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Saiu o novo trailer legendado de #ATorreNegra #TeamRoland ?

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A Sony Pictures liberou o novo trailer legendado de #ATorreNegra, primeiro filme adaptação da saga de mesmo nome do mestre das escritas Stephen King.

O trailer traz cenas inéditas e apresenta um pouco mais do mundo de Roland, o Último Pistoleiro e de seu inimigo, O Homem de Preto. Roland aparece como um possível protetor da Torre Negra responsável pela manutenção de todos os universos, enquanto o Homem de Preto aparece com o objetivo de destruir o mundo do Pistoleiro e o mundo de Jake, o adolescente da Terra que acompanha o herói em sua história.

Segundo o diretor do longa, Nikolaj Arcel, o filme continua a saga após o término dos livros. Podemos concluir, pelas imagens já lançadas nos trailers que o filme busca, assim, trazer conteúdo original ao mesmo tempo que tem o compromisso de nos apresentar o universo criado por King. Dessa forma, o filme acabará agradando todos os públicos.

Ouça o CabulosoCast #150 sobre A Torre Negra

Leia a resenha de “O Pistoleiro – A Torre Negra volume I” de Stephen King

 

Confira o trailer:

 

 

O filme tem data de lançamento agendada para o dia 24 de agosto de 2017 no Brasil. #ATorreNegra 

Sobre o direito inexorável de exercer nossas escolhas

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Vivemos um mundo formado por bolhas de opinião.

Ponto.

Embora não seja uma realidade realmente recente – a sociedade ser moldada por opiniões barulhentas, não raramente extremistas é um fato desde os primórdios da civilização, do contrário não teríamos relatos de gente sendo queimada em fogueiras (este é um fato na realidade bem chato e, principalmente, intensificado pela web). O advento da possibilidade de curtir/apoiar/patrocinar/divulgar/compartilhar/dar joinha na opinião alheia de maneira barata e massiva fez com que pessoas que, mesmo sendo completamente diferentes e tendo ideologias completamente opostas se agrupassem em torno de UMA única ideia, quase como se formassem um clã. Não é rara essa única ideia ser o exemplo mais agressivo e abusivo de opinião que existe por aí – temos um nome para isso, inclusive! Chama-se discurso de ódio. E o que deixa a coisa complicada mesmo é que esse povo faz barulho.

Tipo, muito. Mesmo. E no fim das contas, uma torrente de ódio é cuspida rede afora por algumas coisas sem a menor lógica. Querem um exemplo?

Olha gente, essa é a Juliana. A Ju gosta de Mocotó. Tipo, nossa, gostar não é bem a palavra certa pra definir a coisa. A Ju AMA Mocotó. Ela IDOLATRA esse negócio que alguns gostam muito, outros um pouco e tantos outros acham a coisa mais asquerosa que já provaram em sua vida. Porque, veja bem, mocotó não é para todos. Há quem diga, inclusive que mocotó não deveria ser para ninguém porque, afinal, quem diabos ia querer um troço que – dizem as más línguas – é de puro mal gosto, não tem o menor requinte, não acrescenta nada a vida e se bobear faz até mal ao cérebro. Mas pra Ju isso não faz a menor diferença. É uma vida baseada em mocotó. É mocotó no café da manhã. No almoço. No jantar. Na internet. Na biblioteca. As vezes até mistura o mocotó com umas coisas nada a ver com o negócio. Mocotó pra dar e vender, e se dependesse da Ju, ela nem dormia, só pra continuar consumindo o tal do mocotó.

No entanto, por mais que esta atitude não seja considerada a mais satisfatória pelos gourmands mundo afora, a real é que, bem, quem está degustado a porcariERN, quer dizer, o bendito mocotó é a Juliana. Quer dizer que, a não ser que a Juliana venha ENFIAR o mocotó pela sua goela abaixo (literalmente), não tem absolutamente nada de errado nela gostar disso, certo? Ora bolas, nem faz sentido os puristas da degustação crucificarem o coitado do mocotó. Você nunca vai ver um mocotó concorrendo, por exemplo, com um produto top de linha e super refinado – A não ser que seja um (pffft) Mocotó BOM PRA C**** – porque simplesmente são coisas diferentes, entende? Então a Ju tem todo o direito de consumir o mocotó dela, beber, comer com o mocotó, dizer o quanto gosta e admira quem fez, como aquele mocotó representa a vida dela e etc. Porque a verdade é que o bendito do mocotó não está machucando, incomodando ou atrapalhando NINGUÉM!

De acordo? É um ponto de vista válido? Sério? Ufa, ainda bem!

Agora troque a palavra “mocotó” por “livro de youtuber”.

É isso aí!Vou dar até um segundo pra você se recompor.

Tenha certeza: você já praticou preconceito alguma vez na vida. E como leitor, o preconceito literário sem dúvida deve ter te feito de vítima. É normal, a gente começa assim mesmo. Mas não precisa terminar desse jeito. O fato é que – longe de mim defender que qualquer leitura já vale. Senão vou ter que abrir para o papo que a Bíblia já é um livro com histórias o suficiente para se guiar na vida. – no fim das contas se trata de um gosto pessoal. É um tipo de literatura que tem um tipo de clientela, muito bem mirada e cooptada. Não há porque sentir raiva, indignação ou nojo de um livro de Youtuber apenas porque é um livro de youtuber, e muito menos de um leitor de um youtuber apenas porque ele consome este tipo de leitura. Ninguém aqui está roubando cliente de ninguém, e tenha certeza que os livros de youtubers não são alternativas viáveis para um Pullitzer ou um Prêmio Hugo. E, embora nem todo o livro estimule a leitura, ainda se trata de um bom estímulo à rotina de ler.

Lógico, vez por outra vamos nos deparar com coisas realmente bizarras e asquerosas vindo de alguns autores – e nesta leva de pseudo-celebridades internéticas estamos bem servidos viu? – e, quando encarando coisas que NÃO DEVEM ser elevadas ou valorizadas (como racismo, machismo e cultura de estupro e tantas outras coisas) temos que ser conscientes ao combater aquele pensamento. Não porque quem escreveu se comporta que nem um retardado na frente de uma câmera via streaming (vamos falar a verdade, deve ter até mesmo algum que você goste) mas porque esta pessoa está colocando como positiva uma atitude execrável. Não podemos falar “Fulano do canal x fez um livro merda porque youtuber não sabe escrever”. Não, o caso aqui é outro. O caso aqui é que o “Autor fulano, em seu livro, defende a atitude x, e isso é errado!”. Caso se trate de um debate, a abordagem é tão importante quando o conteúdo da mensagem. Do contrário, vira (mesmo que aparentemente) apenas ódio gratuito despejado.

Lembrem-se, caros leitores, que muitos autores considerados mestres de seus tempos e estilos também fizeram o mesmo, mesmo sem nunca ter publicado um vídeo sequer na internet. Monteiro Lobato foi um racista de marca maior, assim como Lovecraft, e você não vê nenhum vídeo deles xingando muito na rede. Misoginia já passou pela caneta de grandes escritores dos anos 80 pra trás. Mesmo hoje você vai encontrar gente que escreve ótimas histórias mas que mantém desvios de conduta – e moral – em primazia.

Ser youtuber, jornalista, cozinheiro ou lenhador não definem a qualidade final do que você vai escrever, muito menos do que vá falar. Portanto, como direito constituído, temos que respeitar o que cada pessoa deseja ler, não importa o quando achemos bobo ou inútil. Nosso pensamento crítico é melhor servido combatendo os pensamentos realmente nocivos que podem existir dentro do livro ao invés de simplesmente criticar uma classe crescente de autores por ser quem são – novos famosos aproveitando sua vitrine para falar algo para seu público. Isso, afinal, não é nem algo novo: Autobiografias se tratam exatamente disso.

Defendo, sem dúvida, que sejamos responsável com a cultura e conhecimento que absorvemos. Mas também não podemos colocar nossas predileções em pedestais. O que te entretêm pode não entreter o vizinho. Esta cruzada literária, portanto, deveria estar ocorrendo de outra maneira mais positiva.

Se é que existe alguma, neste caso.

Cor Viva

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As paredes do meu quarto já não têm a mesma cor, e tudo o que restou foi uma mancha do café fresco que você derrubou, ao se assustar com a borboleta roxa que havia entrado pela janela. A luz, em toda a sua incandescência, parece esmorecer a cada segundo que passa, assim como minha alma. O seu riso curvilíneo e a sua risada assombram a minha imaginação, e já não consigo mais pensar noutra coisa. Tento me afastar de tudo o que me remete a ti, mas não consigo esquecer de cada segundo que passamos juntas, de cada momento que tivemos enquanto foi possível termos. A brisa noturna me acalanta quando o seu abraço me faz falta. Fecho os olhos e imagino o calor do seu corpo junto ao meu… e volto a me sentir protegida e acolhida. Seus abraços… Lembro-me de quando você escreveu aquele poema para mim e me entregou, lembro-me de como me senti ao tocar o papel, no qual a sua letra se encontrava desenhada, tão bem articulada, e em seguida, no ápice da felicidade, joguei-me nos seus braços e, em troca, recebi o mais terno abraço. Suas mãos me envolveram, foi como se tivéssemos virado uma só, duas almas habitando o mesmo corpo.

Levanto. Faz alguns dias que me viro nestes lençóis e derramo essas lágrimas amargas que me queimam de dentro para fora, esvaziando-me de qualquer esperança. Vou até a cozinha. Como. Bebo. Em seguida, escovo os dentes. Olho para o relógio, são três da tarde. Foi nesse horário que marcamos o nosso primeiro encontro. Sinto uma lágrima escorrer, mas rapidamente a seco. Eu preciso viver, não posso mais continuar assim. Corro até o quarto e abro a janela; faz um dia tão lindo lá fora! Fecho os olhos e respiro fundo para sentir o frescor da tarde. Ouço pássaros cantando, pessoas rindo, algum bebê chorando, um cachorro latindo. A vida, ela existe de fato! Eu preciso seguir em frente com os meus planos, e, por mais que todos pareçam insanos, eles precisam ser postos em prática; eu preciso viver tudo aquilo que planejei viver… Mesmo que seja sem ti. Vou até minha estante de filmes, passo o dedo por todos até chegar naquele… aquele que assistimos juntas tantas vezes, e que em todas choramos sem parar. Pego-o, abro e depois fecho a embalagem de novo e o coloco no lugar. Não há lágrimas, e isso já é um avanço. Dirijo-me até o filme da ponta da estante, esse eu nunca vi, e sei bem o porquê. Você nunca gostou de vampiros, e eu sempre respeitei isso. Por algum motivo, você sempre teve medo desses seres inexistentes, e por isso nunca quis ver esse filme. Mas eu quero vê-lo. Eu quero.

O filme começa e eu me encolho na cama. Agarro o travesseiro, sinto a adrenalina correr por minhas veias assim que a primeira batalha começa logo nos primeiros minutos. Torço, me agito, grito, me encolho de medo. Os minutos passam, o filme corre, e eu me esqueço de ti. Pelo menos durante algum tempo, eu me esqueço. Então o telefone toca e eu corro para atender. É a sua mãe.

— Você precisa vir buscar uma coisa que ela deixou para você.

— Eu não posso…

— Por favor, você precisa. Ela adorava isso mais do que tudo no mundo, e me pediu para te dar.

— Quando posso ir?

— Quando quiser, querida.

Despeço-me, desligo o telefone. Olho para a televisão, mas não tenho coragem de tirar o filme da pausa. O que será que você queria tanto me dar? Por quê? Eu nunca soube de nada que você gostasse tanto assim, porque, afinal, você quase nunca estava em sua casa. Nós praticamente morávamos juntas… Ah, o aconchego deste lar enquanto você esteve aqui… E agora tudo parece tão oblíquo… As cores das paredes se misturaram e  tudo está cinza; a única cor que restou foi o marrom do café que você derrubou na parede. A noite do café! Nessa noite você me disse que acreditava no poder das cores, e que a borboleta roxa que estava no nosso quarto era sinal de que algo muito espiritual estava por vir. Você fez uma análise completa, mas é só dessa parte que me lembro… Acho que você, esteja onde estiver, entende o motivo.

Dia três de outubro, dez da noite. Sua mãe me ligou desesperada. Pelo que entendi, você estava no hospital, morrendo. Perguntei qual hospital era, peguei minhas coisas e saí correndo. Peguei o carro, dirigi, cheguei ao hospital. Minha voz não saía, minha garganta estava seca, o ar parecia estar pesado. Eu não conseguia pensar, eu só queria você. Eu só queria você viva. Corri para o primeiro médico que encontrei, comecei a gritar por ti e logo sua mãe me viu. Ela veio, me acalmou, me sentou numa cadeira, me deu água e me disse:

— Ela morreu.

Senti meus pés ficarem frios, minha cabeça começou a rodar e um desespero se apossou de mim. Olhei para os lados, as vozes das pessoas me irritavam, todos ali pareciam vultos. Os cabelos, as cores vibrantes, tudo me causava tontura. Ânsia de vômito, gritos. Eu consegui gritar, e eu gritava o seu nome. Sua mãe chorava desesperada ao meu lado e eu estava incontrolável. Como aquilo era possível?! Há menos de vinte e quatro horas você estava comigo, feliz, rindo do café que havia derrubado, explicando sobre a cor da borboleta, contando sobre os seus planos para o futuro junto de mim. Não, aquilo tinha de ser mentira! O seu sorriso, o seu beijo, a sua voz quando nos despedimos…

— Mal posso esperar para realizarmos todos os nossos sonhos juntas — você me disse com um sorriso no rosto, antes de sair pela última vez de minha casa e nunca mais voltar.

Eu queria ter levado aquele tiro, eu queria ter estado no seu lugar, eu queria! Eu queria ter permitido que você escrevesse as suas páginas inacabáveis de felicidade, repletas de histórias para contar. Eu queria ter permitido que o brilho do seu sorriso nunca se apagasse, que os seus olhos amendoados continuassem a ficar esverdeados quando o sol batesse em seu rosto ao acordar. Queria que a vida não tivesse sido tão injusta contigo.

Dia três de novembro, cinco da tarde. Vou buscar a tal coisa que você deixou para mim. Sua mãe, ao me atender, sorri com timidez e fecha os olhos, numa expressão de alívio.

— Entre, querida — ela me convida carinhosamente com sua voz serena.

Entro e me sento no sofá. Ao meu lado está uma foto sua, de quando era criança. Você está sorrindo, com um grande pedaço de bolo de chocolate na mão. Seu rosto e roupa estão lambuzados de chocolate. Pego o porta-retrato e fico olhando para a foto. Não consigo imaginar uma criança mais feliz do que você no momento daquela foto, toda lambuzada de chocolate.

— Tome, é isto aqui — diz sua mãe, estendendo-me uma caixa marrom, o que me faz levar um susto.

Largo a sua foto ao meu lado e pego a caixa. Observo-a por infindáveis minutos, tentando imaginar o que estaria esperando por mim. O que você tanto gostava que fez questão de me dar, amor?

— É… eu esqueci de te contar… ela tinha acabado de comprar isto — diz sua mãe, alguns minutos depois.

— Mas a senhora não havia me dito que ela adorava isso que está aqui dentro mais do que tudo? — pergunto, confusa.

— Sim, ela adorava, sim. Nunca a vi tão feliz com alguma coisa quanto quando ela comprou isto. Abra. Era para você; ela me fez jurar que te entregaria.

Abri a caixa e não acreditei no que vi. Era um pingente de borboleta roxa. Ela tinha comprado aquele pingente, e aquilo representava tanta coisa para mim! Ela sabia que eu sempre me lembraria dela, e sabia que aquilo eternizaria tudo entre nós. Aquele momento com a borboleta nos fez sentir algo diferente, como se tudo tivesse mudado. Um ar místico se apossou de nós, e ela sabia que precisava eternizar o nosso amor com aquela borboleta. Ela sabia, e eu também.

Não vou dizer que aquele pingente fez a minha saudade diminuir, mas digo que me fez perceber que Celina não gostaria de me ver sofrer. Ela sempre quis me ver sorrir… Ela dizia:

— Marcela, você tem que ser feliz, sabe.

Eu serei feliz, eu viverei, eu realizarei todos os meus sonhos. Eu viverei tudo aquilo que havíamos planejado.

Eu viverei, e o nosso amor ficará eternizado. Ele ficará desenhado nas estrelas, na luz do luar, no raiar do sol, nas asas de cada borboleta roxa. Nosso amor sempre será único. Para todo o sempre.

 


Adriana Rodrigues: Lésbica, feminista e aprendiz de escritora.

Ninguém Nasce Herói | Eric Novello

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“Quebrando um velho hábito, me permito ter esperança. É justamente a esperança de que não estamos sós que vai nos levar à vitória. O resultado de nossa coragem é uma mensagem que vai sobreviver ao tempo e ao que existe do outro lado do rio.”

“Ninguém Nasce Herói” é o novo livro do Eric Novello, autor de obras como “Neon Azul” e “Exorcismos, Amores e uma Dose de Blues”. Mas, se as obras anteriores do autor eram marcadas pela fantasia, em menor ou maior grau, em “Ninguém Nasce Herói” Novello se aventura por um universo distópico Young Adult que se passa em uma sombria cidade de São Paulo, em um Brasil que vive sob um regime ditatorial.

Nesse outro Brasil, o presidente, chamado de o Escolhido, conduz um governo caracterizado pelo autoritarismo e pelo fundamentalismo religioso. O Escolhido chegou à presidência aos poucos, começando como um deputado menor e calgando seu progresso a despeito daqueles que diziam que, com aquelas ideias, ele logo desaparecia.

Não só ele não desapareceu como seu regime e sua milícia, a Guarda Branca, se tornaram um pesadelo e uma ameaça constante na vida de muita gente, em especial das minorias raciais, religiosas e sexuais. E é ai que entra nosso protagonista, Chuvisco, e sua turma de amigos, através dos quais acompanhamos o desenrolar dos acontecimentos da história.

Chuvisco, Amanda, Cael, Gabi e Pedro

Chuvisco tem catarses criativas. Nesses momentos sua imaginação voa tão longe que ele vê e interage com elementos fantásticos como se estivessem no mundo real. Quando vê um rapaz sendo agredido por membros da Guarda Branca, sem ter como se defender, ele mergulha na catarse e faz o que pode para salvá-lo. A partir daí seus amigos precisam ajudá-lo para que não seja vítima de represálias.

No meio disso tudo, ele descobre um grupo chamado Santa Muerte, que expõe na internet os atos de violência e intolerância dos grupos de apoiadores do governo. Por mais que ele se interesse, não é fácil entrar em contato com os membros do secreto grupo de vigilantes. Mas isso não quer dizer que Chuvisco não vá tentar.

Para complicar mais as coisas, Gabi traz ao grupo um namorado, Dudu, com quem Chuvisco tem um passado mal resolvido, o que começa a gerar tensões e atritos entre os amigos. Mesmo com todos esses obstáculos no caminho, eles precisam permanecer unidos se quiserem sobreviver à tirania do Escolhido.

Análise Crítica

“A semente da Guarda Branca foi plantada ainda no período democrático, formada por “cidadãos de bem cansados da violência no país”. Era seu direito se defender se o Estado falhava nessa missão, disse uma jornalista, incentivando os justiceiros.”

“Ninguém Nasce Herói” é um livro que venho esperando desde que ouvi falar sobre ele pela primeira vez. Eric Novello é um dos meus autores nacionais favoritos, tanto pela sua ótima prosa quanto pela capacidade que tem de tratar de temas sensíveis em suas obras com uma naturalidade e habilidade incríveis.

Em “Ninguém Nasce Herói” não é diferente. A sua prosa é de leitura gostosa e instigante. A narração em primeira pessoa me agradou muito, principalmente por Chuvisco ser um personagem muito rico e complexo, através do qual se torna muito interessante conhecer o mundo e a acompanhar história que está se desenrolando.

A trama de “Ninguém Nasce Herói” me parece mais direta do que aconteceu em “Amores, Exorcismos e uma Dose de Blues”, no sentido de ser menos intrincada e ter menos reviravoltas, mas sem deixar de reservar ao leitor boas surpresas pelo caminho. Esse livro me pareceu mais focado nos personagens, em aprofundar seus conflitos e personalidades, e colocar a história em andamento a partir disso, o que sempre costuma me agradar bastante.

A obra também reflete muito do nosso mundo. Chega a ser assustador em alguns momentos, o quanto algumas situações extremas que apresenta não parecem tão distantes da nossa realidade polarizada e do clima de ódio crescente a cada dia. O livro é como um vislumbre de para onde podemos ir enquanto sociedade, assim com um alerta de que ainda dá tempo de impedir que isso aconteça.

“Ninguém Nasce Herói” não é a continuação do seu bestseller favorito, nem o próximo volume daquela série épica inacabada; talvez não seja o livro que estávamos esperando, mas é, definitivamente, o livro de que precisávamos.

Nota

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Nome:
 Ninguém Nasce Herói
Autor: Eric Novello
Edição: 1ª
Editora: Seguinte
Ano: 2017
Páginas: 384
Sinopse: Num futuro em que o Brasil é liderado por um fundamentalista religioso, o Escolhido, o simples ato de distribuir livros na rua é visto como rebeldia. Esse foi o jeito que Chuvisco encontrou para resistir e tentar mudar a sua realidade, um pouquinho que seja: ele e os amigos entregam exemplares proibidos pelo governo a quem passa pela praça Roosevelt, no centro de São Paulo, sempre atentos para o caso de algum policial aparecer. Outro perigo que precisam enfrentar enquanto tentam viver sua juventude são as milícias urbanas, como a Guarda Branca: seus integrantes perseguem diversas minorias, incentivados pelo governo. É esse grupo que Chuvisco encontra espancando um garoto nos arredores da rua Augusta. A situação obriga o jovem a agir como um verdadeiro super-herói para tentar ajudá-lo – e esse é só o começo. Aos poucos, Chuvisco percebe que terá de fazer mais do que apenas distribuir livros se quiser mudar seu futuro e o do país.

Saiu o trailer de Jumanji: Welcome to the jungle

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O trailer oficial da nova adaptação de Jumanji foi lançado pelo canal Sony, responsável pela distribuição do longa. Com o título completo de Jumanji: Welcome to the jungle (Jumanji: Seja bem vindo à selva, tradução livre), o filme chega aos cinemas próximo ao Natal, encerrando a saga de filmes de 2017 no exterior.

No novo filme, continuação do filme lançado em 1995, quatro adolescentes encontram um jogo de videogame durante a limpeza de um depósito da escola que estudam, enquanto estão em detenção. O jogo nada mais é do que Jumanji e já sabemos o poder que esse jogo tem, não é mesmo?

Jogados no universo do jogo, eles assumem quatro personagens estereotipados do game, todos especialistas na natureza e suas ciências, além de armas (o que sempre vem bem a calhar nesses universos….). Os atores The Rock, Kevin Hart e Jack Black junto com a atriz Karen Gillan dão vida aos avatares.

Confira o trailer oficial (sem legendas)

 

Confira outra versão do trailer com legendas (feitas pelo Trailers nosferahcorp)

 

 

A estreia no Brasil está programada para janeiro de 2018.

 

Defenestrada

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— Defenestrada? — espantou-se o detetive ao ouvir o relato do zelador.

O detetive Bernardo era um sujeito culto. Sempre carregava um livro no bolso. Nesse dia, estava a ler uma deliciosa crônica do Veríssimo quando a chamada telefônica invadiu o momento ocioso de seu plantão.

Veríssimo admirava-se que um ato como este, descrito pelo verbo defenestrar, constasse do dicionário.  Não existe verbo para definir o ato de jogar algo ou alguém pela porta, atitude relativamente mais comum do que jogar algo ou alguém pela janela. Sendo a palavra de origem francesa, é possível que a defenestração tenha sido um comportamento popular na corte que já foi considerada a mais civilizada do planeta. Bernardo lembrou-se de uma passagem de Os três mosqueteiros em que d’Artagnan jogava um criado pela janela.  Se a memória não lhe falhava, Alexandre Dumas esclarecia que o mequetrefe não se machucara por ter caído sobre uma meda de feno. Com essas idéias em mente, não é de se admirar que perguntasse ao zelador: defenestrada?

Estando em um país de gente que pouco lê,  também era de se esperar que o outro negasse, confirmando seu analfabetismo funcional, ao afirmar exatamente o que negara:

— Não, caiu da janela.

Obrigado a trocar o mundo da literatura pelo menos interessante mundo real, o detetive perguntou:

— Quem caiu?

— A menininha ali.

Horrorizado, ele mais do que depressa correu até a criança.

— Ela está viva! — Ele iniciou o procedimento de ressuscitação cardiopulmonar, na certeza de que o colega chamaria por socorro médico.

— Viva?  Como, “viva”? Ah, meu Deus, minha netinha está viva! Chamem a ambulância!

— Pois foi a primeira coisa que fiz! Antes de ligar para a polícia,  chamei a ambulância. 

A mente ágil do policial disparou a analisar com frieza profissional o que seus olhos e ouvidos registravam. O detetive percebia a necessidade de entender a ordem em que foram feitos os telefonemas. Felizmente, nos tempos atuais, as ligações podem ser rastreadas.

O homem que declarara ter chamado a ambulância era o zelador. O outro, que gritara “minha netinha”,  era Orlando, conhecido na delegacia como um dos mais inescrupulosos “advogados de porta de cadeia”. O policial registrou as mudanças de expressão no rosto do avô: choque, surpresa, tristeza, horror. Ao exclamar “chamem a ambulância” e ao permanecer longe do corpo, o velho deixava claro que não socorrera a neta. Por quê? Porque deduzira que a menina estava morta. Deduzira como? Não escapara ao olhar atento do policial que a área onde o corpo jazia desamparado fora isolada antes da chegada da viatura.  Por quem? O avô assumira o controle da cena, conforme depoimento posterior do zelador.

Os paramédicos agiram rapidamente e Bernardo se afastou. O colega sinalizou que chamara reforço e estava a subir, a localizar e isolar a cena do crime.

A garotinha com roupas bonitas e cabelos bem cuidados era uma dessas tristes crianças urbanas que mais parecem um manequim de loja, sem direito a pés descalços e contato com a natureza.

Deixando a criança a cuidados mais competentes que os seus,  ele aproximou-se do zelador,  do avô e de umas outras poucas pessoas.

O zelador  parecia sentir urgência em desabafar:

—  Eu vi uma coisa cair, aí corri; quando vi que era gente voltei correndo e aí chamei o Pronto Socorro,  a polícia… Eu fico aqui na portaria da frente, aí só vejo quem vem pelo portão; a entrada da garagem é pela rua de trás, é porta automática, aí me aparece o pai da menina dizendo “alguém jogou minha filha pela janela”, aí ele correu lá para a calçada e aí ele sacou o celular…

O detetive interrompeu:

— Ele foi olhar a filha?

Um casal trocou olhares com o velho advogado,  que chorava.  Foi o zelador quem respondeu.

— Não, ele ficou de longe, aí entrou de novo no elevador, aí apareceu de novo com a mulher e os dois meninos, aí falou no pai, aí a família subiu, aí o avô chegou e eu sem entender todo esse sobe e desce e aí o senhor chegou e viu que a coitadinha está viva.

— Foi o choque — manifestou-se o avô.

— Por que não subiram todos juntos? — perguntou Bernardo.

— A menina estava dormindo. Eu subi primeiro com ela,  depois desci para ajudar minha esposa com os outros garotos e os pacotes.

Bernardo perguntou-se se aquele seria o pai. Ao lado dele, uma mulher — seria a esposa? — segurava o seu braço. O detetive se perguntava se os dois garotos haviam ficado sozinhos lá em cima.

Bernardo apressou-se em separar os implicados:

— Alguém da família precisa acompanhar a ambulância. O mais indicado nesse momento é o avô.

Como poderia Orlando recusar-se a ir sem levantar suspeita? A separação dos envolvidos era estratégia para colher depoimentos emocionados,  frescos, antes que o criminoso pudesse elaborar mentiras com os comparsas.

O próximo passo era separar o marido e a esposa. Bernardo notou a viatura de reforço que se aproximava e decidiu rápido. O pai seguiria com ele no primeiro carro. Antunes seguiria com a mãe e as crianças na segunda viatura. Um dos auxiliares já estava a chamar alguém para cuidar dos menores. A avó,  esposa de Orlando, provavelmente seria localizada com rapidez e a ela seriam entregues os dois meninos. Antes, fariam a inspeção e o isolamento  do apartamento.

 

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A primeira pessoa que saiu da viatura de reforço, para alegria dos dois detetives, foi uma assistente social, que se encarregou dos meninos.
O casal seguiu para a delegacia em carros separados. A esposa parecia perdida em pensamentos amargos e o pai lembrava um condenado à morte prestes a desmaiar de pavor.

— Vamos subir, então.

Quando Antunes e Bernardo chegaram ao andar, não havia ninguém no corredor. Bateram à porta vizinha; ninguém atendeu.

— Vou confirmar com o zelador se não tem ninguém morando aí ao lado — disse Antunes ao entrar no apartamento.

— O apartamento parece bem cuidado, tudo limpo e arrumado. Vou olhar a cozinha.

— Tem sangue aqui, Bernardo. — Antunes apontou para a mesinha de centro. — Espirrou no sofá também, aqui nesse canto.

Bernardo tirou fotos, marcou o local e coletou uma amostra do sangue de cada um dos respingos.

— Antunes, foi daqui — chamou Bernardo, parando à porta do quarto do casal.

A janela aberta, a rede de segurança cortada, um alicate no chão.

Antunes confirmou que havia sangue na rede e nas paredes externas, e foi sua vez de marcar, fotografar e coletar as amostras.

No colchão, era visível a marca de onde um adulto ajoelhara-se em frente à janela.

— Um homem levaria uns três minutos para cortar a grade, e mais alguns para jogar o corpo. Uma criança não teria força suficiente para usar esse alicate.

Bernardo olhava para baixo:

— O pessoal da técnica precisa responder se há diferença entre um corpo que caia sozinho e um corpo que seja atirado ou empurrado.

— Ninguém a ouviu gritar, mas ela estava viva.

— Devia estar inconsciente.

— Por que o desgraçado do avô não socorreu a menina?

— Por que o pai não socorreu a menina?

— Sabe, Antunes, pela cara de desespero que ele fez quando eu gritei que a menina estava viva, só posso pensar que ele tinha certeza de que ela estava morta. Ele não sabia.

— Como ele poderia ter chegado antes da gente e ainda por cima ter certeza de que a garota estava morta?

— Ele veio porque alguém o chamou.

— O assassino ligou para ele?

— O filho ligou para ele, suponho. Logo saberemos.

— Vamos lacrar o imóvel e examinar o carro.

— Primeiro o elevador.

— Estou aqui encafifado com o Gente Boa.

— Quem?

— O apelido daquele velho é Gente Boa, não lembra não? Porque toda hora ele entra na delegacia falando que “esse sujeito aí é gente boa”… O sujeito está tão acostumado a acobertar bandido que até se esquece de ir ver se a vítima está viva.

— Detalhe: a vítima é neta dele.

Bernardo lacrou a porta. A primeira etapa da inspeção estava concluída.

 

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Antunes pediu café e sanduíches; Anita reclamara que estava com sono e com fome.

— Vamos acabar logo com isso, meus filhos precisam de mim.

Nenhuma palavra sobre a enteada. Nenhuma lágrima.

— O que aconteceu?

— O Jorge, o meu pequeno, estava chorando. A irmã tinha cortado o dedo eu não sei onde e ele estava assustado com o sangue.

— O que vocês fizeram?

— Eu disse para o Fábio subir com a garota, porque o Jorge fica difícil quando chora, e não dava para segurar sacola e dois filhos. Fábio subia com a Melissa, largava ela lá em cima e voltava para me ajudar com os outros dois.

— Melissa dormiu com o irmão chorando?

— Dormiu.

— E o dedo machucado?

— Foi um cortinho de nada.

— Então…? O Fábio subiu e você ficou quanto tempo no carro?

— Ele não demorou, não. Pegou um dos meninos, eu peguei o outro, subimos. Aí lá em cima logo vimos que tinha alguma coisa errada. A porta estava aberta! Eu fiquei com medo e Fábio entrou sozinho.

— Chamaram pela menina?

— Não, ela estava dormindo, ou devia estar.

— Ela poderia ter acordado e aberto a porta, descido pelo outro elevador. Poderia ter ficado assustada em ver que estava sozinha no apartamento.

— Não pensei isso na hora.

— Em que pensou?

— Em algum ladrão.

— O Fábio entrou. Depois…?

— Ele me disse que não encontrou a menina, mas que a janela estava aberta e que parecia que ela tinha caído, ele ia descer para verificar.

— Como ele disse isso?

— Como?

— Gritou? Chorou? Como ele estava?

— Estava preocupado, a menina devia estar machucada. Olhou nos outros cômodos para ver se não havia ninguém, então falou para eu ficar na sala com os garotos e esperar por ele.

—  Ele pensou que havia alguém dentro do apartamento nessa hora?

— Não sei, acho que ele pensou que ela havia caído.

— Dona Anita, a senhora tem rede de segurança na janela, como uma criança poderia cair?

— Ela poderia ter cortado a rede ela mesma.

— O seu marido desceu dizendo que um estranho tinha atirado a filha dele pela janela. Não sabia?

— Estou nervosa, não tenho cabeça para prestar atenção em todos esses detalhes, sabe?

— Mas a senhora desceu e deixou os meninos lá em cima sozinhos, mesmo a sua enteada tendo caído lá de cima.

— O Fábio estava demorando muito a voltar, eu liguei para ele, como ele não retornou eu resolvi descer. Os meninos são muito obedientes, não iriam sair da sala sem eu mandar.

— Um menino de três anos…

— Dois.

— Como?

— O Jorge tem dois anos.

— E não lhe pareceu que uma criança de dois anos, assustada, poderia pensar em sair correndo atrás da mãe e se perder, cair ou ser pega por algum vizinho? Talvez alguém mal intencionado? Alguém que já tivesse machucado a Melissa?

— Não, não me ocorreu.

— A senhora pensou em telefonar pedindo ajuda?

— Claro, eu liguei para a ambulância.

— Mesmo? Por que não disse isso antes?

— Não disse? Bem, eu liguei; agora posso ir embora? Quero ver os meus filhos.

— A senhora se dava bem com a sua enteada? Ela era uma garota difícil, chorona, ciumenta, ranheta?

— Melissa é um amor de garota; fofa, alegre, bem humorada; os meninos adoram ela. Ela nunca me deu trabalho algum.

— A senhora ligou para a mãe dela?

— Não, não liguei.

Antunes deu-se conta de que ninguém se lembrara da mãe da menina.

— Tem o número dela aí? Aliás, como é o nome da mãe?

— Carlota. Deixe-me ver aqui na agenda… Quer anotar?

Antunes inclinou-se e copiou o número em um pedaço de papel.

Essa parte de ligar para os familiares era a que ele mais detestava em sua profissão. Diria a ela que a menina se machucara, e que ela deveria ir até o hospital, sem maiores detalhes. Assim, a mãe teria tempo de se preparar para esperar o pior.

 

4

Bernardo poucas vezes vira um rapaz tão sonso como o filho de Orlando. De olhos fixos no teto, parecia um bom aluno decorando a tabuada para a prova do dia seguinte.

— Bem, Fábio, este é um depoimento preliminar. Por favor conte tudo o que se lembra, desde que chegou no prédio.

— Nós entramos pela porta da garagem, sem maiores incidentes, não percebi nada estranho ali.

— Por que subiram separados?

— Os meninos tinham dormido. Aí eu resolvi levar a Melissa para cima primeiro, e depois descer para ajudar a Anita a carregar os garotos. Ela não ia conseguir levar os dois juntos, entende?

— Por que a menina não subiu junto com vocês, se ela estava acordada? Aí ela podia ajudar a abrir e fechar as portas, a carregar as sacolas, não podia?

— Ela não é muito de ajudar, não; ela faz barulho, fala alto, ia acordar os meninos. Do jeito que eu fiz era melhor.

— Notou alguma coisa estranha quando subiu? Alguém no elevador?

— Subimos apenas nós dois. Acho que ouvi música no apartamento ao lado, não tenho certeza. Deixei a Melissa na sala, comecei a descer pelo elevador e ouvi um barulho.

— Quando ouviu o barulho?

— Quando eu já estava descendo, foi logo depois. Como se alguma coisa tombasse, uma porta batesse, algo assim.

— O que fez?

— Voltei e chamei pela Melissa. Ela não respondeu e eu entrei.

— Tinha trancado a porta?

— Não, deixei só encostada, não quis deixar a menina trancada.

— Por que não?

— Achei mais seguro, vai que acontecesse alguma coisa e ela quisesse sair, e não conseguisse.

— Alguma coisa como?

— Pegasse fogo, sei lá, eu não gostava de ficar trancado quando era menino, e, afinal, ela tem cinco anos, não é como se não soubesse perguntar pelo pai ou dizer o número do apartamento para outra pessoa, entende?

— O senhor ouviu um barulho e entrou.

— Entrei, e foi aí que eu vi a rede cortada, e corri à janela, vi a Melissa caída lá embaixo e voei para a rua.

— Ligou para alguém antes?

— Não, só corri para ver minha filha.

— O zelador disse que o senhor ficou na calçada falando ao celular. Foi isso?

— Eu logo vi que daquela altura ela só podia estar morta, aí liguei para o meu pai.

— Senhor Fábio, a menina não estava morta. Estava viva. O senhor não pensou em examinar sua filha? Pegar o pulso? Chamar a ambulância?

Lágrimas correram abundantes pela face do moço, que ficou sem ar.

— Se eu soubesse! Se eu soubesse!

— Se soubesse o quê?

— Se eu soubesse que ela estava viva… Ah, meu Deus!

— Acalme-se; ela está no hospital, temos esperança.

O rosto do rapaz ficou ainda mais pálido, e ele estremeceu violentamente.

Bernardo teve uma das suas idéias malévolas.

— Senhor Fábio, quando sua filha se recuperar, ela mesma vai contar como foi ou quem foi que…

— Não!

— “Não”?

— Sim, sim, claro.

— “Não” o quê?

— Qual era a pergunta?

— Pergunta? O senhor é quem gritou “não”.

— Gritei? Estou fora de mim, desculpe.

— Quando foi que desceu para chamar sua esposa?

— Ah, logo que liguei para o meu pai, eu disse a ela para subir, ficar com os meninos lá em cima porque ia haver muita confusão embaixo e eles iam ficar assustados.

— Deixou sua esposa e seus filhos sozinhos onde disse que um estranho entrou e jogou sua filha pela janela?

— Já não havia mais perigo.

— Como não havia?

— Pense comigo, se o senhor jogasse uma criança pela janela e o pai dela percebesse, o senhor não ia procurar sair dali o mais depressa possível?

— Não se eu tivesse a intenção de matar a família toda.

— E por que alguém ia querer matar a família toda?

— Desculpe, doutor Fábio, mas o senhor é um advogado. Seu pai é advogado de bandidos. Vingança poderia ser um motivo, não acha?

— Não pensei nisso.

— Em quê o senhor pensou?

— Na minha mulher, eu queria deixar a minha mulher longe disso tudo.

— “Isso tudo” é a sua filha, suponho.

— Carlota, eu vou ter de contar para a Carlota, alguém vai ter de contar para a Carlota. Coitada da Carlota.

— Quem é Carlota?

— A mãe. Minha primeira esposa.

Novamente Bernardo observou um brilho febril nos olhos fundos daquele pai, que jogou a cabeça sobre as mãos e liberou os soluços.

Descontrolados e inconsoláveis soluços.

 

5

A praga do século XX, a malfadada televisão, não perdeu tempo em veicular todos os depoimentos não oficiais que conseguiu. Pouco adiantava o sigilo policial sobre os testemunhos do inquérito, pois as informações de rua viajavam na velocidade dos satélites.

Fato: a criança caíra.

Fato: o pai e o avô estavam no local, mas longe do corpo.

Fato: o policial foi o primeiro a socorrer a vítima.

Conseqüência: indignação popular.

Milhares de pessoas gritando “monstro” e “lincha” se reuniram em frente ao prédio dos Justos antes da meia noite.

O juiz encarregado do inquérito houve por bem decretar a prisão temporária dos dois suspeitos para garantir a segurança do casal. Detenção em cela individual, na própria delegacia, pois se tratavam de suspeitos, não de julgados e condenados.

Entrevistadas nas ruas, as pessoas eram eloqüentes:

— Afinal, são dois universitários, né?

O jornalista esclarecia:

— Fábio é advogado, como o pai, e Anita é pediatra.

Pronto. Confusão armada. Pediatra? E como vai deixando uma criança sozinha? Eles, os pediatras, não são os primeiros a dizer que os acidentes acontecem em casa, e que as crianças precisam de supervisão constante? E não foi socorrer a vítima? Aliás, nem foi olhar a vítima.

Os espectadores acompanhavam ansiosos o que as pessoas diziam nas ruas. Vizinhos que não tinham ouvido gritos. O zelador que mostrava as câmeras, onde ninguém estranho ao prédio entrara ou saíra. Cada uma das pessoas dizendo exatamente onde e com quem e o quê estavam fazendo quando o crime aconteceu — a essa altura, ninguém acreditava mais que se tratasse de um acidente. Cada vez mais o círculo se fechava em torno da família.

O depoimento da mãe da menina, pega de surpresa na entrada do hospital, mostrando a foto da filha sorrindo, as imagens da sorveteria onde a família estivera à tarde, com Melissa a brincar e rir com os dois meio irmãos, estranhamente não fortaleciam a imagem de uma família feliz. Ao contrário: o povo dizia “coitadinha, tão inocente, nem percebeu a maldade da madrasta”. No imaginário popular, a figura da madrasta já estava se transformando em dragão feroz a soltar fogo pelas ventas.

A notícia da morte da garota foi o estopim para uma tentativa de invasão da casa do Gente Boa, onde estavam os meninos, sob proteção policial. Uma onda humana quase derrubou o muro aos gritos de “morte ao assassino”. A pobre avó aparecia na janela aos gritos:

— Pensem nas duas crianças inocentes que estão aqui comigo! Sejam razoáveis.

Não foram. A polícia precisou de várias viaturas para esvaziar a vizinhança e levar a família para um local secreto.

Bernardo, assistindo o noticiário no bar junto com Antunes, sorriu.

— Para alegrar um pouco esse circo de horrores, é bom ver a cara do Gente Boa assustado. Depois dessa, ele vai ficar mais mansinho, aposto.

— Mansinho? Ele nunca foi ameaça.

— Arrogante. Presunçoso.

— E você já passou da idade de chamar sua rotina de circo de horrores.

— Quer saber a verdade? Não passei. Confesso: é a primeira vez que senti vontade de vomitar por causa do meu trabalho. Matar gente é uma coisa. Atirar criancinhas pela janela é outra bem diferente.

 

6

A assistente social parou em frente a Bernardo.

— Vim dar notícias dos meninos.

— Como eles estão?

— O menor não diz uma palavra sequer e nenhum dos dois consegue dormir.

— Onde estão?

— Com a avó. Comigo supervisionando. Por ordem judicial. O curador de menores não confia totalmente na família. Eu cuido para que tenham acompanhamento psicológico. Um pediatra foi chamado e achou desnecessário dar tranquilizantes.

— A palavra que ele usou foi “desnecessário”, Marília? Você é quem acha necessário ficar drogando menores.

— Longe de mim ter esse poder. A palavra que ele usou foi “inadequado”. Bem, já sabe, tem meu telefone e endereço; os dois estão sob minha supervisão até segunda ordem. Agora posso dar uma palavrinha com a mãe deles?

— Claro, por aqui, siga o Samuel. Samuel, leve a Marília até a Anita Justo.

 

7

— Uma das vantagens de ser cheio da grana — comentou Antunes, apontando para Bernardo, com um erguer de sobrancelhas, o homem elegante que atravessava a rua

O professor Ernesto, catedrático renomado, cumprimentou os dois policiais, parando para uma curta troca de palavras:

— Caso triste, rapazes. Ponho-me no seu lugar, Bernardo. É de estarrecer.

— Bom dia, professor. Vá ganhar o seu dinheiro.

— Ainda não aceitei o caso.

Bernardo o olhou com interesse, curiosidade e certamente com mais simpatia.

— Se está aqui…

— Vim conhecer o cliente. Ele não foi meu aluno. Desse caso com certeza algo há de servir para as minhas aulas.

Despediram-se.

— Antunes, eu gostaria de estar lá dentro e ouvir o que esse rapaz vai alegar ao advogado.

— Orlando deve ter instruído o filho a ficar calado.

— De qualquer forma não vamos ficar sabendo. Ernesto é um homem ético.

Lá dentro, na delegacia, Ernesto abria seu bloco de anotações, à frente de seu cliente.

— Então, Fábio, sou todo ouvidos.

— Foi ele. Já pegou o ladrão?

— Que ladrão?

— O que matou minha filha.

Ernesto esperou por alguns minutos, suspirou e disse:

— Fábio, eu sou um ladrão. Encontro uma menina sozinha em casa. Talvez dormindo. Por alguma razão a criança não me denuncia, ninguém a ouve gritar. Ao invés de roubar e ir embora, eu pego um alicate, jogo a criança pela janela, fujo de mãos vazias. Faz sentido para você?

— Então foi vingança.

Ernesto examinou a expressão do rapaz atentamente.

— Por que você não socorreu a Melissa?

— Ela estava morta.

— Sua filha estava viva. Você não foi verificar. Não confirmou a morte. Por quê?

— A Anita me disse.

— Anita nem chegou perto do corpo! Você passou pelo porteiro sozinho, depois foi buscar Anita. Desembucha, rapaz.

— Eu fiquei nervoso.

Ernesto aguardou. Minutos se passaram. Nada.

— Sabe, rapaz, eu tenho o seu pai em conta de homem inteligente, mesmo não concordando muito com os métodos dele, mas dessa vez ele me pediu algo contrário ao bom senso e à boa prática profissional. Ele me pediu que defendesse ao mesmo tempo você e Anita.

— Porque o senhor é o melhor.

— Fábio, conte a verdade. Eu não posso te aconselhar se não souber a verdade.

— “Aconselhar”? Eu lá quero conselho? Quero é ir para casa.

— Você não entendeu o problema ainda.

— Qual é o grilo?

— Para começar nem você nem Anita chamaram socorro. Nem se aproximaram da menina.

— A gente pensou…

— Para complicar, Fábio, Anita deu um depoimento totalmente diferente do seu.

— Aquela desclassificada. Só falta ela querer se livrar jogando a culpa para cima de mim.

— “Jogar a culpa”? Culpa de quê?

— Nada, nada.

— “Se livrar”? Seja claro.

— Ache o ladrão. Ele é o culpado.

Ernesto sinalizou ao segurança que a entrevista terminara, para que ele levasse o detido embora. Em seguida lhe trouxeram Anita Justo.

— Então, Anita, o seu sogro quer que eu defenda você e seu marido.

— Obrigada, professor, por nos representar.

— Não; deixe-me ser mais claro: eu ainda não aceitei.

— Por que não?

— Primeiro eu preciso saber a verdade.

— Melhor não dizer mais nada.

— Como seu advogado, eu preciso saber a verdade.

— Para jogar a culpa em mim e livrar o Fábio.

— Você é inteligente. Compreende que, pela posição dos celulares, a polícia saberá exatamente quem estava aonde?

— Não; a polícia saberá quem ligou para quem.

— O que, por si só, pode ser bastante incriminador, não é mesmo? No entanto, a operadora pode e vai nos informar, com precisão de milímetros, o local exato de cada ligação. Claro, o fato de que nenhuma ligação foi feita por vocês para pedir ajuda já está pegando pesado, como diz o povo. Uma criança, Anita! Você podia não gostar de sua enteada, mas deixar a garotinha ali jogada, morrendo, sem ajuda? Você, uma pediatra?

Os lábios da moça tremeram. Ela encarou o professor com olhos brilhantes.

— Meus filhos. Eu tenho de pensar em meus filhos.

— O que seus filhos viram, Anita?

Ela baixou os olhos, lábios apertados.

Ernesto levantou-se.

— Um acidente, eu compreendo. Um alicate cortando a rede de segurança, não. Estou fora do caso.

*

Até o fim da semana foram cinco os advogados procurados pelo Gente Boa. Os jornalistas os abordavam à entrada:

— O senhor  vai aceitar o caso recusado pelo professor Ernesto, o melhor criminalista do país?

O sujeito fazia pose para a câmara:

— Todo réu tem direito à defesa.

— O senhor acha que o casal é culpado?

Novamente o peito estufado e a pose estudada.

— Não houve julgamento ainda e todo acusado é considerado inocente até prova em contrário.

— Ou confissão, não é mesmo?

— Ninguém confessou nada; com licença.

Horas depois, mais humildes, os mesmos advogados procuravam sair de fininho.

— Doutor, pegou o caso? Podemos anunciar seu nome como o novo advogado no caso Justo?

O abordado agora colocava a mão em frente do rosto a evitar os flashes.

— Não. Nada a declarar.

*

Os piadistas não perderam a oportunidade: de alienígenas a encostos, os texto mais cômicos pululavam na imprensa marrom.

“Um ET materializou-se no apartamento da família Justo, encontrou uma unidade de carbono desativada, atirou-a pela janela para estudar a gravidade do planeta Terra e em seguida teletransportaram-se sem serem detectados pelas câmaras de segurança do prédio.”

“Um fantasma malvado utilizou o corpo do advogado Fábio Justo para cometer o crime. A seguir retornou ao Umbral deixando atrás de si um pai sem nenhuma lembrança da incorporação.”

“Insanidade temporária. Uma condição médica conhecida como epilepsia do lobo frontal pode ter desencadeado uma crise durante a qual o pai assassinou a filha sem ter conhecimento do que fazia. Os médicos confirmam que tais crises são precedidas por aura (explicando o barulho supostamente ouvido por Fábio) e seguida por amnésia total.”

Antunes afastou a pilha de jornais para o lado:

— Não é engraçado. Sinto náuseas ao ler essas porcarias. Pelo que ouvi hoje, o estado vai designar a defensoria pública para representar o casal Justo. Pobre Orlando.

— O filho que ele tem é produto da educação que ele deu.

— Você não acredita mesmo nisso, não é, Bernardo? Claro, educação influi, mas não é tudo. A genética, o meio ambiente, as circunstâncias…

— Blablablá, Antunes. Quer saber no que eu acredito? Em escolhas pessoais. Livre arbítrio. E eu não estou falando do livre arbítrio de Spinoza, não. É no meu, mesmo. Um dia vou escrever um livro e expor minha teoria sobre paternidade eficiente e responsabilidade social.

— Bernardo, alguém já lhe contou que você escolheu a profissão errada?

 

8

Há casos e acasos. A verdade talvez ficasse acomodada entre revelações e comoções por trás de telas variadas: máquinas fotográficas, televisores, filmadoras. Se tal não aconteceu foi por Antunes ter chegado cedo e resolvido estacionar na rua de trás, para saborear um pão de queijo com o parceiro, no Cantinho do Afonso.

— Não consigo entender como um homem tão bem de vida como o seu Orlando anda por aí com um relógio atrasado — comentou o Afonso, conversando com os fregueses de longa data.

— Rolex não atrasam.

— Não era Rolex, não, era Citizen, tenho um igual. Comentei com ele naquela manhã e avisei: olha, o seu mostrador está atrasado meia hora. Depois ele aparece ali — Afonso apontou para a TV — dizendo que passou na casa do filho às onze para entregar a mochila que a netinha havia esquecido no carro. Foi mais tarde, com certeza. Às onze ele estava aqui, comparando os relógios comigo. Ele deve ter pensado que o meu é que estava adiantando.

Bernardo ergueu os olhos.

— Suas câmaras de segurança estão gravando?

— Claro, doutor, não são câmaras de fantasia, não. Se um ladrão ousar me assaltar, fica tudo registrado aí para vocês.

— Tem muito comerciante economizando com câmera falsa, você sabe. Você pode nos ceder as gravações do dia do acidente? Extra-oficialmente. Eu e o Antunes assistimos aqui mesmo, e se for importante a gente depois volta com um pedido do juiz.

— Claro, doutor. Venha aqui no escritório.

— Separe as fitas. Voltamos depois do teste. A perícia preparou uma simulação para daqui a… dois minutos. Prepare aí uma boa cumbuca de feijão preto, com os torresminhos da casa e a sua couve mineira maravilhosa, que voltamos para almoçar.

Os dois detetives se retiraram.

— Antunes, você notou algo diferente nas fitas do dia do acidente?

— Fora um volume em um dos bolsos do Orlando, nada.

— Precisamente. Ele nos disse que era uma caixinha de Tic-Tac. Coisa dos netos.

— Vamos acompanhar a simulação. Tenho uma idéia esquisita aqui me azucrinando.

Muitos jornalistas se posicionavam ao redor do prédio.

Eram grandes as expectativas do público e da mídia. O teste da perícia determinaria se o corpo caíra sozinho ou com ajuda. Cautelosos, os peritos haviam pedido uma semana de prazo para confeccionar bonecos com o mesmo tamanho e peso da garotinha. Também quiseram fazer estudos preliminares. Até a imprensa internacional acompanhava o caso, então tudo precisava sair direitinho, no capricho.

Chegou o dia marcado, afinal. Centenas de pessoas debruçavam-se nas janelas dos prédios ao redor ou esmagavam-se nas calçadas em frente. Um garoto abordou Bernardo e Antunes:

— Por cinquenta pilas eu coloco vocês no terceiro andar. Ali.

— De graça eu vou estar ao lado do perito. — Antunes, rindo, mostrou seu distintivo ao decepcionado garoto.

Bernardo resmungou:

— Deve ter algum espertinho vendendo foto da janela dos Justos e algum otário comprando.

— A criatividade humana é fascinante, colega.

— É nojenta, isso sim. Acho que eu prefiro acompanhar os testes daqui de baixo.

A simulação durou duas horas exatas.

Antunes observou que Bernardo estava mais interessado em Orlando do que na simulação. A verdade é que o velho advogado parecia agora o fantasma de si mesmo.

— Eu vou almoçar em um lugarzinho aqui atrás. O Cantinho do Afonso. A comidinha é caseira, deliciosa — comentou Bernardo, aproximando-se quase casualmente de Orlando. Absorto em seus próprios pensamentos, a velha raposa não percebeu que estava sendo sondada.

— O Cantinho do Afonso. Conheço. As crianças gostam do sorvete de lá.

— Passou por lá esta semana? Tem novidades no cardápio?

— Não, faz algum tempo que não vou lá. Quase um mês, na verdade. Olhem, acabou. Vão recolher os bonecos. É um sofrimento, detetives, recordar, lembrar, ficar andando por aí com escolta para não ser linchado pela rua, este pesadelo não termina. Pobre do meu filho! Meus netinhos!

— Como estão os meninos?

— Em casa, com a Débora, minha esposa. Não podem ir à escolinha, saem todo santo dia com aquela assistente social horrorosa para ir ao psicólogo. Tão inocentes, não mereciam passar por isso.

Subitamente o rosto de Orlando endureceu.

— Por que estou falando com vocês, afinal? Não foi meu filho, mas ninguém acredita em mim.

O populacho começou a dispersar. Bernardo e Antunes fecharam e lacraram o apartamento, despacharam os peritos e foram almoçar.

Afonso instalou uma mesa para eles em seu escritório. Uma cerveja gelada, a cesta de pães frescos, os pratos feitos.

— Quando terminarem, é só ligar, aperte aí a tecla 2 nesse telefone. Fiquem o tempo que precisarem. Aí estão o vídeo, o controle remoto e as três fitas do dia do acidente.

— Obrigado, Afonso.

Quando se viram a sós, Bernardo falou:

— Coloca aí perto das onze, dez minutos antes.

Às cinco para as onze viram um homem entrar. Usava as mesmas roupas e um boné igual ao de Orlando. Levava nas mãos uma mochila rosa com bichinhos, idêntica à de Melissa.

— Não vejo o rosto dele, até parece que ele está evitando a câmara — reclamou Antunes.

O homem tomou um expresso, comparou seu relógio com o de Afonso, confirmando a meia hora atrasada, e saiu.

Bernardo retirou outra fita de sua pasta particular.

— Editei uma cópia da fita pericial para mim mesmo. Observe, Antunes. Ah, aí está.

No quadro congelado, Orlando e Melissa entravam no prédio. O avô usando camisa rosa, bermuda, boné e Rolex no pulso.

— Você acha que o homem mudou de relógio?

— Improvável, mas não impossível.

Na sequência, Orlando saía e retornava logo depois, com a mochila, e dizia ao zelador:

— Vou subir outra vez, a menina deixou a mochila no carro.

Logo após, entraram na portaria várias pessoas quase no mesmo momento: um carteiro, um entregador particular, um casal atrapalhado a perguntar por um morador. Se Orlando ou outra pessoa passasse naquele momento, saindo ou entrando, o zelador nem perceberia, distraído atendendo aos outros, e tendo seu campo de visão restrito.

Os detetives terminaram de almoçar, pediram a sobremesa, a fita corria e nada de Orlando reaparecer.

— Talvez ele tenha saído pela garagem, onde não há câmara.

— Talvez. Corra para a hora do acidente.

— Ei, pare aí. Olhe o relógio!

— Que relógio?

— Nesse quadro aí, vemos Orlando com o tal volume no bolso da camisa, e ele está de mangas arriadas, de maneira que não podemos ver o relógio.

Mais alguns minutos de filmagem. Outra vez Orlando passa correndo pela câmara.

— Congela! Olha aí: dessa vez vemos o Rolex e não tem volume nenhum no bolso dele.

— Ele disse que jogou fora a caixinha vazia de Tic-Tac. No entanto, seria um estranho momento para jogar fora uma caixinha de balas, não é mesmo?

— Volte a fita. Vamos contar as idas e vindas dele.

— Exatamente o que eu ia sugerir.

Entrou. Saiu. Entrou. Saiu. Saiu. Entrou.

— Aí tem lebre!

— Dois homens?

— Dois homens. Roupas iguais. Relógios diferentes. Um deles com um pequeno volume no bolso da camisa.

Bernardo retirou de sua pasta uma caixinha de Tic-Tac e um pendrive. Colocou um em cada bolso de sua própria camisa.

— Olhe.

— Você está pensando que…

— Algo foi roubado aquela noite, afinal. Vamos falar com o Ernesto.

— Ernesto?

— Antunes, esse pessoal da perícia está com a cabeça feita. Ninguém gosta do Orlando. No fundo está todo mundo adorando que a família dele se estraçalhe. Já o povo, esse vê o que a mídia quer que seja visto. A anta do nosso chefe quer dar um nome ao culpado o mais rápido possível. Ninguém vai querer saber da fita do Afonso. Eu não tenho autoridade, nem você, para mudar a direção do inquérito. Já a defesa do réu, sim.

— Uma terceira pessoa… Escondida onde?

— É o que o Ernesto pode descobrir. Vamos lá.

Ernesto acompanhou Bernardes e Antunes ao Cantinho do Afonso e examinou as duas fitas.

— Acho que sei do que se trata — disse ele. — Vou voltar à cela do Fábio. Afonso, rapaz, guarde essa fita com carinho. Vou voltar amanhã com a ordem judicial; até lá não posso requisitar a prova. Guarde segredo. Sigilo absoluto. Combinado?

— Sim, senhores. — Afonso obviamente não havia entendido nada, mas obedecia, secretamente orgulhoso em colaborar com a justiça.

Naquela mesma tarde, Ernesto retornou à delegacia onde Fábio e a esposa continuavam detidos.

—  Boa tarde, professor. Então meu pai não desistiu de mim.

— Ao contrário: seu pai não sabe e nem deve saber ainda que estou conversando com você.

— Mas, então…

— Eu sei de tudo, rapaz. — Ernesto colocou um pendrive sobre a mesa.

Fábio estremeceu, examinou o objeto com interesse e depois virou o rosto. Ernesto prosseguiu:

— Um pequeno objeto sumiu de seu apartamento naquela noite… Um detalhe tão pequeno que quase passou despercebido pelo exame das fitas. Sorte sua eu ter visto.

Fábio suspirou, mas continuou calado.

— Alguns anos em prisão semi-aberta por confessar um crime menor ou vários anos em regime fechado por um crime hediondo que não cometeu. É uma escolha fácil. Confesse.

 

9

— Quem acreditaria em mim?

— Ninguém. Infelizmente, quando alguém mente o tempo todo, as pessoas em volta ficam convencidas de que até a verdade é mentira. Ninguém vai acreditar em você, Fábio. As pessoas vão acreditar em mim.

O rapaz revelou:

— Há alguns meses uma multinacional me procurou, interessada em informações sobre as jazidas de petróleo do Jazidas de Xisto.

— E você resolveu roubar informações industriais.

— Que idéia. Eu só estava espionando. Só fiquei de intermediário.

— Em troca de uma boa propina pela intermediação.

— Negócios são negócios.

— Prossiga.

— Um sujeito me trouxe as informações em um pendrive há uma semana. Eu deveria ter ido almoçar com um americano no dia seguinte ao da morte da Melissa. Não pude concluir o negócio. Não ia poder concluir, de qualquer maneira.

— Quando deu por falta do pendrive?

— Quando entrei no apartamento e não vi a Melissa, fui até o escritório; o pendrive não estava mais lá.

— E depois de procurar o pendrive você foi procurar sua filha?

— Isso. Depois de procurar o pendrive eu pensei que a Melissa pudesse estar escondida, aí eu vi a grade cortada.

Ernesto sentiu uma grande tristeza. Os Fábios desse mundo o faziam perder a esperança na humanidade.

— Você tem a chave do apartamento do lado?

— Tenho; o vizinho quando viajava deixava a chave comigo para molhar as plantas e eu fiz uma cópia para mim.

— Quem mais sabia dessa cópia? Suponho que o vizinho nem imagina que ela existe.

— Não, ele não sabe. Ele está pensando em vender o apartamento. Anita sabia. Meu pai também sabia.

— Seu pai sabia sobre o pendrive?

— Não, meu pai foi contratado por uma firma brasileira interessada em ganhar a licitação da perfuração dos poços.

Então, pensou Ernesto, o velho sabia.

— Suponho que seu pai não aprovasse a entrega desses documentos sigilosos para a multinacional.

— Claro que não!

— Veja, Fábio, os fatos são esses: um homem, cujo rosto não vemos, passou em frente à câmara com um pequeno volume no bolso, na hora da confusão.

— Como ninguém notou?

— Ele usava roupas iguais às de seu pai. Exceto pelo Rolex. Para disfarçar, ele cobriu os punhos.

— O senhor disse que ninguém notou.

— Eu notei. O fato é que eu terei de provar que o homem na câmara não é seu pai. Na realidade eu já fiz isso, pois ele aparece em outro local, no mesmo horário em que seu pai chegou em seu apartamento pela manhã com Melissa. Chegou, mas não saiu.

— Não entendi.

— Um homem, que sabia do pendrive, estava em seu apartamento. Um homem com o mesmo peso e altura de seu pai. Um criminoso implacável. Sei quem ele é. Circula pela Senado, está infiltrado na cúpula do governo e eu gostarei imensamente de caçá-lo. Antes que ele passe as informações para a mesma multinacional que você, pelo dobro do preço.

— Como?

— A maior parte do dinheiro dos diretores dessa empresa… essa… exploradora de petróleo… para a qual você supostamente trabalha… A maior parte do dinheiro, ia dizendo eu, vem da venda de informações sigilosas aos supostos concorrentes. Subornar o país para enriquecer a si mesmo.

— Tudo foi uma armadilha, então? Eu confesso, fico com meu nome sujo, ou respondo processo por assassinato? Que rolo!

— Responde ao processo por roubo e escapa do assassinato. Pegar ou largar.

Ernesto levantou-se e dirigiu-se à porta.

— Pego.

— Assine os papéis, então — e o criminalista tornou a sentar e abriu sua pasta.

 

10

O juiz de instrução ficou boquiaberto.

— Como, Ernesto? Em dois dias você me entrega evidências, elabora teorias, traz uma confissão bomba de seu cliente e me pede voz de prisão para um senador?

— Peço soltura imediata de Anita. A moça não está implicada em nada.

— Vá lá. Liberdade para Anita.

— Habeas corpus para Fábio. Ele confessou. É réu de crime menor. Sem risco de fuga. Pode responder em liberdade.

— Concedido. Já a prisão do senador…

— Cassação imediata do passaporte. Ou ele foge.

Ernesto colou uma série de fotos sobre a mesa do juiz.

— Vê a semelhança? Pintar um grisalho aqui, colocar um falso bigode ali, roupa igual. Se colherem as impressões digitais no apartamento ao lado, onde ele permaneceu a tarde toda…

— Com que chave?

— Fábio tem uma cópia da chave. Ele recebeu uma cópia da chave, chegou, entrou…

— Quem lhe deu a cópia, se Fábio supostamente estava em casa quando ele chegou?

— Orlando.

— O quê?

— Orlando planejou tudo. Soube que o filho fora contratado pela facção contrária, chamou o outro para se passar por ele, entrar no prédio, pegar o pendrive e sair. Eu imagino que o senador cansou de esperar e dormiu, até dar por si e perceber que a família retornava do passeio.

— Muito azar, doutor!

— Infelizmente, bandidos também dormem no ponto. O sujeito ouve Fábio entrar e sair, escuta o elevador descer e pensa ter tempo suficiente para apoderar-se do pendrive e voltar a trancar-se no apartamento do vizinho. Ele não contava com Melissa.

— A menininha não gritou.

— Não, ela pensou que ele fosse o avô, aproximou-se, ele se assustou e apertou a boca dela para que ela não gritasse.

— Ele a asfixiou.

— Acho que foi por acidente. A garota se debateu, ele apertou demais, pensou que ela houvesse morrido e a atirou janela abaixo.

— Não encontramos impressões digitais.

— No apartamento de Fábio ele entrou de luvas. Já no apartamento vizinho ele talvez tenha sido mais descuidado. Possivelmente encontraremos fios de cabelo ou coisa melhor.

— Eu autorizo a visita ao apartamento vizinho. Se encontrar algo lá, só então eu peço a detenção do senador.

— Obrigado.

Meia hora depois Ernesto ligava, animado. No apartamento vizinho os investigadores haviam recolhido fios de cabelo e de barba, pelos de um bigode postiço, lençóis amassados e impressões digitais.

— Telegrafo já para Brasília — bradou o juiz.

 

11

— Detetive Bernardo! Detetive Antunes! Desculpem, não estou contente em ver vocês; a cada vez que aparecem, lá vem desgraça! O que é dessa vez?

— Boa tarde, Dona Débora. Hoje a notícia é boa.

Por detrás da avó, dois garotinhos espichavam uns olhos enormes.

— Será?

— Seu filho vem para casa. Ele é inocente da acusação de assassinato.

— Valha-me, Deus! Ai, meu coração estava tão pesado! É inocente, meu menino…

Antunes tossiu:

— Inocente da acusação de assassinato. Um ladrão realmente entrou no apartamento e roubou um objeto valioso.

— Roubou o quê?

— Um pendrive que não deveria estar com o Fábio. Sinto muito, mas o seu filho vai responder a outra acusação, por espionagem industrial. Um crime menor que lhe permite responder em liberdade.

— E a mamãe? — perguntou o menorzinho. — Mamãe volta com papai?

— Virgem Maria, ele voltou a falar! Orlando, o Nininho voltou a falar!

Orlando, pálido, surgiu no batente da porta.

— Pegaram o assassino?

— O pessoal de Brasília vai dar voz de prisão agora. É claro, nós viemos buscar o senhor para depor e lhe oferecer proteção policial.

— Estou frito, mulher. Aquele arranjo com o senador Campos já era.

— O dinheiro não vai entrar? Meu apartamento na Vieira Souto não vai sair, então? Nem a  viagem para a Escandinávia que você me prometeu?

— Mulher, deve ter um pistoleiro pior que Chapéu de Couro atrás de mim e você vem me falar de viagem?

Bernardo e Antunes se entreolharam. Antunes abaixou-se e sorriu para o garotinho:

— Vai ser bom ver o papai de novo, não é, garoto?

Os dois meninos se aproximaram e começaram as perguntas: Papai e mamãe estão com vocês? Vão chegar hoje? Vai demorar? Você falou com minha mãe?

Antunes tentava responder sem mentir. Bernardo levantou e suspirou fundo antes de ordenar:

— Cinco minutos, Orlando. Troque de roupa e me acompanhe. Vamos deixar uma viatura aí na porta por garantia.

— Estou cansada de ser vigiada — protestou Débora.

— Desta vez, senhora, é proteção e não vigilância. O senador Campos pode reagir com violência.

— Meninos, vovô já volta — disse Orlando. — Vai ficar tudo bem…

Os três homens afastaram-se calados.

Quando Bernardo deu a partida, Orlando falou:

— Foi mesmo muito azar a Melissa ter se colocado no caminho do senador Campos, aquele monstro.

Na mesma hora, saindo da prisão, Anita dizia, em uma entrevista à imprensa:

— Meu marido é inocente de assassinato. Ele mentiu e roubou, mas, afinal, quem é que não rouba e não mente?

 

12

Quando o júri popular foi cancelado e o caso passou a correr sob “segredo de justiça” a população enlouqueceu. Nem poderia ser diferente. Afinal, um senador estava diretamente envolvido e o caso respingava na própria pessoa do presidente.

Quase um ano depois a sentença foi proferida, o culpado condenado, o escândalo do Jazidas de Xisto correu o mundo e toda a família Justo discretamente “desapareceu”.

Bernardo e Antunes foram surpreendidos pelo convite para almoçar na casa do professor Ernesto. Mais surpresos ficaram ao chegar por não encontrarem nenhum empregado na mansão.

— Ao redor da casa há policiais à paisana, rapazes; vocês estão protegidos.

— Sinto-me muito desconfortável com a informação — desabafou Antunes.

— Vocês dois me colocaram dentro deste caso. Um caso, aliás, que eu estava perseguindo há meses.

— Seria impossível o senhor estar ocupado com o caso da menina Justo há meses.

— O caso da Companhia Tamoio de Petróleo.

— Por que nos chamou agora? Há um segredo de justiça a ser preservado.

— Rapazes, vocês começaram isso e vocês vão terminar. A família Justo vai mudar de nome, evidentemente, e recomeçar em outro lugar. Vocês foram indicados por mim para acompanhar, alojar e completar os arranjos necessários.

— Serviço brasileiro de proteção à testemunha.

— Exato.

Ernesto explicou aos dois policiais os trâmites das mudanças.

— Bem, não vou chatear vocês com a lista de detalhes sórdidos da sucessão de escândalos que assola nosso país. A lista dos corruptos é conhecida.

— O que quer nos contar, afinal, Ernesto?

— Lembram-se daquele roubo estranho, em que um carro foi roubado, e nele estava o computador do engenheiro-chefe do Projeto Jazidas de Xisto, com todas as informações sigilosas gravadas?

— Como não? Caso difícil de engolir.

— Eu fui procurado uns dias antes pelo engenheiro. Vamos chamar o homem de César.

— Como é que é?

— O rapaz estranhou a pressão para que ele terminasse o tal projeto em casa.

— Esquisito.

— Projetos importantes não saem das firmas. As pessoas é que ficam em seus postos em horas extras. Qualquer informação confidencial é proibida de ser replicada, impressa, copiada em nuvem. Há toda uma criptografia de segurança envolvida.

— Quando a gente ouvia a notícia na mídia, soou como se o engenheiro houvesse roubado o projeto.

— É o que os diretores da Companhia Tamoio de Petróleo queriam que se pensasse. O engenheiro respondeu a processo, perdeu o cargo, mas salvou o sigilo por ter me procurado antes.

— Essa eu quero ouvir.

— César desconfiou. Percebeu que algo muito, muito errado acontecia. Então, antes de deixar sua sala, codificou o projeto inteiro de forma que só ele poderia ler aquilo. O camarada é matemático, especialista em algoritmos.

— Pelo que entendi, esses algoritmos ficaram no computador roubado. E o projeto original?

— O projeto original, copiado em um pendrive, um dia antes, todo criptografado, saiu da firma através de um amigo.

— E aí…?

— César retomou o pendrive do porta malas do amigo e me entregou. Era só uma questão de tempo para perceberem o que ele havia feito e viessem atrás das informações. Ofereceram suborno. Uma quantia astronômica pelas informações. César fingiu aceitar. A polícia estava organizada para pegar o corruptor em flagrante quando aconteceu o impensável. Um ladrão entrou na casa dele e roubou um outro pendrive. Claro que ele tinha outros pendrives em casa. Só não imaginávamos que um ladrão burro fosse roubar um pendrive fajuto. Nós aguardamos para ver o que aconteceria. Ficamos a acompanhar os corruptores, e protegendo o César, que estava apavorado.

— Quem era o ladrão?

— Primeiro o corruptor. Orlando.

— O ladrão eu já vou adivinhar: Fábio.

— Meu Deus! Pai contra filho.

— A polícia louca para puxar o tapete dessa corja toda e limpar o congresso…

— Aí morre Melissa.

— Bem, rapazes, achei que vocês mereciam conhecer um pouco desse lamaçal. Comemoremos, rapazes; graças a vocês temos um senador na cadeia.

— Que seja o primeiro de muitos! — responderam em coro.

Bernardo exclamou:

— Sabem o que eu gostaria? Que esse fosse um conto de fadas. Seria tão mais confortável se a culpada, afinal, fosse a madrasta.

Bernardo lembrou-se, então, da crônica de Veríssimo, e se perguntou se, detrás de cada uma dessas redes de segurança, existia um pai ou uma mãe secretamente desejosos de defenestrar o filho.

 



Sonia Regina Rocha Rodrigues
é escritora e médica, idealizou o jornal Um dedo de prosa e foi co-editora da revista literária Chapéu-de-sol, que circulou em Santos/SP de 1996 a 2001. É autora dos livros de contos Dias de Verão (1998), É suave a noite (2014) e Coisas de médicos, poetas, doidos e afins (2014).
Em 1996, participou da fase regional do Mapa Cultural Paulista com o conto A auditoria, representando a cidade de Bebedouro. Sua monografia A importância da cultura para a formação do cidadão foi utilizada pelo prova do ENEM em 2011.
http://soniareginarocharodrigues.blogspot.com.br/

O Círculo: filme distópico com Emma Watson e Tom Hanks estreia hoje!

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Quinta-feira é dia de confirmar as estreias do cinema da sua cidade e o grande lançamento de hoje é o filme “O Círculo“, que traz Emma Watson e Tom Hanks no elenco.

 

No filme, Mae (Emma Watson) é uma universitária cujo sonho é trabalhar nO Círculo, a maior empresa de tecnologia do mundo fundada por Eamon Bailey (Tom Hanks). Após conseguir essa vitória, ela começa a trabalhar com o principal produto da empresa, chamado SeeChange, uma pequena câmera que permite aos usuários compartilharem detalhes íntimos de suas vidas pessoais com pessoas de todo o mundo. A função de Mae é documentar sua vida em tempo integral, mas ela logo percebe que tudo tem um preço. O problema é que o preço não é só pra ela, é pra todos que ela conhece.

 

Além de Emma e Tom, o elenco também conta com John Boyega (Star Wars: O Despertar da Força) e Karen Gillan (Guardiões da Galáxia) como destaques. O filme é dirigido por James Ponsoldt, de “O Maravilhoso Agora” e baseado em livro de mesmo nome escrito por Dave Eggers, lançado no Brasil pela Editora Companhia das Letras.

Confira o trailer legendado:

Qual a sua aposta para “O Círculo”? 🙂

Perigo nas Linhas de Código – Marcia Saito

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As coisas andam difíceis para Edgar. Trabalhando em uma gangue de pirataria na grande São Paulo, ele se vê perdendo o controle ao ter que viver essa vida escondendo uma outra parte dela: também trabalha para um agente da Polícia Federal que sempre faz questão de deixar claro quem manda. A missão do rapaz é achar outros hackers e ajudar o agente a encontrar outros criminosos.

Durante uma operação, as coisas ficam complicadas e Edgar vê a chance de sair desse ciclo. Para retomar o controle de sua vida, ele abandona a sua gangue e procura um emprego honesto. Mal sabe ele que ali as coisas vão se complicar ainda mais, fazendo o primeiro trabalho parecer coisa de criança.

Um pouco mais da estória

Edgar encontra a oportunidade para se tornar uma pessoa honesta ao ser contratado para o cargo de motoboy em uma empresa de tecnologia na grande capital, a BK Tech. As ruas de São Paulo são perigosas, mas não tanto quanto os perigos que esperam pelo jovem.

Ao escapar de um incidente que quase tira sua vida, Edgar conhece o sr. Wrand, dono da empresa que o contratou. Por um acaso do destino, ele se vê dentro de um jogo que envolve tecnologia, linhas de código e o que sabe fazer de melhor: descobrir o que há de errado em sistemas, ao invadi-los. Mas dessa vez, a situação é muito maior do que imagina e ele logo vai descobrir que fugir de um dos maiores gângsters da capital e tentar driblar o agente inescrupuloso que não sai do seu pé é muito mais fácil do que o problema no qual passou a fazer parte, sem querer.

Será que Edgar vai conseguir sobreviver ao perigo nas linhas de código?

Análise Crítica

“Perigo nas Linhas de Código” é um romance policial escrito por Marcia Saito e lançado pela editora Verve. O romance se passa na cidade de São Paulo e a escritora nos faz viajar com os personagens ao falar de ruas e lugares que conhecemos ou podemos conhecer.

O clima de ação está presente em toda a obra, das primeiras páginas ao final e a escritora não perde a mão durante os eventos.

Para quem entende de termos tecnológicos, o livro é um doce a mais na boca, por assim dizer. Mas, mesmo para quem, como eu, não tem ideia do que ela quer dizer, os termos usados não prejudicam a leitura e nem o entendimento dos eventos nos quais Edgar e os demais personagens enfrentam.

É um livro de escrita bem simples, o que é um ponto a mais. Curto, ele é agradável à leitura, já que os acontecimentos não saem do controle da escrita da autora ou do universo no qual a obra se passa (que, diga-se de passagem, é a nossa).

A impressão é feita em papel amarelado, a fonte é agradável à leitura, a capa é simples e os capítulos começam em novas folhas. Devido à formatação, em dois momentos percebi frases que parecem unidas, sem espaçamento entre as palavras, porém acredito que isso acontece em decorrência da justificação do texto e à fonte escolhida. Essa característica, embora não passe despercebida, não prejudica a leitura.

Por fim, o livro é divertido! Lembrou-me alguns livros que compunham a Coleção Vagalume, livros que entretinham os leitores, especialmente os novatos e mais jovens. Se você procura por um livro que tem ação, se passa em nosso país, fala sobre lugares que podemos conhecer e sobre pessoas que entendemos, “Perigo nas Linhas de Código” é uma ótima pedida. Ademais, é uma excelente oportunidade de valorizar a Marcia, escritora brasileira e incentivar a leitura de obras nacionais. Enfim, o que você está esperando?

Nota

Você pode ler o primeiro capítulo da obra através do Wattpad

Você pode comprar o livro diretamente com a autora através de seu Facebook

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Nome:
 Perigo nas Linhas de Código
Autor: Marcia Saito
Edição: 1ª
Editora: Verve
Ano: 2016
Páginas: 160
Sinopse: Toda a obra criminal, assim como na vida real, deve ter um vilão, uma vítima e um crime. Esta obra que já inicia em um ritmo frenético, tal qual no mundo virtual. Pessoas escondem-se atrás de avatares, o criminoso pode ser aquele ao lado da sua estação de trabalho ou num IP de outro continente. Mas, o sangue quente não está na tela fria, o projétil não é um aglomerado de pixels e o gatilho pesado não está no leve mouse. Marcia Saito coloca-se com “Perigo nas Linhas de Código”como uma visionária de uma nova modalidade da literatura policial nacional onde velhos conceitos do gênero são transportados para esse território. Tal como a internet nos domina a cada dia, essa trama irá capturar você.

 

Filosofia Trágica

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Quarta entrevista, por Hugo Pinheiro, no papel de substituto. Vinte e um de janeiro de 2017, às dez e treze. As perguntas de hoje vão ser sobre… As perguntas dessa gravação são sobre o caso de Beatriz Pinheiro. Os oficiais estão trazendo Bruno.

Boa tarde, é…?

Hugo. Boa tarde, Bruno. Então… Tudo bem por aqui?

Não; na verdade, pelo contrário. Porém, pouco importa. A que veio?

O Arthur não pôde vir, ele me entregou um roteiro de perguntas pra que eu substitua ele hoje.

Ele me ligou avisando que não poderia vir.

É. Eu estava com ele quando ele te ligou. Bem, as perguntas são especificamente sobre um crime… Pra pesquisa do livro.

Crime? Ah, tanto faz. O que você faz da vida? É jornalista também?

Não… Não exatamente. Eu até escrevo. Faço freela para algumas revistas e sites, como colunista.

Sobre o quê escreve?

Filosofia, que é minha área de formação. Mas muito sobre política também.

Filosofia… Por isso essa tatuagem?

Você viu? É da época da faculdade. Uma pequena… homenagem a Nietzsche.

Sempre achei filosofia Nietzschiana um tema interessante; talvez essa conver…

Nietzsche é bem acessível pra leigos. Enfim, vamos às perguntas? A sua paciente, Bea… digo, a senhorita Pinheiro; pode me falar sobre sua relação com ela?

Ora, o que posso dizer? Ela era uma paciente, como todas as outras, problemática. Veja bem, Hugo: a senhora Pinheiro se encaixa no diagnóstico de depressão pós-parto. Depois de dar à luz sua filha, Julia, ela desenvolveu certa… certa aversão por si mesma. E não tardou a rejeitar também a criança. Como deve saber, a gravidez foi inesperada; eu até diria indesejada, em certo ponto.

Indesejada…? Explique melhor, por favor.

Ora, eu trato a senhora Pinheiro por “senhora” pela força do hábito. Na verdade, Beatriz era uma mulher jovem. Tinha vinte e dois anos quando começou a visitar meu consultório, se não me falha a memória. Ela já apresentava um quadro de depressão fazia alguns meses.

Pode explicar a “gravidez inesperada”?

Beatriz engravidou cedo, quando ainda estava na faculdade. Conhecia um jovem, cursavam Direito juntos, flertavam às vezes. Um dia eles se encontraram em uma festa…O que acontece é: ela engravidou. E Richard, o jovem de que falei, se não tinha interesse algum em um relacionamento sério, imagine em um filho. Acredito que também não foi o momento para Beatriz. Concordaram em abortar, porém… como em muitos casos, os pais de Beatriz não. Disseram que, se ela abortasse, deveria deixar sua casa e se esquecer de que eles eram sua família.

Espere um segundo, ninguém… Não, não. Prossiga, acho que entendi o que disse.

Bem… Beatriz decidiu dar ouvidos aos pais e não interromper a gravidez. Sete meses depois ela deu à luz, após pagar por um processo clandestino de cesariana, com a criança ainda prematura. Não cabem detalhes neste ponto, mas em março do ano passado os pais de Beatriz me contataram, indicados por um colega da área. Eles sabiam que sou especialista em depressão, então contaram sobre Beatriz e os problemas que tinham com ela. Até fiquei interessado pelo caso, apesar de não saber o suficiente a respeito. Pedi que trouxessem Beatriz ao meu consultório tão logo fosse possível. Na semana seguinte, então, eu a conheci.

O que o interessou nesse caso? Pelo que o Arthur conversou comigo, você é bem seletivo com seus clientes.

Ora, você tem a informação anotada, não tem? Não se faça de…

Tenho várias informações sim. O que sei é…

É que Beatriz saiu com o bebê em uma tarde, após uma crise de ansiedade, e deixou a criança no banco de um parquinho.

Exato. O que diz aqui é que a senhora Estela Marino levou Julia para sua casa, pois, segundo ela mesmo, “estava pra chover”. E, de casa, ela entrou em contato com a polícia. Milhares de mães abandonam seus filhos todos os dias, não é? Por quê Beatriz?

De fato, muitas mães fazem isso. Porém, consta nas anotações que Beatriz voltou para buscar a criança?

Tenho para mim que foi por isso, apesar de saber que não. Talvez tenha sido o destino.

Destino… Acredita nisso?

Não, não. Porém seria limitador propôr apenas um motivo. Na verdade, foram muitos. É como se, após ouvir toda a história dela, minha mente montasse um quebra-cabeça com os acontecimentos. Eu vi uma coisa se repetir diversas vezes. E tive um estalo, uma hipótese para o caso.

Hipótese? Explique melhor, por favor.

Não tenha pressa, Hugo. Aos poucos você entenderá.

Se puder me fazer entender agora, eu ficaria agradecido.

Já disse para não ter pressa, Hugo; as coisas ficarão mais claras com o tempo.

Se esclarecer agora, que diferença fará?!

Deixei claro para Arthur e deixarei para você: não gosto de ser pressionado!

Me desculpe, me desculpe; é que…

Só não me pressione; estar encarcerado aqui já é estressante o suficiente. E me desculpe pela irritação, não estão sendo bons dias.

Eu que me desculpo. Por favor, prossiga. Qual foi o diagnóstico do caso dela?

Beatriz se torturava. Não compreendia porque desprezava tanto o bebê. E, na mesma medida, não compreendia por quê ligava para isso. Quando os pais de Beatriz entraram em contato com a polícia, após ela aparecer sem Julia em casa, foram convidados a fazer a identificação de uma criança encontrada por uma senhora. Confirmaram ser o bebê e levaram Julia consigo, e decidiram isolá-la totalmente de Beatriz.

Compreendo o porquê…

Porém, isso não vem ao caso. O que acontece é: Beatriz ficou arrasada quando afastaram a criança dela.

Espere… Isso deveria fazer sentido?

Não. Não deveria fazer sentido. Era isso que atiçava minha curiosidade.

Me explique melhor.

Nesse ponto, tudo não passará de presunção.

Que seja; sua opinião é o mais importante aqui, não é?

O que acho é que Beatriz sofria de um quadro de Múltiplas Personalidades; no entanto, não tive tempo de confirmar a presença do distúrbio; apenas enxerguei alguns sintomas durante as consultas. Ela sempre agia diferente; ora alegre, ora triste, ora eufórica, ora depressiva. Na minha opinião, haviam personalidades se contradizendo o tempo todo, e isso é comum nesses casos. Por um lado, o eu X de Beatriz culpava o bebê por todos seus problemas. Trancar a faculdade, brigar com o namorado e com seus pais, além de sua presente melancolia… E, por outro, o eu Y a culpava por odiar a bebê.

É tão paradoxal…

Sim, é muito. Eu até poderia descrever como um Paradoxo de Personalidade; porém, acho que é um termo nunca cunhado.

Agora eu… entendo.

Continue, por favor, Bruno, continue.

Bem, a autotortura que eu citei era literal. Muito antes de se consultar comigo, Beatriz já praticava esse tipo de punição.

O quê…? Isso não está citado nos autos.

Era mais uma prática antiga. A polícia deve ter presumido que era de conhecimento da família; porém, Beatriz escondia bem. De qualquer forma, não há uma relação entre isso e o suicídio.

Como não?! É um sintoma da depressão!

O suicídio dela não tem relação com a depressão em si, Hugo. Não simplifique as coisas.

O quê?! É visível que Beatriz decidiu suicidar por ressentimento!

Não. Você está errado, Hugo. O caso é bem mais complicado do que isso. Sou um psicólogo experiente, dê mais crédito às minhas palavras; não é só uma questão de consciência.

Se acabou de me dizer que ela se autoflagelava, só pode ser isso!

Sim. Ela tinha esse… esse hábito, porém, foi antes de começar as sessões comigo. Assim que ela me contou sobre isso, eu a proibi de continuar.

Acha que ela iria parar por quê você pediu? Não seja arrogante!

Está com meu fichário?

Com uma cópia dele.

Me dê aqui.

Veja isso.

Sempre tirei fotos dos pulsos e tornozelos dela antes das sessões. Assim, eu a mantinha ciente de seu esforço, e me mantive ciente do meu. Me fazia bem saber que a estava ajudando. Me faz até hoje.

Uhum, eu imagino… Vocês tinham três encontros por semana, não é? Sobre o quê conversavam?

Sobre a vida, normalmente. Sobre como falta sentido nela. Não tem essa impressão, às vezes?

Às vezes, sim…

É uma noção bem trágica.

Eu sei. Pode se aprofundar mais nos assuntos das conversas?

Veja bem; não é algo que eu queira fazer, entende? Apesar de estar preso, continuo sendo um psicólogo. E devo sigilo aos meu pacientes; ao menos o sigilo essencial.

Arthur disse que você responderia a todas as perguntas.

Arthur se enganou. Eu não posso simplesmente contar tudo.

O que exatamente pode contar?

Posso dizer que Beatriz pensava muito na vida. Na verdade, pensava muito mais na morte.

E eu posso dizer que eu já imaginava isso, afinal, ela se matou.

Suicídio, Hugo. Ela cometeu suicídio.

Dá no mesmo…

Sabe qual a diferença entre a morte e o suicídio?

Você escolhe o suicídio. É como desistir, abrir mão da ilusão na qual vivemos.

Acha que pode falar sobre filosofia comigo, Bruno?

Não vejo problema nisso. E acontece que perguntou. Beatriz lia muito Schopenhauer, sabe?

Sim, sabia… Mas não creio que levava a sério aquela corrente filosófica.

Então engana-se. Ela levou, sim. Em dados momentos, ela quase se convenceu de que a vida não passava de um erro, graças ao pessimismo schopenhaueriano.

Conversavam sobre suicídio, então, não é?

Desde a primeira sessão; Beatriz pensava muito à respeito.

Ela acreditava que a vida era um erro? Acha que por isso ela cometeu suicídio, não é?

Não, não por isso. A opinião dela mudou radicalmente após as sessões começarem. Beatriz lia muito Schopenhauer, e em contrapartida sempre li muito Nietzsche. Discutimos bastante a respeito das noções de vida, mundo e suicídio; sempre enxergando além dos dois lados. Porém, sempre tive certa vantagem, pois como você sabe, Nietzsche estudou Schopenhauer especialmente para contrapô-lo.

Mas acha ético falar sobre suicídio com alguém com tendências a cometê-lo?

Sou um psicólogo, Hugo. Eu falo do tema que achar relevante para meus pacientes. Não ignoro uma questão simplesmente pelo que o senso comum pensa a respeito.

Então acredita que o suicídio é uma escolha?

Eu diria que admiro essa… essa noção. Porém, como psicólogo, eu sei que há uma série de implicações quanto à sobriedade dessa escolha. Para que você entenda, me diga: qual o discurso de Nietzsche a respeito do suicídio?

Que pode ser uma escolha…?

Não apenas isso, na verdade. Nietzsche diz: pode ser uma escolha, se feita em plena consciência, e sem nenhum fator do meio pesando sobre a escolha.

De fato é quase isso, com um tom mais visceral.

Bem, como psicólogo, posso afirmar que nosso meio influencia diretamente nossas escolhas, independente de qualquer coisa; então, não tenho coragem de concordar com as palavras de Nietzsche.

Já pensou em suicidar, Bruno?

Quando jovem, sim, cogitei muito a possibilidade. Porém, mudei de ideia quando comecei a cursar Psicologia, porque enxerguei além.

E, mesmo assim, admira essa noção niilista?

O problema é: Nietzsche não foi pessimista o suficiente. Acreditava que as pessoas teriam discernimento para escolher plenamente. No meu papel de psicólogo, de analisar as pessoas, concluí que poucas pessoas têm tal consciência… Por isso, discordo da posição dele, em certo ponto. Claro, considerando isso mais pelas pessoas do que por mim mesmo.

Acha mesmo que existem pessoas assim? Que conseguiriam escolher, sem serem influenciadas pelo meio em que vivem?

Acredito, sim. No entanto, sei que são pouquíssimas, senão quase nenhuma. E, em geral, optam por viver, como eu.

Acho que você se considera pleno para fazer essa escolha, não é?

Sem dúvida. Como psicólogo, meu esforço consciente me isenta do meio. Assim, tenho discernimento para escolher.

E escolheu viver, não é?

Por enquanto… Ao menos por enquanto.

Considera Beatriz uma dessas pessoas, que poderiam escolher?

Antes das consultas? Creio que não.

E enquanto ela se consultava?

Não posso atestar, apesar de acreditar que pude ajudá-la a enxergar que o suicídio tem que ser pensado como um direito. Mostrei que ela tinha uma escolha; a de terminar consigo quando bem entendesse. Contanto que tivesse certeza do que estava fazendo, e de que fazia por si, e por mais ninguém.

Acha mesmo que uma jovem depressiva teria consciência para escolher isso?! Não seja prepotente!

Você não entende, Hugo. Beatriz havia superado a depressão. Nada de pulsatilla ou de paroxetina, não mais. Beatriz abandonou essas drogas; obviamente, sem o conhecimento da sua família conservadora. Ela já conseguia lidar com o fato de ter uma filha, apesar de não se considerar apta para criá-la.

Esses remédios… esses antidepressivos… constam como prescritos por outro doutor.

Sim, os pais dela julgavam necessário, porém eu não uso esses recursos. Eles  apenas prejudicam o tratamento e o paciente. Raro os casos em que prescrevi alguma droga, talvez apenas no caso do senhor Emanuel.

Um dos outros suicidas, não é?

Não. Ele não. Emanuel morreu de overdose, por causa desses mesmos remédios. Enfim… Isso não vem ao caso.

Overdose?

Prefiro não tocar nesse assunto; por favor prossiga.

Tudo bem, não precisa falar então. Voltando. Tinha alguma ideia de que Beatriz podia cometer suicídio?

Não; porém, era uma possibilidade debatida. Ocasionalmente, ela se indagava se seria um bom caminho, como eu havia dito.

Aqui consta que ela se consultou no dia do ato, não foi?

Sim, sim. Ela ficou pelo menos das três às cinco.

Sobre o que falaram naquele dia?

Faça-me um favor… eu sei que você ouviu a gravação.

Sim, infelizmente ouvi. Não é meu objetivo tirar conclusões sobre isso, mas por curiosidade, por quê gravava?

Já esclareci para Arthur a respeito.

Não faz parte da pesquisa. Como disse, é por curiosidade. Se quiser, posso desligar o gravador.

Desnecessário. Eu gravava apenas os casos complexos. Escutava as consultas dias antes de realizar outras, para me atentar a certos pontos e tomar nota das coisas importantes…

Importantes em que sentido?

Importantes para o tratamento. Assuntos nos quais tentava me aprofundar em outras consultas.

Não achava antiético fazer as gravações?

É antiético a polícia ouvir. Do mesmo jeito que irrita o paciente saber sobre. Porém, para todos os efeitos, se ficar comigo, teoricamente não há problema algum.

Mostrou as gravações para alguém, não é?

Não. Apenas uma vez… Foi um erro, eu sei. Você sabe como são as coisas.

Se quer saber, não considero crime o que você fez, Bruno. Talvez você seja doente, como as pessoas dizem, mas… acredita que estava ajudando as pessoas, não é?

Não “acredito”. Eu estava.

Mesmo quando dizia que talvez a morte fosse melhor?

E não concorda comigo, Hugo?

O problema é que a sociedade não concorda, Bruno.

A sociedade não sabe de nada! Esse é o problema! Não temos liberdade, Hugo. Não temos direitos, não podemos viver nossa vida como desejamos… Nem mesmo podemos deixar de vivê-la sem sermos julgados. Em algumas religiões o suicídio é um pecado, porém, eu vejo como uma ação nobre, corajosa. Algumas pessoas simplesmente não têm motivos para viver, e não as culpo. Às vezes, é difícil mesmo para mim enxergar motivos.

Sei como é. Pra alguns filósofos, a relação entre viver e pensar é a única coisa que temos. E é o que nos mantém vivos.

Me imagine, então: preso, sem poder fazer o que melhor faço. Meu regime fechado me privando de sequer desejar um “bom dia” para alguém que não vista uma farda. Ultimamente, penso muito se vale a pena viver nesta situação.

Não acha que pode ser inocentado? Que pode mostrar a todos o que faz, abrir um precedente?

A verdade?

Sim, afinal é o que importa aqui…

Não acredito que eu vá sair daqui nunca. A única coisa que me mantém vivo, por enquanto, é seu amigo Arthur. Ele será meu legado. Vai escrever minha história e, talvez, fazer algumas pessoas refletirem a respeito.

Já pensou em fugir?

Todos que entram aqui pensam nisso. Porém, desisti da ideia; seria como admitir a derrota. Acreditar que tudo que fiz foi uma farsa, que eu mesmo sou uma farsa. E sei que não é verdade… Concorda?

Em alguma medida, sim… Sinto muito pela sua situação, também. Nem sempre as pessoas estão prontas para certas coisas.

Tem razão… porém, como estariam? É incomum se discutir a respeito… E… E sabe, me enoja pensar que estou preso por ser realista. Estou aqui pura e simplesmente por conceitos retrógrados e… porra! Isso me tira o sono, Hugo. Todas as noites, quando deito, penso que devíamos ter mais liberdade… As pessoas poderiam não julgar umas as outras para viver.

E por elas continuarem a fazer isso, em toda nossa mísera existência, perco mais e mais as esperanças em nossa raça. Como lidar com isso?

Eu… eu também não sei.

Quantas vezes não pensei em desistir… Não de nossa luta; desistir de mim mesmo. Fazer da minha existência algo maior. Um marco. Se mais pessoas lutassem por nossa causa, pelo direito sobre a vida e a morte, talvez nos escutassem. Sabe do que precisávamos?

Do quê?

Precisávamos de mártires, de ídolos, figuras de inspiração, que discursassem por nossas ideias e lutassem por nossos direitos.

Acredita mesmo que isso funcionaria?

Quanto mais pessoas desistissem, menos o conceito soaria errôneo. O cristianismo foi criminalizado há séculos, e isso mudou com o crescimento dos adeptos. O divórcio já foi errado, assim como ter relações homoafetivas e uma série de outras questões… Todas essas coisas foram julgadas como pecados por nossa sociedade. No entanto, as pessoas mudaram esse paradigma, aos poucos. Começaria com a luta dos mais fortes, a linha de frente; que, aos poucos, abririam mão de suas vidas em prol da causa. E se tornariam mártires. O próprio Jesus foi um. Então, a partir de um, todas as correntes seriam quebradas, e as pessoas se livrariam dessa ilusão.

Você também sente vontade…?

De me livrar dessa ilusão?

Não. De se tornar um mártir, uma figura de inspiração.

Nunca fui um protagonista, se é que me entende. Sou mais como um militante da causa. No entanto… eu faria, mas pelos outros, não por mim. E você, sente?

Talvez… Não sei se teria coragem para assumir essa responsabilidade.

Entendo. É uma escolha e aceitá-la não significa consagrá-la. Diferente do que a sociedade costuma fazer, nossa causa nada impõe.

Acredita que vale a pena morrer por algo em que se tem fé?

“Apenas as cabeças pequenas e limitadas temem seriamente na morte, a destruição total do ser; para espíritos verdadeiramente privilegiados tal medo fica afastado.”

Precisamos de mais pessoas como você, Hugo.

Precisam?

Nossa causa precisa. Você é o tipo de pessoa que se torna um mártir.

Sou…?

Imagine quantas pessoas iriam… Quantas pessoas iriam tê-lo como inspiração?

Não quero ser fonte de inspiração.

Mas pode ser uma; tem muito potencial.

Então explique: como eu faria isso?

Torne-se um exemplo da liberdade! Prove que temos o direito de acabar conosco, quando quisermos!

E como vou fazer isso?!

Vá além. Prove que pode ser livre, que pode fazer suas escolhas.

Me libertando dessa “ilusão”, não é?

Exato. Apenas com exemplos nós nos tornaremos relevantes aos olhos do povo.

Então… Eles deveriam saber que fiz isso pela causa… Não é?

Sim, é a melhor forma de divulgar nossas palavras, nosso discurso.

Talvez escrever um bilhete suicida?

Uma postagem na internet poderia viralizar, uma carta chegaria às mãos da imprensa. Porém, o mais importante é deixar claro que luta por uma causa.

É sempre a mesma conversa, não é Bruno?

Como é?

Acha que não percebi o que tentou fazer comigo? Me diga: usou aquelas pessoas fragilizadas como ídolos da sua causa?

Não foi?

Responda, Bruno. Afinal, gravei tudo; ficar calado agora não vai mudar nada. Me diga: acredita mesmo nessa causa?

É claro. Você não?

Não vou mentir; concordo com suas palavras. Mas não acho que uma onda de suicídios associada a uma luta por direitos seja uma boa jogada. São como as revoluções armadas: estão usando o mesmo artifício do opressor. Usando as mesmas armas.

Como venceremos uma luta, senão pela força? Toda revolução depende do impacto que causa, não seja ingênuo!

Sua ideia de impacto é meio… é meio radical.

Não seja hipócrita!

Não. Eu não sou.

Você diz apoiar nossa causa; porém, discorda da luta que a acompanha. É um sacrifício, Hugo. Conseguimos muitos direitos apenas após muito sangue e suor.

Mas o que acabou contra mim, consta no Código Penal, artigo 122: “Indução, instigação ou auxílio ao suicídio” é crime. Por isso está preso, Bruno. E até concordo que todos deviam ter o direito de escolher, mas isso não é escolha: você tentou me influenciar. E, se fez isso comigo, fez com todos.

Quando Arthur se ofereceu para escrever acerca da minha vida, concordamos: sem julgamentos.

Eu não sou Arthur, Bruno; eu não prometi nada e não posso ignorar o que fez. Você se lembra de todos seus pacientes? Todos que induziu, aos poucos, alimentando suas frustrações, seus piores sentimentos? É falta de ética o que fez, não é? Logo a ética que tanto o proíbe de falar.

Se lembra bem de Beatriz, não é? Pode me contar como foi o último dia dela?

Eu já falei o que tinha para falar!

Ela disse algo sobre nó… sobre sua família?

Tudo bem, se não quer responder, estou indo…

Ela disse que amava toda sua família. Ainda que seus pais não fossem os melhores, tinha um bom irmão e uma filha perfeita. Sempre dizia que eles eram seus pilares.

É. Ela era amável. Sabe… Me lembro como ela estava naquele dia. Tinha saído de casa pra tomar um café com o redator do site. Quando me despedi dela, ela disse “adeus”. Foi a última vez que ouvi sua voz.

Acho que não entendi muito bem, Hugo. Pode repetir?

Espere. Não, não diga…

É… É um mundo pequeno, não é Bruno? Eu precisava te encontrar de alguma forma. Quando Arthur disse que estava trabalhando em um livro sobre seu caso, não consegui acreditar. Puta coincidência, né? Um colega de trabalho, convivendo com o assassino da minha irmã…

Assassino…

O mundo é mesmo pequeno. Arthur sabe que Beatriz era sua irmã?

Não. Ele não contei até agora. Não o culpe por isso.

Diga àquele… Diga a ele para jamais voltar aqui.

O que é isso, Bruno? Sei que o que você mais quer são os holofotes. E uma biografia escrita por Arthur Muller… Bem, isso garante algum prestígio, não é?

Contarei tudo a ele hoje à noite, e provavelmente ele ligará te pedindo desculpas. E virá amanhã, com mais desculpas e pedindo para perdoá-lo pelo incidente, prometendo ser mais profissional…

Hugo, sobre o que ocorreu com Beatriz… Quero dizer que… que não foi pessoal.

Eu sei, Bruno, eu sei que não foi. O que eu fiz hoje também não. Mas, no fundo isso não muda nada, não é?

Só precisava entender por quê você fez isso com tantas pessoas. Por isso decidi vir aqui. Precisava entender o que isso significava pra você.

E entendeu?

Estou indeciso entre: “Sim, você acredita no que fala, apesar de ser medroso demais para lutar por sua própria causa” e o “Não, você é apenas uma pessoa doente que precisa se tratar, pois no fundo adora fazer o papel de… de ceifeiro“. Acho que é um bom termo, não é?

Bem; eu preciso ir, porque está tarde. Nos vemos de novo no julgamento. Até lá, espero que sobreviva a essa merda de lugar; apesar de tudo, acho que nem você merece esse inferno. Qualquer dia eu te ligo; acho que você pode me ajudar a superar.

Não vai mais falar nada, não é? Isso confirma minha hipótese. Você realmente acredita no que diz, só é medroso demais para seguir sua própria filosofia. Foi bom conversar com você. Suas palavras me lembram as de Beatriz.

Éramos muito parecidos.

É, eram mesmo. A diferença é que ela foi uma mulher corajosa, e você é apenas um psicólogo metido a Messias de um novo credo.

A propósito, a tatuagem foi só uma prenda por perder uma aposta, coisa de universitário bêbado. Na verdade Nietzsche não é uma grande inspiração; como você percebeu, prefiro Schopenhauer. Mas sabe, eu te perdoo, afinal “tudo aquilo que se faz por amor está sempre além do bem e do mal.” Até mais, Bruno.

 



Matheus Salfir
é um rato de livraria que adora ler no ônibus e olhar para o vazio. Costuma dormir quatro horas por noite; escuta menos podcasts do que queria e escreve menos do que deveria. É fascinado pelo ser humano, por suas invenções, descobertas e histórias. Tem uns textos no Wattpad, e perdeu vários quando seu HD deu pau. Trabalha numa livraria e produz podcast quando pode, no Diário de Livreiro e no Wattcast. E busca estar perto das coisas que ama: tudo o que foi citado (menos o HD dar pau).

#LCNEWS – Semana 22 a 30 de maio de 2017 – trailers e filmes

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Olá, Cabulosos e Cabulosas!!!

As últimas semanas foram cheias de lançamentos de trailers e os próximos dias prometem muitas estreias no cinema e nos canais de streaming, então separei as principais novidades e reuni tudo nesse post para vocês! Tem trailer, tem série, tem filme…. Prepare sua agenda, segure suas emoções e prepare-se para as novidades! Vem coisa boa por aí!!!!

TRAILER LEGENDADO DE “EXTRAORDINÁRIO”

“Extraordinário” chega aos cinemas em novembro e é adaptação do livro de mesmo nome da escritora R. J. Palacio. O elenco conta com Julia Roberts, Owen Wilson, o garoto Jacob Tremblay,  Sônia Braga, Mandy Patinkin e Danielle Rose Russell. Tremblay dá um show de interpretação e é impossível assistir ao trailer sem já se emocionar!

O filme chega ao mundo em novembro de 2017 e o trailer foi legendado pela equipe do canal Trailers nosferahcorp.

TRAILER LEGENDADO DE “GAME OF THRONES – 7ª TEMPORADA”

O Inverno chegou e os livros não! Enquanto aguardamos por eles, já entregamos nossos corações à série da HBO! A sétima temporada de GoT promete surpreender a partir de 16 de julho de 2017. Para onde a guerra nos levará?

MULHER-MARAVILHA CHEGA AOS CINEMAS

Prepare-se para o hype! O filme “Mulher Maravilha” chega aos cinemas brasileiros no dia 31/05/2017. Pra quem ainda não viu, o último trailer está lindo!!!

NOVA TEMPORADA DE HOUSE OF CARDS ESTREIA NA NETFLIX

A espera acabou! Repito: a espera acabou!

A nova temporada de House of Cards já pode ser assistida na Netflix e promete ser uma boa competição à situação política brasileira… não, pera….

SÉRIES “O CONTO DA AIA” E “DEUSES AMERICANOS” SÃO RENOVADAS PARA SEGUNDA TEMPORADA

“O Conto da Aia” ou “The Handmaid’s Tale”, adaptação do livro de Margaret Atwood, já está disponível no streaming Hulu e foi renovada para a segunda temporada.

A primeira temporada conta com dez episódios, com lançamentos às quarta-feiras. A previsão é que ela acabe no dia 14/06/2017.

“Deuses Americanos”, adaptada do livro de mesmo nome de Neil Gaiman, também já foi renovada para a segunda temporada. Talvez alguns deuses americanos estejam bem felizes agora…

A série pode ser vista através do serviço Amazon Prime Video.

 

 

Os Presbíteros de São Luiz e o Santo Suicida

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Já estava muito velho quando finalmente se cansou de vestir todo dia a mesma farda. Usando a bacia de água, ele tirou camadas e mais camadas de maquiagem, acumuladas ao longo dos anos. Encarando no espelho, perguntou-se o quão fundo se podia chegar. E toda vez que uma camada dissolvia, encontrava-se mais com o vazio da expressão verdadeira.

 

Os presbíteros de São Luiz davam cinco voltas na praça Lindolfo Bell todas as manhãs, mas naquele dia não houve procissão. O irmão Marcos tinha se matado no segundo andar.

Diversas perguntas foram feitas para as pessoas erradas. Até hoje, vozes se alteram quando o assunto é discutir o que leva um homem santo a querer encontrar o diabo. São as mulheres, falou um que muito falava e pouco sabia. Os irmãos, em sua maioria, não desejavam mulheres.

Mas isso não impediu uma mulher de desejar irmão Marcos, na época, um jovem sonhando com aviões de guerra fabricados nos Estados Unidos. Quando as bombas caíram nos Japoneses, ele decidiu virar Santo. Em dezembro, ela casou-se com seu primo. Mesmo com dois anos de diferença, os dois eram muito parecidos.

A igreja cuidou do velório, os dois insistiram em pagar o caixão. Eram donos da loja de móveis e o carpinteiro não cobrou. Um homem santo, disse ele.

O caixão ficou pequeno, mas não houve quem negasse o presente.

Dois cachorros moravam na praça Lindolfo Bell antes daqueles dias. Um, era magro de doer. O outro, era tão magro que dava dó. Irmão Marcos deu comida e conquistou a confiança dos dois, como fizera com os outros irmãos.

Linguado e Peteca uivaram durante todo o funeral, ao ponto do Bispo — ninguém esperava presença menos importante — mandar que os irmãos fossem se livrar de pelo menos um dos dois. O outro ficaria de sobreaviso.

Piedosos, soltaram os cachorrinhos na divisa com Guadalupe, onde viveram grandes aventuras, foram adotados por um pescador caolho e tiveram dezenove filhotes.

No meio da missa alguém cochichou que o irmão havia se matado. Até a homilia todo mundo já sabia, e, em meio aos cânticos, uma bolsa de apostas já estava aberta. Queriam saber se ele ia ser enterrado junto com os cristãos de verdade. E assim foi.

Em São Luiz todo mundo fala que foi ali que tudo começou a dar errado. Embora os mais velhos insistam que tudo estava errado há muito mais tempo, e os muito mais velhos nem se lembrem mais de quando as coisas eram certas, mas sabiam que agora tudo estava errado.

Enterraram o suicida como um cristão, porque ele era santo. E assim virou um santo suicida, único de sua categoria e diretamente de São Luiz. Tudo o que teve em vida foram cem milagres confirmados e um revólver guardado na caixa de evidências.  Dizem que, quando o assunto finalmente chegou ao Papa, este desistiu do emprego. Por garantia, chamaram um argentino.

Na época, a notícia parou na mesa do editor do Notícias Populares, que ligou para Augusto, que era amigo de Filipe, que morava perto de João. João disse para Filipe que disse para Augusto que disse para Raimundo que era melhor ele deixar o assunto morrer. Um cheque de cinquenta mil parou na mesa do editor no dia anterior que ele desapareceu da redação. Sem assunto, optaram por seguir com aquela história do bebê diabo.

Assim, a chance de São Luiz aparecer para o Brasil morreu junto com o santo. Outras ideias vieram, como uma estátua do irmão, uma escola no seu nome ou, quem sabe, rebatizar uma rua. Todo prefeito daquela cidade de dois mil habitantes prometeu ao menos um monumento dedicado ao Santo.

Nenhum monumento foi erguido, mas oito prefeitos ganharam nomes de ruas.

Embora o homem fosse santo com mais de cem milagres confirmados, só ficou conhecido em São Luiz. O são-luzente mais famoso acabou sendo João Miguel, da dupla Jefferson e Leandro. O engraçado é que mesmo João Miguel tendo sido curado de um mal terrível pelo homem santo, jamais em toda sua vida pública chegou a comentar sobre o ocorrido ou sua cidade natal.

Por alguns anos, o sentimento em São Luiz sobre o cantor era de alguém que venceu na vida. Diziam que eram felizes pelo garoto fazer tanto dinheiro. Depois, o sentimento passou a ser de raiva, por ele não ter voltado para dar o dinheiro para eles. Onde já se viu, disseram, garoto ingrato, confirmaram. E o assunto ficou assim por mais cinco anos, até o empresário de João Miguel dar cinco tiros nas costas dele em legítima defesa.

João não morreu, mas não se fala mal de um homem que é baleado cinco vezes nas costas por outro em legítima defesa. Nessa época, o Notícias Populares não existia mais e Raimundo já tinha passado por cocaína, heroína e chá de fita.

Raimundo ficou conhecido pelos colegas como o único sujeito que tomou chá de fita e se arrumou. Sobre isso, houve aquela vez em que tomei cerveja em um bar com Aurélia, irmã de sua segunda esposa, que me disse que o homem que ela conheceu, morreu na bebida.

Uma das netas de Linguado e Peteca acabou parando no programa do Gugu. E isso é tudo que tenho para falar desse assunto.

Quanto ao irmão Marcos, homem santo e suicida, soube que, quando chegou no inferno, foi separado dos suicidas comuns. O diabo não queria ele influenciando e dando esperança para as almas torturadas. Ganhou um apartamento próximo ao Rio de Janeiro, mas sem vista para o mar. Faz parte da mesma panelinha de Galileu e São Francisco. Muitas vezes, passa horas discutindo com Melquíades se o jejum às quintas e aos domingos não seria de fato obrigatório para se ir para o céu.



Luís H. Beber não é escritor e não usa o primeiro nome.
Aparentemente, esse desinteresse é comum em pessoas chamadas “Luís”.
É apresentador e produtor de podcast no Homo Literatus.
Você pode escutá-lo todo mês no podcast Hora Alucinógena.

O Pistoleiro – A Torre Negra Vol. I | Stephen King

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“O homem de preto fugia pelo deserto, e o pistoleiro ia atrás”

Com essa frase, Stephen King começou a saga de sua vida: A Torre Negra, obra que demorou mais de 40 anos para ser concluída e aproximadamente 2500 páginas para contar como Rolland, o último Pistoleiro, viveu a aventura de sua vida para alcançar a Torre Negra, a origem de tudo no universo do autor.

O primeiro volume chamado “O Pistoleiro” foi publicado em 1982 e escrito pelo autor quando ele tinha apenas 19 anos, em meados da década de 1960. Iniciando a sua jornada pelo mundo das letras, o próprio autor deixa claro que esse livro é fruto da mente e habilidade de escrita de um King adolescente, fascinado e influenciado pela saga “O Senhor dos Anéis” de J. R. R. Tolkien e filmes de western que faziam sucesso na época.

Apesar da visão quase pessimista do autor e de muitos de seus fãs, a saga “A Torre Negra” começa muito bem. É um livro prazeroso de se ler, com apresentação de personagens importantes e histórias que nos deixam sem fôlego em alguns momentos. Se isso é apenas o começo, mal posso esperar pelo que realmente “A Torre Negra” com seu Pistoleiro me reservam!

O Pistoleiro e seu deserto

Somos jogados ao deserto junto com o Pistoleiro em sua caça implacável pelo Homem de Preto e no decorrer do livro ficamos sedentos por conhecer mais sobre Rolland, sua história e os acontecimentos mais marcantes de sua vida.

Logo no início da obra, ele encontra o colono Brown e seu corvo falante (e bastante assustador) Zoltan. Em busca de uma refeição quente e uma cama confortável para descansar seu corpo, Rolland conta sobre sua breve, porém inesquecível estadia na cidade de Tull, última vez que teve contato com o poder do feiticeiro Homem de Preto, figura que pode ter respostas que importam ao Pistoleiro, como nenhuma outra pode importar.

Poucos dias depois, voltando à sua caçada, ferido e quebrado, sua vida é salva por uma figura inesperada: um adolescente chamado Jake Chambers, um humano da Terra. Ao perceber a sua ligação com o garoto, Rolland começa a se questionar sobre seu poder de decisão, enquanto revive memórias esquecidas. Essa aliança é fascinante e motivo de nos mostrar um dos maiores poderes de Rolland, se não o maior, o de decisão e determinação para se alcançar o que ele quer.

Estaríamos nós, leitores de King, preparados para acompanhar o Pistoleiro em sua saga e aceitar as suas escolhas, acreditando no que ele nos mostra ou nos narra? Ao terminar o livro, a resposta para essa pergunta pode ser um feitiço do Homem de Preto, um deslumbramento da Torre Negra ou apenas uma miragem no grande deserto de Rolland. Acredito que nunca saberemos.

Análise Crítica

Há tempos eu tinha vontade de ler “A Torre Negra” e foi graças ao trailer do filme que tomei a decisão de dar uma chance à obra. Diferente das demais obras que li de Stephen King, o livro mistura fantasia e ficção científica, trazendo ao final uma saga épica.

Muitos leitores me alertaram sobre o livro ser lento. Preparada, peguei o livro em mãos e o devorei em dois dias. Embora existam momentos que podemos considerar arrastados, as cenas mais inesquecíveis são tão absurdamente bem montadas que valem cada letra escrita sob o papel. Partindo para a continuação, espero me surpreender ainda mais.

Nada inédito, King usou de inúmeras referências à saga “O Senhor dos Anéis”. Algumas cenas e alguns personagens parecem ter saído mesmo das páginas do mestre Tolkien, mas não por isso deixa de ser fascinante os acontecimentos em torno. A inspiração, realmente, é inegável, porém é fascinante conhecer essa nova mitologia que o autor traz em sua obra.

Por fim, vale como experiência singular caçar easter eggs de outras obras de King no livro. Já no primeiro volume flertei com um trecho que me remeteu à “It”, por exemplo. A partir de agora estarei mais atenta a buscar novos brindes pelo caminho de Rolland e seu Ka-ket.

Nota

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Nome:
 O Pistoleiro (A Torre Negra #01)
Autor: Stephen King
Edição: 1ª
Editora: Objetiva
Ano: 2004
Páginas: 221
Sinopse: “Este livro é o primeiro dos sete volumes de série A Torre Negra, obra mais ambiciosa do escritor Stephen King. “O Pistoleiro” apresenta ao leitor o fascinante personagem de Roland Deschain, último descendente do clã de Gilead, e derradeiro representante de uma linhagem de implacáveis pistoleiros desaparecida desde que o Mundo Médio onde viviam “seguiu adiante”. Para evitar a completa destruição desse mundo já vazio e moribundo, Roland precisa alcançar a Torre Negra, eixo do qual depende todo o tempo e todo o espaço, e verdadeira obsessão para Roland, seu Cálice Sagrado, sua única razão de viver. O pistoleiro acredita que um misterioso personagem, a quem se refere como o homem de preto, conhece e pode revelar segredos capazes de ajudá- lo em sua busca pela Torre Negra, e por isso o persegue sem descanso. Pelo caminho, encontra pessoas que pertencem a seu ka-tet – ou seja, cujo destino está irremediavelmente ligado ao seu. Entre eles estão Alice, uma mulher que Roland encontra na desolada cidade de Tull, e Jake Chambers, um menino que foi transportado para o mundo de Roland depois de morrer em circunstâncias trágicas na Nova York de 1977. Mas o pistoleiro não conseguirá chegar sozinho ao fim da jornada que lhe foi predestinada. Na verdade, sua aventura se estenderá para outros mundos muito além do Mundo Médio, levando-o a realidades que ele jamais sonhara existir. Inteiramente revista pelo autor, esta primeira edição brasileira de “O Pistoleiro” traz também prefácio e introdução inéditos de King.”

Pat Coelha Contra o Porco

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— É simples. Você faz e ficamos zerados, Pat. O último trabalho para o grupo.

Lembrou-se das palavras de Crocodilo Mendonça. Retirou o capacete com visor computadorizado liberando as longas orelhas brancas e sentou-se próxima à parede, largando o acessório ao lado.

Tremia feio. Nem parecia uma profissional. O cheiro dos pelos queimados e a catinga lhe invadiam as narinas, bem como a percepção do que fizera. Lá no fundo de sua cabeça ecoava a risada de Dilo, ao afirmara ser só mais um serviço e depois estaria tudo pago. Só mais um.

— Está liberada depois de fazer. O que me diz?

Quanta promessa! Acreditara nisso. Queria muito! acreditar nisso. Mas, para ela, não havia salvação possível, nem alternativa que não fosse o inferno. E sem cenouras!

Sempre pensava no inferno ao julgar os contratos executados no submundo. O inferno, como destino final das ações praticadas; pagamento merecido pelos infelizes que deixavam,  através do uso daquela arma de raios desintegradores, de usurpar espaço no mundo. Mas uns eram traficantes, outros assassinos, outros aliciadores. Entrar no mérito da questão consistia em ir além da capacidade que tinha.

Muitas vezes, enxergava-se como uma justiceira, uma heroína limpando o mundo das porcarias da criação divina. E eles eram porcarias. Uma faxina bem feita, era o que ela fazia. E, ao ponderar sobre essas questões, aí, sim, o paraíso se fazia recompensa, aposentadoria justa. Uma relva verdinha e uma horta de legumes.

A lembrança da origem pobre, dos ensinamentos maternos, da vida no interior, o estudo com sacrifício, contudo, desequilibrava a balança. Fazia-se perceber a necessidade de sair daquela vida dupla. Arrumar um emprego decente. Deixar de fazer bicos como segurança. Tornava-se impossível sustentar uma vida diurna depois de viver a noite em meio ao crime. Além do mais, vida de bandida não é vida. Vida de assassina, pior ainda.

Se a mãe estivesse viva, morreria de desgosto.

— Seja honesta nessa vida, minha filha. Não é bom carregar um nome cheio de lama.

— O que os honestos levam dessa vida senão uma viagem dentro de uma caixa de madeira para sete palmos de fundura? — A contestação entranhava-se. Era parte dela.

— Não seja ingrata. Olhe o que temos! Temos uma toca…

— Caindo terra por todos os lados.

— É uma toca boa. E você tem um trabalho.

— Para receber uma míngua de cenouras mensais.

— Você está assim porque a cidade grande carrega o seu coração com coisa inútil.

Ela, que carpia o chão com as mãos calejadas e duras e a criara rezando a couve-nossa todos os dias, não aguentaria ver a filha embarcar naquela viagem de matadora de aluguel. Nem se fosse para alimentar as bocas dos outros dez irmãos orelhudos. Dona Maria das Dores Coelha seria levada para o além sem misericórdia. Mas o jeito, agora, era enxotar a imagem da mãe e partir para a ação.

O serviço dera errado desde o começo. Precisava consertar toda a bagunça. O desgraçado se enfiara em algum quarto daquela caverna gigante. Fora esperto ao deixar um dos capangas na cama, com a prostituta.

— Infeliz.

Nem para encarar a morte Javali Eustáquio servia, mas o miserável não tardaria a encontrar o caminho do fim. O abrigo não era tão grande, e sobrariam raios desintegradores se contasse o resto dos capangas e as cargas que ainda possuía no pente extra de energia.

Ainda sentada próxima da porta, sentindo o frio que vinha da galeria, observou com cuidado a cena. Desejou não ter acertado a preguiça de batom vermelho, mas ela gritara, sem respeitar o sinal de silêncio. Jamais imaginaria a rapidez de um grito de preguiça. Poderia estar viva, a infeliz. Estúpida e burra. E lá, parada no olhar arregalado do Carlos Hiena, morto-mortinho, um estalo ligou todas as pontas.

Crocodilo Mendonça escondia-se por trás da armadilha. Mas que idiota eu fui! Dilo a convencera do trabalho não por nada! Estava ali para ser morta. Sabia demais. Fizera demais. Tornara-se um peso para o grupo.

— Desgraçado. Filho da mãe.

Os dentes frontais rasparam no pelo do queixo e o tremor se juntou a um arrepio, fazendo o rabo eriçar. As orelhas se enrolaram e desenrolaram várias vezes. Agora, mais do que largar aquela vida, queria mesmo era acabar com os desgraçados. Não sairia morta daquela tocaia. Morreria de velha, em uma pradaria do interior, onde a fertilidade do solo a presentearia com o que havia de mais suculento, mas não ali, no meio daquele bando de traficantes. E o Dilo que se preparasse. Haveria de fazer um par de botas.

— Vou abrir suas mandíbulas e enfiar a cabeça do Eustáquio goela abaixo.

Verificou a arma e apertou o botão de carga máxima. Faria muito estrago. Talvez aquela toca gigante desabasse sobre sua cabeça.

— Que droga!

Recolocou o capacete. Ajustou o traje para segurança máxima e acionou todos os mecanismos de busca.

Ligou o celular acoplado àquele elmo protetor. Discou o número da polícia. Conhecia Pedro Raposão, o delegado da área. Tirou da cintura a arma sobressalente de projéteis explosivos. Disparou três vezes para o alto fazendo desabar parte do teto enquanto a atendente do outro lado da linha fazia perguntas. Quanto mais bicho atirando dentro daquela caverna, mais fácil seria sair ilesa da confusão.

Deu um tempo e seguiu pela direita, em direção às outras galerias mais estreitas.

— Sai da toca, Porco! O seu tempo de fuçar acabou.

***

Nota: Personagens pelúcios. Baseado nas construções de Tim Davys.



Evelyn Ema Postali
nasceu em Antônio Prado, uma pequena cidade serrana do interior do Rio Grande do Sul. É professora de Artes. Ama desenho, fotografia, música e costuma observar pássaros.
Ilustra e-books e, eventualmente, produz capas para e-books e livros. Frequentou algumas oficinas literárias com Diego Schutt, Eric Novello, Natália Borges Polesso e Ceres Marcon.
Participou de algumas coletâneas das quais se orgulha: Estranha Bahia (EX!Editora), Monstros/ Seres Mitológicos/ Luz e Escuridão (Editora Buriti) e Ponto Reverso/ Amores (Im)possíveis/ Livre para Voar/ O Segredo da Crisálida v.III (Andross Editora). Escreve contos do gênero fantasia, ficção científica, horror, drama, romance. Seus contos e poemas podem ser encontrados em seu blog, no Wattpad e no EntreContos.

Amaama to Inazuma

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Vem ver um anime de culinária muito fofo!

Os Defensores – Trailer legendado e data de estreia da nova série da Netflix

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Fãs da Marvel, dos originais Netflix e adaptações de quadrinhos: podem comemorar! Saiu o trailer legendado de “Os Defensores” e foi divulgada a data de estreia do lançamento da série no streaming Netflix!

Já faz alguns anos que a Netflix está investindo no universo Marvel e trazendo seus heróis e heróinas para a telinha. Começamos com Demolidor, discutimos sobre a polêmica de Jessica Jones, nos surpreendemos com Luke Cage e superestimamos O Punho de Ferro. Não podemos nos esquecer de como nos apaixonamos e vibramos por Claire, a Enfermeira da Meia Noite!

Agora, os veremos todos juntos, lutando por uma Nova York que está passando por maus lençóis. Como eles se encontram? Como eles se ligam?

Senhoras e senhores: eis “Os Defensores“.

A série chega à Netflix no dia 18 de agosto. Até lá dá tempo de correr e ver aquela temporada que está faltando de um desses heróis.

Vale lembrar que além de “Os Defensores” e das séries solos desses personagens, a Netflix já prometeu uma série solo de “O Justiceiro” e “Elektra“.

Confesso que o trailer de “Os Defensores” me deixou boquiaberta!

O que vocês esperam?

Saiu o trailer d’A Torre Negra e como diz Stephen King, está incrível!

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A Torre Negra adaptação da série de livros de Stephen King ganhou seu primeiro trailer, assista:

A adaptação conta com Idris Elba interpretando Roland Deschain, o Pistoleiro, que está em uma jornada para encontrar a Torre Negra e impedir que ela seja destruída pelo Homem de Preto, o vilão de muitas obras do King, interpretado por Matthew McConaughey.

A Torre Negra é uma série de sete livros de Stephen King que interliga acontecimentos e personagens de muitas outras histórias. O faroeste épico teve seu primeiro livro, O Pistoleiro, lançado em 1982. Já gravamos um Cabuloso Cast sobre a série que você pode ouvir clicando aqui.

A data de estréia lá fora está marcada para 4 de agosto, mas a estréia no Brasil está marcada para 27 de julho deste ano.

Ficou empolgado com o trailer? Comente com a gente!