos

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Ficha Técnica

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Nome: Nosferatu
Autor: Joe Hill
Tradução: Fernanda Abreu
Edição:
Editora: Arqueiro
Ano: 2014
Páginas: 624
ISBN: 8580412978
Sinopse: Victoria McQueen tem um misterioso dom: por meio de uma ponte no bosque perto de sua casa, ela consegue chegar de bicicleta a qualquer lugar no mundo e encontrar coisas perdidas. Vic mantém segredo sobre essa sua estranha capacidade, pois sabe que ninguém acreditaria. Ela própria não entende muito bem.

Charles Talent Manx também tem um dom especial. Seu Rolls-Royce lhe permite levar crianças para passear por vias ocultas que conduzem a um tenebroso parque de diversões: a Terra do Natal. A viagem pela autoestrada da perversa imaginação de Charlie transforma seus preciosos passageiros, deixando-os tão aterrorizantes quanto seu aparente benfeitor.
E chega então o dia em que Vic sai atrás de encrenca… e acaba encontrando Charlie.

Mas isso faz muito tempo e Vic, a única criança que já conseguiu escapar, agora é uma adulta que tenta desesperadamente esquecer o que passou. Porém, Charlie Manx só vai descansar quando tiver conseguido se vingar. E ele está atrás de algo muito especial para Vic.

Perturbador, fascinante e repleto de reviravoltas carregadas de emoção, a obra-prima fantasmagórica e cruelmente brincalhona de Hill é uma viagem alucinante ao mundo do terror.

Paraíso Perdido (HQ) – John Milton

Como se conectar a um clássico? Anos de estudo em literatura, transportar a mente para o século passado ou um guia com ampla formação acadêmica parecem alternativas não muito práticas. Arte e adaptação se unem em uma HQ da DarkSide, ilustrada por Pablo Auladell, para entregar uma bela forma de se conectar com o clássico Paraíso Perdido de John Milton.

Você já viu esse nome e nunca vai esquecê-lo

Temos como protagonista Lúcifer, e, em nossa cultura marcada pelo cristianismo, esse nome é de senso comum. O autor não reinventou a saga do anjo caído e não fez uma metáfora moderna sobre o que ele representa. Nessa HQ, Pablo Auladell, transforma em arte toda ascensão e queda de Satã. Se o leitor se restringir ao roteiro verá toda a bela construção do protagonista, onde são mostrados a origem do seu maior desejo, a personalidade que alterna entre a sedução e covardia, todas as suas fases e a sua jornada. Mas, isso é uma fração do todo.

Como tratar as palavras?

Nessa obra uma frase é capaz de transmitir milênios de história, reflexão e uma espécie de conhecimento universal. É um texto que não só narra, vai além, combinando a poesia com um tom que lembra o declamar. Isso não torna a narrativa empolada ou de difícil compreensão porque tudo é feito de forma natural. E são escolhidos momentos pontuais para usar frases curtas, facilitando a leitura.

Um só local pode reunir tantos quadros?

Um texto forte, que é auxiliado por quadros. Sim, quadros. Cada página parece literalmente uma galeria. Falta em mim conhecimentos em arte para elogiar os tons e o estilo utilizado pelo artista. O que me chamou atenção (e é fácil de explicar) é a capacidade do autor em criar os retratos do inferno. Vi um mundo vasto. Por muitas vezes olhei para uma daquelas paisagens e pensei: “Um homem pode caminhar para sempre nessas terras e mesmo assim não encontrará o seu fim”. Não é só no macro que a arte visual ganha destaque. No micro, no aproximar dos rostos, parece que os personagens/modelos estão olhando para o leitor. Várias vezes me perdi olhando para eles enquanto tentava adivinhar o que pensavam.

É a visão bíblica adaptada para os quadrinhos?

Digo que não. Há pinceladas do autor e um olhar diferenciado em relação a Deus, a Miguel, a Adão e alguns pontos (as pinceladas são maiores ao se retratar de Deus). O interessante é que o autor imprime a sua marca/olhar com sutileza; é uma piscada para o leitor.

Poderia continuar e dizer sobre o ritmo que é rápido, porém, o leitor sente a necessidade de apreciar cada página. De como o autor trabalha bem e de forma simples não só o metafórico como também o poético. Valeria a pena citar uma grande batalha e de como dois elementos surpreendem o leitor, fazendo-o refletir sobre o mundo atual. Quanto mais se pensa em Paraíso Perdido mais elogios surgem.

Quem gosta de clássicos, de poesia, de pintura, de quadrinho, de uma boa história, de um bom texto… quem gosta de todas essas formas de arte ou só de uma delas terá um belo motivo de se conectar ao Paraíso Perdido, uma obra clássica de John Milton.

Trabalho bem feito deve ser elogiado e apreciado. Todas as obras que atravessam o tempo deveriam ser tratadas como essa edição da DarkSide.

Nota

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Nome: Paraíso Perdido
Autor: John Milton – Pablo Auladell
Tradução: Érico Assis
Edição:
Editora: DarkSide Nooks
Ano: 2018
Páginas: 320
ISBN: 9788594541062
Sinopse: Um clássico da literatura mundial adaptado pela primeira vez em uma graphic novel única e essencial. Há 350 anos, o conflito entre Deus e Satã narrado em Paraíso Perdido, obra-prima de John Milton, virou um marco na literatura. Seus dez mil versos sobre a criação do mundo, a tentação e o desejo por redenção receberam reconhecimento instantâneo e serviram de inspiração para peças de teatro, músicas, pinturas e livros, ecoando na obra de mestres como Mary Shelley, C.S. Lewis, Philip Pullman e Neil Gaiman. Agora, a obra colossal foi reimaginada pelo premiado ilustrador espanhol Pablo Auladell. Com seu traço sombrio, quase desolado, o tributo captura o lirismo de Milton para quem ainda não teve o prazer de ler os cantos originais. Ao mesmo tempo, complementa a experiência do leitor, dando ainda mais vida ao texto. A graphic novel inspirada na grande obra de Milton chega para fazer parte da linha DarkSide Graphic Novel numa edição que deixaria Adão em apuros, com capa dura, bordas douradas e todo aquele cuidado que os fãs já esperam — e merecem. Chegou a hora da redenção.

Covil de Livros 120- Belas Maldições

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Bem-vindos, amigos, ao Covil de Livros! Hoje Basso e Edu recebem Nilda Alcarinqüe do Mitografias e Anna Lívia do Quarta Parede Podcast para falar sobre a série do momento: Belas Maldições. Baseada no livro de mesmo nome escrito por Neil Gaiman e Terry Pratchett, a minissérie estreou em 2019 pela Amazon Prime Video e encantou o mundo, causando polêmicas e muitos cosplays. Na estória, um anjo e um demônio que têm uma missão na Terra e ao saber do Apocalipse não querem de jeito nenhum deixar nosso planeta acabar. Como fazer isso sem desobedecer a ordem dos seus superiores? Pra saber mais, dá o play nesse podcast e salve sua alma (ou não). 

Este é um Covil de Livros um pouco diferente: ao invés de focar no livro Belas Maldições (como de costume), foi falado mais sobre a série. Suspeitamos que seja uma exceção que vocês não irão se importar, tendo em vista que a série é muito boa!

Claro, mantendo a tradição, este é um episódio cheio de SPOILERS! Recomendamos fortemente que tenha lido o livro ou visto a série para ouvir, pois boa parte da trama é revelada. Agora, se não liga pra isso, então pode apertar o botão do play sem medo de ser feliz!

Atenção!

Para ouvir basta apertar o botão PLAY abaixo ou clique em DOWNLOAD (clique com o botão direito do mouse no link e escolha a opção Salvar Destino Como para salvar o episódio no seu pc). Obrigado por ouvir ao Covil de Livros.

Apadrinha a gente!

Sendo padrim do nosso parceiro podcast Perdidos na Estante você também apoia o site Leitor Cabuloso. Assim você garante que tenhamos como alimentar o Otto (nosso monstro do fosso) e pagar a manutenção da ponte levadiça. Combinado? Paga a entrada do Perdidos no Covil!

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Quando me descobri negra – Bianca Santana

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Recorte da capa do livro, em primeiro plano, o nome da autora
Recorte da capa do livro, em primeiro plano, o nome da autora "Bianca Santana", no centro o titulo do livro em vermelho "Quando me descobri negra", abaixo o texto "Mateu Velasco ilustração". Sobre um fundo preto, em traço branco, o desenho em silhueta de uma mulher de perfil, sendo perceptivel a altura de seu ombro e pescoço.

Quantos livros com protagonistas negros você leu? Quantos livros escritos por autores negros você leu? Num momento em que pessoas na internet estão discutindo se a Ariel (personagem fictício, de uma espécie fictícia) pode ser interpretada por uma mulher negra, “Quando me descobri negra”, da Bianca Santana é o tipo de livro que eu precisava ler, e acredito que todo mundo, negro ou não, também precise.

Resumo

Composto por 28 relatos e ilustrado por Mateu Velasco, o “Quando me descobri negra” apresenta situação de pessoas que se descobriram negras em diferentes momentos de sua vida. Dividido em três partes: Do que vivi, do que ouvi e do que pari, a autora apresenta as experiências passadas por ela, casos que lhe foram apresentados e histórias que ela criou com base nas experiências de vida de amigos, conhecidos e anônimos, em suas realidades individuais, mas extremamente parecidas com a de muitas pessoas que são jugadas, segregadas e condenadas apenas por seus tons de pele.

“Tenho 30 anos, mas sou negra há dez. Antes, era morena.” – Bianca Santana

Se descobrir negro é desesperador e libertador ao mesmo tempo. Sempre soube que era mulher pelas limitações que me impuseram em casa, das coisas que meu irmão podia fazer e eu não podia por ser menina. Na escola descobri que eu era gorda, presente dos comentários e apelidos colocados pelas outras crianças. Mas crescendo na periferia, eu achava que racismo não existia. Claro que tinham pessoas negras e brancas, mas meus amigos brancos eram enquadrados pela polícia assim como meus amigos negros. Todos nós éramos pobres, para mim era isso que nos tornava iguais.

Precisei sair da periferia para perceber que não éramos. Na minha certidão de nascimento eu sou branca. Meu pai é um homem negro, minha mãe não. Eu sempre tive a pele mais clara que meus irmãos, embora meu cabelo fosse mais crespo. Passei a vida ouvindo que meu cabelo era ruim, sendo chamado de juba, Bombril, vassoura e outros apelidos por causa dos fios que se recusavam a crescer escorridos como o cabelo da minha mãe crescia. Meu primeiro alisamento foi com oito anos de idade. Depois disso foi uma sequência de produtos mal cheirosos que me causavam dor, mas sentir os fios balançando compensavam. Para mim, meu cabelo crespo era só um cabelo crespo e não um sinal da minha negritude.

Só percebi que eu era negra na vida adulta, graças à um segurança do mercado que me seguiu pelos corredores, graças à senhora que achou que eu trabalhava no estabelecimento, mesmo eu não usando nenhum crachá ou uniforme que me identificasse como funcionário, graças à vendedora que me ignorou, mas atendeu prontamente à cliente loira que entro na loja depois de mim.

Até eu ter meu próprio dinheiro eu não era negra, era morena. É triste que precisemos de um tapa na cara pra notar quem somos, mas é libertador ainda assim. Sei que sou uma mulher negra, sei que o meu cabelo faz parte de quem eu sou, sei que não importa se vou usá-lo crespo ou alisado, eu continuo sendo uma mulher negra e agora sei o quanto isso é libertador.

Demorei pra entender que eu era negra, e demorei mais ainda pra aceitar que eu era negro. Nos livros que eu lia não haviam negros. Nos filmes que eu assitia eles estavam presentes como escravos, criados, bandidos, e eu não queria ser nada daquilo. Imagino se na minha juventude, nas mídias que eu consumia existissem super-heróinas, princesas, mulheres negras em cargo de chefia, que não estivessem lá para servir, mas para contar uma história, talvez esse reconhecimento não fosse tão tardio, ou a aceitação tão dramática.

O livro da Bianca é um tapa na cara de diferentes formas, se você vai sorrir aliviado ou chorar depois da leitura, sinceramente eu não sei, mas o que fazer com o que aprender sobre si mesmo e sobre os outros é uma escolha sua.

Nota

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Ficha Técnica

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Nome: Quando me descobri negra
Autor: Bianca Santana
Editora: SESI- SP
Edição: 
Ano: 2015
Páginas: 96
ISBN: 9788582056561
Sinopse: ”Quando me descobri negra fala com sutileza e firmeza de um processo de descoberta inicialmente doloroso e depois libertador. Bianca Santana, através da experiência de si, consegue desvelar um processo contínuo de rompimento de imposições sobre a negritude, de desconstrução de muros colocados à força que impedem um olhar positivo sobre si. Caminhos que aos poucos revelam novas camadas, de um ser ressignificado. Considero este livro um presente, é algo para se ter sempre às mãos e ir sendo revisitado. Bianca, ao falar de si, fala de nós.” – Djamila Ribeiro

A Paciente Silenciosa – Alex Michaelides

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Recorte da capa do livro, em primeiro plano o titulo
Recorte da capa do livro, em primeiro plano o titulo "A Paciente Silenciosa" em vermelho, no fundo, metade de cima de um rosto feminino quase imperceptivel em uma tela de pintura.

Há seis anos Alicia Berenson foi presa por um crime brutal do qual ela não falou nada, nem mesmo para se defender. Desde então se encontra em tratamento em uma clínica psiquiátrica, mas sem melhora. Não é que ela não possa falar, ela não quer. Theo Faber, um psicoterapeuta forense, acompanhou o caso desde o início e está convencido de que pode ajudar Alícia e descobrir o motivo de seu silêncio.

Esta resenha está totalmente livre de spoilers.

Um Thriller diferente

O livro A Paciente Silenciosa não apresenta aquele tipo de narrativa em que um detetive, seja policial ou amador, sai em busca de pistas para desvendar um mistério. Aqui temos o diário de Alícia que escreve sobre seu dia a dia, meses antes do crime que ela supostamente cometeu. Em paralelo, no presente, acompanhamos Theo Faber, que começa a trabalhar no hospital em que Alícia está internada. Claro que em suas tentativas de fazê-la falar, Theo investigará a vida de Alícia e as pessoas que a cercavam, porém o viés aqui é bem mais psicológico.

Este é um dos pontos positivos do livro: Theo está sempre analisando os comportamentos, dele e dos outros, por uma perspectiva psicológica, muito analítica e clínica. Inclusive gostaria de saber a opinião de um psicólogo sobre os métodos e reflexões sobre terapias presentes nesse livro. Com certeza foi um dos aspectos de que mais gostei.

Mas o que sempre esperamos de um livro de mistério é um desfecho inesperado. Sempre que escutava algo sobre esse livro, era como seu final era surpreendente, mas confesso que estava bem cética. Afinal, sou criada à base de Agatha Christie, mesmo que não descobrisse o final, não me surpreenderia. Porém fico muito feliz em dar o braço a torcer e dizer que o final de A Paciente Silenciosa é surpreendente sim! Quando tudo é revelado, fiquei uns dois minutos olhando para a página enquanto meu cérebro processava a informação e deixava todas as peças se encaixarem.

Mas A Paciente Silenciosa é bom?

Apesar de seu final ter uma ótima reviravolta e deixar a gente com aquele gostinho de alegria por termos sido pegos de surpresa, a narrativa de A Paciente Silenciosa é bem mediana. Não é ruim, mas não é nada que nos deixe arrebatados pela escrita ou pelos acontecimentos. Os capítulos bem curtos ajudam para que a leitura flua, além de o autor ter levado a trama de forma direta, sem tantas voltas sobre suspeitos que não levam a nada. Esse é um livro muito bom para quem quer uma história rápida, com alguns pontos de discussão interessantes e claro, um ótimo final.

Nota

3 selos cabulosos e meio

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Nome: A Paciente Silenciosa
Autor: Alex Michaelides
Tradução: Clóvis Marques
Editora: Record
Ano: 2019
Páginas: 350
ISBN: 9788501116437
Sinopse: Um assassinato, uma verdade oculta. As raízes do silêncio são muito mais profundas do que se pode imaginar.

Alicia Berenson escreve um diário para colocar suas ideias em ordem. Ele é tanto uma válvula de escape quanto uma forma de provar ao seu adorado marido que está bem. Ela não consegue suportar conviver com a ideia de que está deixando Gabriel preocupado, de que está lhe causando algum mal. 

Alicia Berenson tinha 33 anos quando matou seu marido com cinco tiros. E nunca mais disse uma palavra. O psicoterapeuta forense Theo Faber está convencido de que é capaz de tratar Alicia, depois de tantos outros falharem. E, se ela falar, ele será capaz de ouvir a verdade?

O Bazar dos Sonhos Ruins – Stephen King

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O Bazar dos Sonhos Ruins é uma coletânea de contos escrita pelo mestre do horror Stephen King. Muito conhecido por seus livros longos e aterrorizantes, King também consegue nos assustar muito bem através de narrativas mais curtas. Mesmo dentro de um curto espaço de escrita, o autor ainda consegue manter uma de suas características que mais gosto: a construção de bons personagens.

Diferencial

O livro possui vinte contos e um diferencial com relação às suas outras coletâneas. Antes de cada conto, o livro traz um pequeno texto onde o autor nos conta como se inspirou para escrever cada um deles. É realmente fascinante ver como a mente do autor funciona, relacionando pequenos acontecimentos do dia a dia, notícias de jornal e fatos aleatórios de forma a criar histórias que mexem com o leitor. Na introdução do livro, King afirma que escreve contos porque isso o faz feliz, porque ele nasceu para entreter. E nós, leitores fieis, realmente somos entretidos, mas esse entretenimento pode nos render alguns sonhos ruins e um coração partido no final.

Alguns contos de destaque

Herman Wouk ainda está vivo – Enquanto um casal de poetas idosos discute o trabalho de Herman Wouk, uma mulher encara as consequências de suas escolhas de vida sob o peso de uma depressão profunda. Quando esses personagens se encontram, o coração do leitor é destruído sem dó. Baseado em fatos, esse conto é, segundo King, uma forma de pensar o impensável através da ficção e tentar encontrar algum tipo de encerramento.

Indisposta – Um homem tenta manter a rotina enquanto sua esposa está de cama. Muitos livros hoje (séries e filmes também) se baseiam em grandes reviravoltas para serem bons e impressionarem o leitor. Nesse conto, o autor nos mostra que mesmo o leitor percebendo o que vai acontecer até antes dos personagens, a história ainda pode ser incrível e nos chocar mesmo assim.

Trovão de Verão – Uma pequena história sobre o fim do mundo. Um conto intimista e tocante sobre os últimos dias de vida de Robinson e seu cachorro Gandalf, após a explosão de bombas nucleares em várias partes do mundo.

Nota

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Nome: O Bazar dos Sonhos Ruins
Autor: Stephen King
Tradução: Regiane Winarski
Edição:
Editora: Suma
Ano: 2017
Páginas: 528
ISBN: 8556510302
Sinopse: Mestre das histórias curtas, o que Stephen King oferece neste livro é uma coleção generosa de contos – muitos deles inéditos no Brasil. E, antes de cada história, o autor faz pequenos comentários autobiográficos, revelando quando, onde, por que e como veio a escrever (ou reescrever) cada uma delas. Temas eletrizantes interligam os contos; moralidade, vida após a morte, culpa, erros que não cometeríamos se pudéssemos voltar no tempo… Muitos deles são protagonizados por personagens no fim da vida, relembrando seus crimes e pecados. Outros falam de pessoas descobrindo superpoderes – como o colunista, em “Obituários”, que consegue matar pessoas ao escrever sobre suas mortes. Incríveis, bizarros e completamente envolventes, essas histórias formam uma das melhores obras do mestre do terror, um presente para seus Leitores Fiéis.

Boteco dos Versados 21 – Dois Irmãos

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Vitrine do episódio 21 do Boteco dos Versados. Na esquerda tem uma coluna onde a logo do Podcast está em cima, a logo do Leitor Cabuloso no centro e o número do episódio, 21, abaixo. Em destaque, um recorte da capa do livro Dois Irmãos do Milton Hatoun, onde o título da obra e o nome do autor se destacam sob um fundo verde com bordas vermelhas.
Vitrine do episódio 21 do Boteco dos Versados. Na esquerda tem uma coluna onde a logo do Podcast está em cima, a logo do Leitor Cabuloso no centro e o número do episódio, 21, abaixo. Em destaque, um recorte da capa do livro Dois Irmãos do Milton Hatoun, onde o título da obra e o nome do autor se destacam sob um fundo verde com bordas vermelhas.

E aí, chefia, seja bem-vindo ao Boteco dos Versados!

Hoje, temos a honra de lhes trazer o livro Dois Irmãos do escritor amazonense. Milton Hatoun.

Dois Irmãos é a história, vejam só, de dois irmãos descendentes de libaneses que nasceram em Manaus do início do século XX.

O autor nos apresenta a Paris dos Trópicos sob o olhar de quem cresceu nessa bela cidade, e se você, ouvinte, nunca teve o prazer de conhecer Manaus, acompanhe-nos nesse bate-papo delicioso para conhecer um pouco mais dessa cidade e das pessoas que a habitam.

Convidados:

Eu poderia dizer que a Paty Souza é uma das convidadas, mas ela já é da casa, então… Recebemos Rodrigo Basso lá do Covil de Livros, ou seria mais correto afirmar “aqui do Covil” visto que ele é nosso vizinho.

E o queridíssimo Sidnei Andrade, host do podcast Estação 9 3/4.

A propósito, se gostou do episódio, então venha falar conosco! Portanto, assine o nosso FEED e siga as redes sociais do Leitor Cabuloso para ficar sabendo de mais notícias do mundo dos leitores.

Primordialmente, não se esqueça de seguir o Boteco nas redes sociais: @botecoversados

Então, deixe seu comentário dizendo o que achou do livro e do podcast. Se puder, ajude o programa ser conhecido por mais pessoas divulgando nas suas redes sociais. Isso não custa nada para você, mas faz uma imensa diferença para nós! Vamos espalhar amizades e livros por aí!

O Guarani – José de Alencar

Inicialmente publicado em folhetim pelo Diário do Rio de Janeiro durante o ano de 1857 e, no fim desse mesmo ano, lançado em livro, O Guarani é um dos romances da fase indianista de José de Alencar (composta também por Iracema e Ubirajara), em que o autor tentou a partir da figura dos nativos brasileiros construir uma identidade cultural nacional.

A trama do livro é um tanto quanto simples: a história se passa no início do século XVI e foca na vida de uma rica família portuguesa que vive no Brasil, em uma região afastada da capital Rio de Janeiro. O centro espacial é casa dos Mariz e há três figuras, Peri (indígena e grande herói da história), Álvaro (cavaleiro aos moldes medievais) e Loredano (uma figura gananciosa e antagonista), os quais podem ser considerados protagonistas. Aponto esses três por estarem todos atrelados, de formas diferentes, a uma outra figura importante: Cecília. Ela é a filha da família anteriormente citada, além disso é considerada uma deusa por Peri, um grande amor por Álvaro e uma paixão inatingível por Loredano. É livro é movido pelo conflito gerado por esse triângulo amoroso, que por sua vez conta ainda com Isabel, prima de Cecília e apaixonada por Álvaro.

Pontos importantes da trama

O livro gira em torno de dois acontecimentos importantes:

  1. a revange de uma tribo indígena que tivera uma de suas membras assassinada por Diogo, irmão de Cecília;
  2. o que Loredano trama contra família Mariz.

Contudo, ambos os conflitos só começam a se desenhar na metade do segundo ato de O Guarani, antes disso uma longa passagem pelo cotidiano se desdobra. Nela conhecemos não só os personagens, como D. Ântonio e D. Lauriana, respectivamente pai e mãe de Cecília e Diogo, Isabel, sobrinha do patriarca, entre algumas outras figuras mais coadjuvantes, mas conhecemos também o cenário no qual a história se passa. José de Alencar faz questão de se deter em lentas e longas descrições sobre o ambiente que cerca seus personagens, bem como busca retratar como se relacionam e quais papéis cada um exerce naquele micro-universo, que é o casarão da família Mariz.

Apesar dos já citados serem os grandes acontecimentos do ponto de vista do clímax do livro, há muitos outros momentos importantes e empolgantes. De qualquer forma, o mais importante aqui é como as relações se constituem e como elas afetam a maneira de agir dos personagens entre si.

Os personagens

Em O Guarani, José de Alencar, preocupado com a construção da identidade brasileira, buscou fazer Peri um herói incorruptível. Contudo, o que fez foi um sujeito passivo, subordinado e assujeitado aos portugueses. O nosso suposto herói mais parece um escravo em sua dedicação cega à família Mariz e Cecília. Ela, por sua vez, parece um objeto usado para mover a trama, sendo também ela passiva e retratada com uma certa malícia e ingenuidade que se contradizem ao longo do livro, contradição essa que poderia ser interessante não fosse a maneira caricata como o narrador a descreve.

Em contrapartida, Álvaro e Loredano são ambos personagens muito humanos e retratados com defeitos, interesses, preocupações muito próprias e factíveis. De um lado, o cavaleiro não ama incondicionalmente como Peri, de outro Loredano não parece o esteriótipo de vilão, apesar de a visão do narrador estar mais interessada em o retratar dessa forma. Vale justificar que é uma leitura minha, do ponto de vista do narrador as coisas são muito mais preto no branco. Para mim, as coisas são mais cinzas, pois especialmente Loredano, apesar de sua ganância injustificada, age de forma muito humana.

Gostaria de ressaltar que não é de se estranhar que os personagens representados da pior maneira sejam justamente um indígena e uma mulher. José de Alencar talvez não conhecesse a realidade de nenhum dos dois, pelo não o suficiente para os tornar verossímeis. Não  à toa incorre no problema como os dois parecem muito ferramentas narrativas, cumprindo um papel claro e isso é um grande problema, porque são sem dúvidas os mais importantes personagens do livro.

Escrita e sono

Como leitor, tenho uma tendência séria a dormir quando o narrador se detém em uma descrição longa que para as ações do ambiente para pincelar o espaço ao redor dela. É justamente o que José de Alencar faz durante todo O Guarani. Talvez os leitores acostumados com a literatura fantástica levem isso melhor do que eu, pois, em especial naquelas que se aproximam do cenário medieval, o mesmo acontece. Como tenho lido outras literaturas que não essa, tive uma dificuldade de leitura. Durante boa parte do livro eu acelerava a leitura das descrições em busca de diálogos, que eram bons, salvos quando Peri aparecia e seu jeito de falar tornava as coisas novamente caricatas e surreais.

Poeticamente, há muitas descrições interessantes, bem como seriam essas falas de Peri, mas gostaria de ressaltar o carácter platônico dessas representações. A natureza descrita por Alencar não é, em absoluto, a natureza como nós vemos e o mesmo vale para os indígenas: ora retratados como figuras de pureza; ora retratados como bestas ferozes. Isso dependendo não apenas da tribo, mas também da conveniência da situação. Não que um ser humano não possam transitar esses polos, é mais uma questão do retrato do autor. A cada vez que o herói indianista fala, parece escolher as palavras como se tentasse deixar claro que não fazia parte do mundo dos homens brancos e que tudo o que sabia sobre era relacionado a natureza idealizada alencariana.

Opinião

Em O guarani, os objetivos de José de Alencar não foram alcançados. O livro perdura pelo valor histórico e pelo retrato da literatura da época (não da realidade). Contudo, as tentativas de mostrar a integração entre os nativos (colonizados) e os invasores (colonizadores) não é bem sucedida. Isso acontece, primeiro, por ser uma grande mentira do ponto de vista histórico, na realidade essa integração nunca existiu; segundo, porque prevalece a identidade do homem branco do século XIX, que sempre retrata a maioria dos seus pares superiores em relação aos assujeitados diferentes de si, o grande outro.

Para mim, o melhor retrato pintado por José de Alencar é o da visão dos escritores considerados cânones da literatura brasileira. Graças a serem predominantemente homens brancos de classe média, o que vemos é uma série de outros papéis que acabam sendo prejudicados nessa literatura. Para além do valor documental, a obra de Alencar serve como prova da necessidade de se discutir os escritores considerados canônicos e o que eles de fato representam para nossa cultura.

Nota

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FICHA TÉCNICA

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Nome: O guarani
Autor: José de Alencar
Edição:
Editora: L&PM
Ano: 1998
Páginas: 384
ISBN: 9788525409454
Sinopse: Esta história de amor e aventura se passa quando o Brasil ainda era uma colônia de Portugal. Num cenário próximo às matas verdejantes, vive Cecília, a heroína do romance. Filha de um fidalgo português, ela leva uma existência de princesa, protegida pela família. O índio Peri, um guarani alto e forte, tem adoração pela moça. Porém, uma série de acontecimentos coloca a vida dos dois em perigo.

O Visconde Partido ao Meio – Italo Calvino

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Recorte da capa do livro. Fundo amarelo, um retangulo em amarelo mais esculo, com o texto:
Recorte da capa do livro. Fundo amarelo, um retangulo em amarelo mais esculo, com o texto: "CALVINO, Italo. O visconde partido ao meio. Companhia das Letras, 1996. Iª ed. [Il visconte dimezzato, 1952] Tradução: Nilson Moulin"

O que um visconde partido ao meio, um cavaleiro inexistente e um barão que só vive no topo das árvores tem em comum? A resposta é a narrativa fabulosa de Ítalo Calvino.

Fabulosa no sentido mais literal da palavra, de fábula mesmo, onde uma alegoria fantasiosa é usada para apresentar uma moral. A diferença é que Calvino não usa animais falantes. Tão pouco sua moral é óbvia e clara para todos. Ele usa de metáforas como um visconde que foi partido ao meio e agora tem o lado esquerdo andando por aí sendo absolutamente bom e o lado direito absolutamente mesquinho; ou um cavaleiro nobre e admirado por todos, que é puro intelecto, mas sem corpo… literalmente! Ou o pequeno barão que um belo dia sobe nas árvores para fugir da irmã chata e acaba passando o resto de sua vida lá, abraçando e fugindo do mundo ao mesmo tempo; para falar sobre as principais questões vividas pelo homem pós-moderno.

Uma melancolia binária

O Visconde Partido ao Meio faz parte da trilogia Nossos Antepassados, escrita anos 50, durante a reconstrução da Itália pós Segunda Guerra Mundial. Calvino, como muitos de seus contemporâneos na época, fazia parte da resistência antifascista durante a guerra. Após os conflitos, se vê deixando a juventude e entrando na vida adulta de fato e tendo que lidar com as duras verdades de seu idealismo político perante o Partido Comunista. Os três livros são lançados entre 1952 e 1959, enquanto Ítalo embarcava lá nos seus 30 anos e (muito provavelmente) se perguntava sobre a natureza do homem dividido em um mundo binário, sobre qual era o papel da intelectualidade nesse novo mundo e, especialmente, sobre o que significaria viver nessa nova sociedade construída após meio século de atrocidades.

O poder do riso

Tudo isso permeia seus textos, mas não de maneira chata ou hiper política. Ao contrário. Calvino sempre foi grande defensor da diversão acima de tudo quando se trata de contar histórias. “Penso que o divertimento seja uma coisa séria”, diz ele em uma carta, “creio que divertir seja uma função social, correspondente à minha moral; penso sempre no leitor que deve absorver todas essas páginas, é preciso que ele se divirta”.

Italo acaba então por escrever pseudo fábulas para adultos, usando de um realismo mágico ou fantástico para imaginar um mundo além do real; um mundo onde existe a possibilidade de se ser partido ao meio, todo bom ou todo ruim, para então explorar a impossível dualidade da alma humana, o medo e o moralismo burguês, a alienação e a repressão. Especialmente a ética onde fazer o bem às vezes pode querer dizer ferir outros, ou fazer o mal faz parte do dia a dia de qualquer ser humano, em algum nível.

Vivendo no mundo da fantasia

Em O Visconde Partido ao Meio, o autor cria personagens profundamente humanos, onde o filho da comunidade hiper religiosa é um pequeno ladrão trapaceiro, cujo maior sonho é cometer todos os pecados possíveis (menos matar, porque matar não lhe convém), mas que ao mesmo tempo é ridiculamente honesto com seu melhor amigo, dizendo “não desanime, sabe, eu trapaceio” após ganhar desonestamente no jogo de dados. Ou o carpinteiro Pedroprego que cria obras de arte e engenharia incríveis, todas usadas para morte e tortura, e que se pergunta se só é capaz de criar coisas belas se elas forem usadas para o mal.

Por fim, temos o próprio Visconde, que ao ser mesquinho é a figura mais cativante e hilária da história. Ao passo que, ao ser bom, é tão inconsequentemente bom que dá sua bengala ao leproso sem questionar a situação e o homem imediatamente a usa para bater na mulher enquanto o próprio visconde segue mancando por aí, se sentindo o mais justo entre os homens.

Veredito

Ao misturar a linguagem fantástica de Jorge Luis Borges, com o comentário politico social de Orwell, com uma estética cinemática maravilhosa (que hoje em dia podemos comparar ao Tim Burton em seu auge, ou até mesmo a Wes Anderson em seus aspectos mais fantasiosos), Italo Calvino acaba criando um curto texto sarcástico, divertido, honesto e, acima de tudo, profundo.

Profundo porque tem camadas de leitura. Ele pode se destrinchado desde sua moral mais óbvia e fabulesca, até à mais profunda análise pós-freudiana, pós-moderna, pós-marxista possível. Não é a toa que Calvino e suas Cidades Invisíveis inspiraram tantos artistas plásticos. Não é a toa que ele foi capaz de inspirar uma jovem de 14 anos, 50 anos mais tarde e à um oceano de distância, à descobrir o tipo de histórias que ela gostava e que queria contar. Aquelas onde o mundo é o nosso mundo mesmo, mas existe um quê a mais de ficção e magia nele.

Calvino pode não ser o pai do realismo mágico (temos os latino-americanos a agradecer por isso), mas foi o primeiro autor a despertar esse gosto em mim, justamente por usar de uma linguagem bem humorada, acessível e não rebuscada para pintar um complexo quadro de figuras surreais, mas que no fundo são profundamente humanas.

Nota

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Ficha Técnica

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Nome: O visconde partido ao meio
Autor: Italo Calvino
Tradução: Nilson Moulin
Edição: 2a edição
Ano: 1996 (1a ed)
Páginas: 100
ISBN: 85-7164-617-1
Sinopse: O visconde Medardo di Terralba, em temerária arremetida contra a ímpia artilharia de turcos, leva um tiro de canhão no peito. O destemido mas inexperiente defensor da cristandade sofre sérias avarias, sobrando-lhe apenas uma metade do corpo, felizmente intacta. Graças ao entusiasmo dos médicos que o socorrem, Medardo sobrevive, embora partido ao meio. À mutilação física do senhor de Terralba seguem-se consequências indesejáveis em seu comportamento, causando grandes desgostos aos moradores de seus domínios. Mas quando os camponeses já estavam se acostumando às idiossincrastias do visconde, eis que ressurge a outra metade, para grande confusão e maior transtorno geral. Se meio visconde já incomodava tanta gente, o que dizer de duas metades contraitórias de Medardo di Terralba?

Sadie – Courtney Summers

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ilustração de uma mulher vestida com uma jaqueta vermelha com cabelos longos esvoaçando sobre seu rosto e escondendo seus olhos. Sobre ela o título do livro, Sadie, escrito em preto. Do lado esquerdo de sua cabeça a seguinte frase: Se ela morrer, a verdade vai junto
Ilustração de uma mulher vestida com uma jaqueta vermelha com cabelos longos esvoaçando sobre seu rosto e escondendo seus olhos. Sobre ela o título do livro, Sadie, escrito em preto. Do lado esquerdo de sua cabeça a seguinte frase: Se ela morrer, a verdade vai junto com ela.

Sadie nunca levou uma vida fácil. Sua mãe é viciada em drogas e nunca se envolveu muito em sua criação, ela sequer sabe quem é seu pai. Desde de cedo aprendeu a se virar sozinha. Quando sua irmã (Mattie) nasceu, ela ganhou um propósito para viver. Sadie sempre fez tudo que podia para dar a melhor vida possível a sua irmã, principalmente depois que a mãe das duas as abandona. Mas quando Mattie é assassinada e a polícia não parece ter nenhuma pista do que aconteceu, ela decide que deve fazer justiça com as próprias mãos.

Podcast investigativo

A narrativa é construída a partir de dois pontos de vista: Sadie contando os passos de sua investigação e o jornalista West McCray. Ele tem um podcast em que ele tenta seguir as pistas deixadas por Sadie após seu desaparecimento e vai contando suas descobertas.

Essa forma com que o livro é escrito torna-o bem diferente, pois a gente acompanha duas investigações em paralelo. Na maior parte das vezes os dois passam pelos mesmo lugares, mas separados por um espaço de tempo razoável.

Para nós, os leitores, a busca do jornalista não traz muitas novidades, pois sabemos por onde Sadie passou através dos capítulos do ponto de vista dela. Mas é interessante acompanhar como ele consegue encontrar as pistas necessárias para seguir os passos da garota.

Alerta de gatilhos

Esse livro trata de muitos temas tensos. Em muitos momentos as cenas são pesadas e muito intensas. Não recomendo para quem tem sensibilidade para temas como abuso sexual, pedofilia e violência.

Mas apesar de ser uma história que nos deixa angustiados em alguns momentos, é difícil parar de ler. É um thriller empolgante até o fim. Principalmente os capítulos de Sadie, em que ela narra em primeira pessoa, os acontecimentos são bem frenéticos. Em cada um deles ela descobre uma informação nova.

Vale a pena a leitura?

Sim! Para quem curte um bom thriller esse é um livro bem interessante, especialmente pela forma como a autora usa o podcast na narrativa. Pois através da visão que West nos transmite através de suas entrevistas, passamos a conhecer outras versões das histórias que Sadie conta em seus capítulos. Desse modo a gente conhece melhor os personagens secundários e passa a entender algumas de suas atitudes.

E eu tenho uma dica para quem consegue entender inglês: se puder, ouça o audiolivro, é incrível! Tem um elenco grande e nas partes do podcast realmente é feito como se fosse um, com trilha sonora e tudo. Infelizmente ainda não tem o audiolivro em português.

Nota

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Ficha Técnica

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Nome: Sadie
Autora: Courtney Summers
Tradução: Regiane Winarski
Edição: 1ª
Editora: Plataforma 21
Ano: 2019
Páginas: 392
ISBN: 9788592783983
Sinopse: Uma garota foi brutalmente assassinada. Seu corpo foi encontrado entre um pomar de macieiras e uma escola incendiada nos arredores de Cold Creek, Colorado. Seu nome era Mattie Southern, e ela só tinha treze anos.

A pequena Mattie era a única conexão de sua irmã mais velha, Sadie Hunter, com o mundo. Quando elas foram abandonadas pela mãe, que era viciada em álcool e outras drogas, Sadie cuidou da irmãzinha como se nada mais importasse. Agora, tudo o que a garota de dezenove anos quer é fazer justiça com as próprias mãos. E nem mesmo a gagueira que dificulta sua comunicação vai impedi-la de encontrar o paradeiro do assassino. Desde que partiu atrás do abusador que tirou a vida de Mattie, Sadie nunca mais foi vista. O que aconteceu com ela?

A única pessoa disposta a encontrar respostas é o jornalista West McCray. Quando a polícia não conseguiu resolver o caso, a avó de consideração das garotas pediu a ajuda dele. O repórter está seguindo o rastro de Sadie e, ao longo de sua investigação, ele produz um podcast. Cada pista descoberta revela uma verdade desoladora. Dividido entre o podcast de West McCray e a narrativa da personagem, Sadie é um thriller que perturbará você até a última página. Afinal, uma garota desaparecida é sempre uma história inacabada.

Covil de Livros 119 – A Arte de Pedir

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Vitrine do podcast Covil de Livros. No primeiro plano, recorte da capa do livro, mostrando Amanda Palmer, ela olha para cima, ela segura uma flor vermelha e em seu corpo está escrito a tinta o titulo do livro: A Arte de Pedir. Na lateral direita, faixa vertical escrito
Vitrine do podcast Covil de Livros. No primeiro plano, recorte da capa do livro, mostrando Amanda Palmer, ela olha para cima, ela segura uma flor vermelha e em seu corpo está escrito a tinta o titulo do livro: A Arte de Pedir. Na lateral direita, faixa vertical escrito "Podcast Covil de Livros" e o número da edição: 119.

Bem-vindos, amigos, ao Covil de Livros! Hoje Basso recebe Rodrigo Cruz do podcast TLIO para falar sobre o livro A Arte de Pedir, da cantora, musicista, escritora e diva Amanda Palmer!

O livro surgiu do TED Talks que a Amanda fez sobre o sucesso de seu financiamento coletivo para o lançamento de um álbum. Nesse vídeo tem a síntese do que é a “Arte de Pedir”, uma espécie de filosofia de vida que a Amanda cantora descobriu para seguir com sua carreira e sua vida. Deixamos aqui o link para você ver:

O livro é extremamente caótico e mescla acontecimentos da vida da escritora com reflexões, divagações e memórias, além de diversos momentos da sua vida de casal com Neil Gaiman. Nem de longe se pretende abarcar tudo o que está no livro neste podcast. Encare-o como mais algumas divagações sobre os pensamentos que a Arte de Pedir mostra neste livro.

Então, exercite sua arte de pedir: suba em seu caixote vestida de noiva, não tenha vergonha de passar o chapéu depois de uma apresentação e ACEITE AS MALDITAS ROSQUINHAS quando alguém lhe oferecer. E lembre-se: se você não tentou se mexer a mudar o que está de errado, é porque ainda não está doendo tanto assim 😉

Atenção!

Para ouvir basta apertar o botão PLAY abaixo ou clique em DOWNLOAD (clique com o botão direito do mouse no link e escolha a opção Salvar Destino Como para salvar o episódio no seu pc). Obrigado por ouvir ao Covil de Livros.

Seguindo a Arte de Pedir, ajuda a gente!

Sendo padrim do nosso parceiro podcast Perdidos na Estante você também apoia o site Leitor Cabuloso. Assim você garante que tenhamos como alimentar o Otto (nosso monstro do fosso) e pagar a manutenção da ponte levadiça. Combinado? Paga a entrada do Perdidos no Covil!

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Elric de Melniboné – A Traição Ao Imperador

Recorte da capa do livro. Um fundo com uma textura semelhante à de uma rocha, parte de um cabo escuro de uma espada, voltado para baixo. Em primeiro plano o titulo do livro:
Recorte da capa do livro. Um fundo com uma textura semelhante à de uma rocha, parte de um cabo escuro de uma espada, voltado para baixo. Em primeiro plano o titulo do livro: "Elric de Melniboné", um traço abaixo, e o subtitulo: "A Traição ao Imperador"

O que os ingleses Alan Moore e Neil Gaiman e os alemães do Blind Guardian têm em comum? Todos eles adoram Michael Moorcock. Dentre todas as obras do autor escolhi o livro Elric de Melniboné – A Traição Ao Imperador para beber na mesma fonte dos artistas que admiro. Fonte? Está mais para um vinho envelhecido, enterrado por vários anos e servido em uma taça com o formato de um crânio.

Elric, o imperador albino, merece um trono no reinado da cultura pop?

Elric é o responsável por todo o império de Melniboné. Isso envolve tradições, política,  demonstração de força e um eterno convívio com o perigo. Michael Moorcock não constrói um protagonista que simplesmente deseja manter a sua posição. O leitor acompanha alguém que sempre se questiona. Nada em sua mente é encarado de forma simples. No falar, na personalidade e na maioria das ações desse personagem a única convicção e o seu amor pela personagem Cymoril.

Esse imperador albino é o ponto alto do livro. Suas características físicas refletem os seus sentimentos, a sua maneira de encarar a vida contrasta com o ambiente que o cerca e o leitor sempre vê profundidade no personagem. Há esmero e veracidade nas suas falas, em sua sensibilidade, no seu grande desejo e sinto que conheci tudo o que há para conhecer dele. Tornei-me íntimo não só dos seus gostos como também dos seus medos. E essa bela construção é entregue de forma orgânica para o leitor.

Um personagem que deveria estar ao lado de ícones da cultura pop? Não consigo colocá-lo na mesma prateleira que Luke Skywalker, Harry Potter e Batman. Mas, ele merece estar nas catacumbas do underground junto com o Monstro do Pântano, Ash de Evil Dead e Thomas J. Ward.

O maior mérito também é a maior maldição

Personagens, trama e desfecho cercam o protagonista albino. Isso não deveria ser um problema, mas acaba tornando-se uma falha. Os personagens ao redor de Elric são fracos e parecem estar na obra só para fazê-lo brilhar. Há o antagonista, o conselheiro, o doutor esquisito e o grande amor. Nenhum deles é verdadeiramente aprofundado. Sabemos pouco sobre o passado deles, as personalidades não saltam a vista como no caso do protagonista e somente o antagonista tem um desejo forte (e mesmo assim é pouco trabalhado).

A obra foi publicada nos anos 70 e não tenho o contexto de publicação da época. Hoje, lendo-a, sinto que faltam páginas. Falta algo, falta aquela sensação de fantasia com F maiúsculo. E essa crítica pode ser estendida. O autor possui uma ótima mão para descrições. Ele tem um dom especial para os detalhes e sabe introduzir muito bem o leitor em uma cena. Em alguns momentos, principalmente nas batalhas, eu ficava deslumbrado com a imagem criada na minha cabeça. Imaginava uma cena deslumbrante, épica e tudo acabava muito rápido. É como se um lindo estúdio fosse montado, o cenário está incrível, só que a cena possui apenas alguns segundos. E a frustração é grande porque os cenários, ambientação e batalhas tem um estilo HEAVY METAL muito interessante. O autor cria deuses, senhores do caos, demônios, armas fodásticas e tudo mais. Há qualidade, mas é dada em pequenas doses espaçadas.

A sensação de “envelheceu mal” luta contra um personagem ricamente construído. Só um protagonista pode levar todo um livro? Basta ler menos de duzentas páginas para descobrir. Veja o passado da fantasia. Ver o passado dela pode ir além de Tolkien.

Nota

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Ficha Técnica

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Nome: Elric de Melniboné – A Traição Ao Imperador
Autor: Michael Moorcock
Tradução: Dario Chaves
Edição:
Editora: Generale
Ano: 2014
Páginas: 184
ISBN: 9788563993960
Sinopse: A história de ‘Elric de Melniboné’, o imperador albino e feiticeiro, é uma das grandes criações de fantasia moderna. Um fraco e introspectivo escravo de sua espada, Stormbringer, ele é também um herói cujas aventuras e andanças sangrentas levam-no, inevitavelmente, a intervir na guerra entre as forças da lei e do caos. Um clássico do gênero espada e feitiçaria, Elric de Melniboné é um ícone excepcional da fantasia de violência, poder, política e guerra.

Neste livro, Elric enfrentará a ameaça ao império de Melniboné e transitará entre o uso da magia e seus princípios morais, que o impedem de tomar algumas decisões. Além disso, sua amada Cymoril encontra-se em perigo, e ele não medirá esforços para salvá-la.
Pela primeira vez, a editora Generale traz para os leitores brasileiros a tradução dos textos originais da Saga de Elric de Melniboné, sendo este o primeiro livro.

A Balada do Black Tom – Victor LaValle

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Recorte da capa do livro, fundo preto, à esquerda, de uma fresta verde saem três tentaculos azuis. À direita, o título do livro em verde, e abaixo o nome do altor em roxo.
Recorte da capa do livro, fundo preto, à esquerda, de uma fresta verde saem três tentaculos azuis. À direita, o título do livro em verde, e abaixo o nome do altor em roxo.

Tommy Tester caminha pelas ruas do Queens com seu terno puído, sua boina ao contrário e seu estojo de guitarra. Se estivesse no Harlem, seria apenas mais um músico de rua lutando por alguns trocados. Não que Tommy (Black Tom) não se interessasse pela carreira artística: era apenas a falta de talento que o impedia. Isso e o fato de no estojo não ter um violão. Tommy está indo fazer uma entrega. Dentro de seu estojo leva um livro de capa amarela, encomendado por uma senhora reclusa. Tommy sabe que há magia no livro, assim como sabe que não deve lê-lo, mas também sabe que a entrega vai lhe garantir o aluguel do mês. Ele só não tinha como saber quem mais o estava observando…

A balada do Black Tom, escrito por Victor LaValle e publicado pela editora Morro Branco, foi lançado no Brasil em 2018. Vencedor dos prêmios Shirley Jackson Award, British Fantasy Award e This is Horror Award, e finalista de prêmios como o Hugo, Nebula e Bram Stoker, trás uma história de Horror Cósmico mistura com crítica à sociedade norte-americana e à obra de H. P. Lovecraft.

Resumo

Charles Thomas Tester, Tommy Tester como é conhecido nas ruas, é um trambiqueiro. Ele precisa manter um teto sobre sua cabeça e comida na mesa, além de cuidar do pai, Ortis. Charles realiza pequenos trambiques e trabalhos não necessariamente leais para garantir algum dinheiro, e um desses trabalhos é a entrega de um livro a uma senhora reclusa que mora no Queens. As consequências dessa entrega vão afetar a vida de Tommy, pois com seu terno e seu estojo de violão, ele acaba chamando a atenção de criaturas que deveriam continuar adormecidas, afinal “o Rei Adormecido está morto, mas sonhando”.

“Para H. P. Lovecraft, com todos os meus sentimentos conflitantes” – LaValle, Victor.

Minha leitura de Black Tom

Nunca fui uma leitora de Lovecraft (nem de literatura de terror), mas quando vi que o livro era escrito por um autor negro, baseado no conto de um autor que é criticado por muitos por ser racista e xenofóbico, precisei das uma chance pra obra. E gostei muito. A história contada por LaValle não tira a essência do que é contado por Lovecraft, mas consegue, de uma forma muito humana, mostrar o preconceito contido no texto lovecraftiano. Colocar um protagonista negro, mostrar como a sociedade branca trata as “pessoas de cor” e como todos nós temos preconceitos enraizados, que poderiam muito facilmente ser eliminados se apenas nos déssemos ao trabalho de conhecer o outro, faz a crítica à obra de Lovecraft se tornar ainda mais significativa, pois foi tipo um “Tá vendo, dá pra contar a história que você quer contar sem ser um completo babaca”.

O livro também tem o conto “Horror em Red Hook”, do qual “A balada do Black Tom” é uma releitura, para que o leitor tenha os dois pontos de vista e tire suas próprias conclusões. Particularmente, gostei mais da versão de LaValle, mas reconheço a importância que o Lovecraft tem para a literatura de terror, como também reconheço a importância de ler suas obras com um olhar crítico e manifestar descontentamento com o ponto de vista do autor.

Nota

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Ficha Técnica

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Nome: A Balada do Black Tom
Autor: Victor LaValle
Edição:
Tradução: Petê Rissati, Giovana Bomentre
Editora: Morro Branco
Ano: 2018
Páginas: 190
ISBN: 9788592795436
Sinopse: Charles Thomas Tester luta para colocar comida na mesa e manter um teto sobre a cabeça de seu pai, aceitando fazer trambiques e trabalhos obscuros do Harlem a Red Hook. Ele sabe bem o tipo de magia que um terno pode proporcionar, a invisibilidade que um estojo de guitarra lhe oferece e a maldição escrita em sua pele, atraindo os olhares atentos de ricas pessoas brancas e seus policiais. Mas quando faz a entrega de um livro oculto a uma feiticeira reclusa no coração do Queens, Tom abre uma porta para um domínio mais profundo de magia – despertando a atenção de seres que deveriam permanecer adormecidos.
Uma tempestade que pode engolir o mundo está se formando no Brooklyn. Será que Black Tom irá viver para vê-la se dissipar?

Formas do Nada – Paulo Henriques Britto

Capa do livro. um fundo azul, com alguns traços grossos de cor preta, em coluna à esquerda. Em primeiro plano, o titulo: Formas do Nada, e o texto:
Capa do livro. um fundo azul, com alguns traços grossos de cor preta, em coluna à esquerda. Em primeiro plano, o titulo: Formas do Nada, e o texto: "Poemas", na linha de baixo o nome do autor: "Paulo Henriques Britto", sobre um fundo branco.

Consagrado como um dos maiores poetas brasileiros em vida, bem como um dos maiores tradutores, Paulo Henriques Britto tem uma sólida obra literária. Publicou diversos livros de poemas e alguns volumes de contos e até mesmo ganhou Prêmio Portugal Telecom de Literatura em 2004. Além disso, é professor de literatura e tradução na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, onde se graduou e concluiu seu mestrado. Mais tarde, recebeu o título de notório saber, que é um reconhecimento necessário para que seja possível dar aulas na graduação e pós-graduação sem ter doutorado. Também traduziu grandes nomes, como Philiph Roth, Thomas Pynchon, Elizabeth Bishop, Henry James.

Para os leitores de poesia mais interessados em poemas mais formulescos, com métricas e rimas bem definidas, Formas do Nada será um prato cheio. O uso de formas rígidas contrasta com uma linguagem e temas muito coloquiais, descreveria como um formalismo-pé-descalço (talvez tenha ouvido isso em algum entrevista, vale ver essa).

Formas poéticas consagradas sofrem pequenas subversões, por exemplo sonetos com frases cortadas interrompidas no fim do verso. Pelo domínio da língua inglesa, Paulo Henriques Britto arrisca introduzir uns poucos poemas nela em seu livro, o que é interessante tanto pela sonoridade quanto pelos sentidos possibilitados por este idioma. Existe uma indeterminação semântica dos versos, de forma que são entregues ao leitor como se pare serem manuseadas em todas as direções, rumo a um inesgotável poço de sentidos. A batida forte dos seus poemas, diferente do comum, não parece estar disposta ao diálogo. É quase uma reclamação, uma declação. It is a claim.

OPINIÃO

Pela característica profundamente polissêmica dos seus poemas, as possíveis reflexões não nos parecem apontar direção alguma. Parece-me que o carácter do livro, descrito no título, é de nos levar a nada concluir. Há um toque de ironia e pessimismo na maneira como as situações são vistas e descritas, o que é até certo ponto divertido. É meio niilista, eu diria. Como Paulo Henriques Britto escreve no penúltimo poema do livro, “a coisa não tem jeito./ Nem nunca teve, aliás; Desde o início.” É como se todo o esforço através da construção poética, no fim das contas, não levasse a nada. Afinal, nada tem sentido…

Para mim, enquanto leitor de poesia mais comumente dedicado ao verso livre, senti uma certa resistência ao estilo do autor no início. Considerava métrica e rima um esforço vazio para uma forma esgotada e arrogante. Argumentaria que deveríamos é superá-las. Mas descobri, graças ao Paulo Henriques Britto, que, diferente da minha ideia inicial, não há necessariamente uma alegação de grandeza em um poema formal. Na verdade, a formalidade necessária a poesia está presente em todo grande poema. Em “Formas do nada” não é diferente. Contudo, a maneira como o autor equilibra formalidade e coloquialidade é, talvez, o grande valor do livro. Temas cotidianos, formas consagradas. uma pitada de pessimismo é a receita das Formas do nada.

NOTA

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Nome: Formas do nada
Autor: Paulo Henriques Britto
Edição:
Editora: Companhia das Letras
Ano: 2012
Páginas: 80
ISBN: 9788535920536
Sinopse: Desde o título, Formas do nada não deixa dúvida sobre o jeito de Paulo Henriques Britto praticar a poesia. O som aberto e incisivo dos “as” e a batida firme e séria do ritmo anunciam a pegada combativa de quem não está para contemplações ou devaneios. Sofisticado em seu uso da rima e da métrica, o poeta faz exercícios para melhor estourar a forma clássica: “A realidade é um calhamaço insuportável?/ Tragam-me então resumos./ A vida que se leva é um filme inassistível?/ Vejamos só os anúncios.// São os limites do corpo intrusões malignas/ de um demiurgo escroto?/ O corpo não é preciso, e o espírito é impreciso:/ eu não é um nem outro”. A inteligência busca o sentido das coisas e quase teme não encontrar nenhum. “Quase” porque o temor se transforma em força e desafio diante do ilimitado: o poeta, que se vê frágil e irredutível, trata de organizar o mundo com sua voz, com a qual captura o que talvez viva na sensação de vazio e sem sentido. A poesia de Paulo Henriques Britto, permeada pelo humor irônico de quem quase não se permite ter esperança, opera uma prestidigitação impecável e engana o leitor: diz produzir “sofríveis simulacros de sentido”, mas na verdade produz vida palpável e sonora.

Boteco dos Versados 20 – Indicações de Dinossauros Bruxos e Carneiros Assassinos

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Vitrine do episódio 20 do Boteco dos Versados. A esquerda tem uma coluna com a logo do podcast em cima, a logo do leitor cabuloso no centro e o número do episódio abaixo. Em destaque, um mosaico com as capas dos 5 livros indicados no episódio.
Vitrine do episódio 20 do Boteco dos Versados. A esquerda tem uma coluna com a logo do podcast em cima, a logo do leitor cabuloso no centro e o número do episódio abaixo. Em destaque, um mosaico com as capas dos 5 livros indicados no episódio.

E aí, chefia, seja bem-vindo ao Boteco dos Versados!

E hoje, mais uma vez, faremos indicações do que andamos lendo por aí. Então pegue sua cerveja e puxe uma cadeira para nos ouvir que o episódio está show.

Convidados:

Claudia Crodinha.

Ace Barros do Multiverso X.

Livros indicados:

Mergulhe nessa YA de primeira qualidade trazida pela Jéssica em Carry On da Rainbow Rowell.

Acompanhe os dramas vividos por essa dinossaurinha nerd nas HQ publicada pela Avec como Tê Rex: Spoilerfobia do Marcel Ibaldo e Marcelle Ibaldo ou siga @terexhq no instagram para ler gratuitamente.

Em mais uma indicação do capitão da interlúdio, descubra os perigos de afundar-se nas redes sociais com a HQ Adágio de Felipe Cagno, Sara Prado, Brão e Natália Marques publicada pela AVEC.

A querida Crodinha nos trouxe uma ficção histórica cheia de ambiguidade e mistério sobre um caso famoso de assassinato no Canadá emVulgo Greys da Margart Atwood;

E por fim, o Muca indicou um livro nacional que está fazendo bastante sucesso com seu enredo fantástico e tocante em A imensidão íntima dos Carneiros do Marcelo Maluf.

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