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Os Cavaleiros do Inverno (Hiemis #1) – Cecília Reis

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“A Princesa Aliannama’ra está morta, desfeita em uma nuvem de poeira. Agora seu lugar sagrado deve ser ocupado por uma herdeira. O duque Danishard’dal e seus servos se veem ligados à competidora mais frágil do jogo, mas demônios como eles não se deixarão ser vencidos tão facilmente. 
Anelise é prisioneira da herança da mãe: sob juramento, seis demônios tem de protegê-la contra terríveis competidores num jogo fatal pelo título de Princesa da Corte do Inverno. Mas Anelise logo vai perceber que mais que sua vida, ela deve proteger seu coração desses imortais.”

Essa é a primeira sinopse que foi publicada do livro “Cavaleiros do Inverno”, escrito por Cecília Reis e, tão boa quanto a segunda – feita pela Editora Wish, ela não poderia ser mais clara quanto ao primeiro livro que Cecília Reis se propôs a escrever sobre Anelise.

Quando li? Uma grata surpresa por conhecer a Cecília Reis escritora. Se você não sabe quem ela é, ela é uma ilustradora bastante talentosa, jogadora de RPG e uma mulher inspiradora para o dia a dia. Mas, vamos falar sobre o primeiro livro da saga “Cavaleiros do Inverno”.

Cavaleiros do Inverno, a Princesa e a Corte de Demônios

A estória começa com Anelise, uma adolescente que tem uma vida bastante normal e não deseja lá muita coisa. Durante uma viagem a trabalho de sua mãe, a protagonista tem um plano perfeito para seu dia: jogar videogame, descansar… se você foi ou é uma adolescente ou um adolescente sabe do que estou falando. As coisas estão indo bem até que algo muito ruim acontece.

A apresentação da obra em si começa com Anelise humana, com sua comum e rotina padrão para uma adolescente geek ou nerd. Mas o primeiro passo que nos coloca dentro do universo fantástico da obra está quando um homem bate à porta de Anelise assustada e anuncia que sua mãe está morta e que ele está ali para defendê-la. A partir daí… bom, a estória acontece.

Confusa, em meio a seu luto, Anelise se vê prisioneira de seis demônios que asseguram que ela é uma possível candidata a assumir o trono e lugar da Princesa Aliannama’ra na Corte do Inverno.

Corte do Inverno?

Sim, Anelise não é uma humana comum e apesar dos esforços de sua mãe, o destino chegou à sua porta, à sua casa e à sua vida, fazendo uma convocação para que ela se descubra como é e assuma as rédeas da situação.

Os demônios apaixonáveis

As outras figuras de peso na obra são os seis demônios que são responsáveis por proteger, cuidar e educar Anelise para que ela enfrente o desafio e descubra se é a verdadeira herdeira do trono. Desde o início, eles se aparentam calmos, serenos, seguros de si. Cada um tem uma personalidade forte e distinta, sendo personagens realmente apaixonáveis.

Como acompanhamos a estória sob a ótica de Anelise, conforme as páginas passam nos sentimos mais tendenciosos a confiar nesses seres. Mas não podemos nos esquecer, assim como ela, de que são demônios e que, muito provavelmente, eles têm um plano muito maior do que tudo o que está acontecendo…

Análise Crítica

O livro Cavaleiros do Inverno é um livro de introdução ao universo criado por Cecília Reis. É neste livro que conhecemos os personagens, os cenários, seus poderes e intenções, além de conhecer o background no qual os demais livros vão se desenvolver.

O livro tem uma linguagem simples, apesar dos nomes diferentes. Ao apresentar a Corte do Inverno, a escritora é clara, fazendo um convite para que continuemos imersos em sua obra. Criar uma protagonista que não conhece nada do universo do qual passará a fazer parte e colocar seu narrador sobre ela também foi uma escolha importante, pois nos sentimos confortáveis ao seu lado, nos envolvendo com ela e acompanhando o desenrolar dos acontecimentos com calma e em seu ritmo. Ademais, Anelise é o grande foco da estória e a personagem passa por um processo de auto descoberta, reconstrução pessoal e desenvolvimento próprio. Esses processos são comuns em nossa vida e é gostoso de ver a personagem aprendendo sobre si mesma e se desenvolvendo conforme as adversidades surgem.

O livro é uma obra de fantasia no estilo high fantasy. O pouco que ficamos sabendo sobre a rotina da personagem no nosso mundo logo é substituído pelo novo mundo do qual ela também faz parte. Dentro da high fantasy tudo é possível e, ao ler o livro, podemos perceber que a escritora pensou as cenas e poderes com calma, sem sobrecarregar os personagens ou quebrar sua estória por abusos desnecessários muitas vezes comuns para quem está começando a sua carreira literária. É importante ressaltar que Cecília Reis começou com publicação independente, sendo que os direitos autorais de seu livro foi, depois, adquiridos pela Editora Wish que trabalhou em cima de uma nova revisão e diagramação, lançando o livro em formato físico (atualmente esgotado) e em ebook (versão digital).

Por fim, penso que o fato de Cecilia ser jogadora de RPG e ilustradora favoreceu (e muito) o processo para sua obra escrita. As cenas são pensadas e quase chegam a ser possíveis de se jogar em uma mesa com amigos, além de que a beleza e características dos personagens são quase tocáveis, exatamente como uma boa ilustração nos faz sentir. Como um todo, tive uma grata surpresa com sua estreia nesta saga e, surpresa ainda mais agradável eu tive quando li o segundo volume, mas falo sobre ele em uma próxima resenha.

#LeiaNovosBR

Nota

 

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Nome:
 Os Cavaleiros do Inverno (Hiemis #1)
Autor: Cecília Reis
Edição: –
Editora: Wish
Ano: 2016
Páginas: 122
ISBN: 9788567566030
Sinopse: Suas vozes eram doces e anestésicas no início, mas a garota não sabia se poderia confiar sua vida a eles.
Quando a solidão do apartamento aparentemente comum no centro da cidade começa a abrigar várias dimensões, Anelise vê-se prisioneira de um jogo fatal para o título de Princesa da Corte do Inverno. Sendo a competidora mais frágil, seus seis demônios tem o compromisso de protegê-la e guiá-la ao longo de uma guerra para resgatar sua herança.

Uma fantasia para discutir relacionamentos, identidade e auto estima. Dimensões metafísicas, realidades paralelas e demônios guardiões numa narrativa de altíssima classe.

 

 

Olhos no Escuro

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Faustine Lacroix era uma jornalista obstinada. Acreditava piamente que o objetivo maior de sua profissão era encontrar a verdade, onde quer que estivesse. Um clichê bobo e difícil de se sustentar em tempos tão sórdidos, mas a crença era uma parte inerente da sua personalidade.

Após dois anos de matérias descartáveis, editores machistas e colegas condescendentes, Faustine estava decidida a obter o reconhecimento que merecia. Ela sabia o que precisava fazer e não permitiria que nada a impedisse de mudar sua sorte. Aquele era o primeiro passo em direção ao seu objetivo: ser uma repórter respeitada.

E, com três batidas à porta, Faustine selou seu destino.

Ela sorriu antes mesmo que atendessem ao chamado. Esforçou-se para parecer simpática e cordial. Quando a porta finalmente abriu, Faustine lembrou da principal característica do homem que procurava: era cego.

— Lutero Lantier? Eu sou Faustine Lacroix, a repórter — ela se apresentou, ainda insegura sobre como se portar diante do cego. — Nos falamos hoje cedo, acerca da matéria sobre as pessoas desaparecidas.

— Pontualidade é uma coisa rara, hoje em dia — ele disse, e embora Faustine tivesse certeza de ter chegado na hora, não pôde evitar se perguntar se estava atrasada. — Entre. Tente não tropeçar em nada.

Mais por hábito do que por cautela, Faustine avaliou o lugar e tentou deduzir o máximo que podia de seu habitante. A única iluminação vinha da cidade do lado de fora, através de largas janelas arcadas e sem cortina. O apartamento era pequeno, bagunçado demais para pertencer a um cego. A sala tinha um ar de escritório, com móveis de madeira velhos e armários de arquivos de ferro. Havia estantes e mais estantes, repletas de livros antigos e amarelados. Duas poltronas de couro rachado cercavam uma velha mesa de centro. Caixas de papelão estavam espalhadas por toda parte, tornando o cômodo praticamente inabitável.

— Imagino que a sala esteja um tanto escura pra você. — A voz grave e profunda de seu anfitrião interrompeu seus pensamentos. — Fique à vontade para acender as luzes.

Lutero indicou displicente a direção do interruptor enquanto se sentava em uma das poltronas de couro. Faustine então acendeu as luzes e sentou-se na poltrona oposta. Estava prestes a ajeitar a saia quando lembrou que seu entrevistado era, supostamente, cego.

Foi quando teve a ideia.

Faustine cruzou as pernas, da forma mais exagerada e caricatamente erótica que conseguiu. Deixou a saia subir pela coxa e observou com atenção o homem à sua frente. Foi com uma certa decepção que ela percebeu não haver qualquer reação de sua parte. Faustine queria tê-lo surpreendido, até mesmo com o mais sutil dos reflexos, apenas para ter o prazer de desmascarar a falsa cegueira. Ela sabia que era uma ideia boba, mas também era divertida demais para deixar passar.

Faustine gostava de medir as pessoas. Gostava de escrutinar suas expressões e olhares antes de decidir onde apertar com suas perguntas. Antes de decidir com que força deveria espremer para extrair a verdade. Naquele momento, entretanto, tudo o que tinha para avaliar era o seu próprio reflexo nas lentes dos óculos escuros de seu anfitrião. Sentia-se um tanto desarmada, mas era obstinada demais para se deixar abater.

Houve um breve momento de silêncio enquanto Faustine retirava seu gravador de dentro da bolsa. Ela o colocou sobre a mesa de centro e perguntou se a gravação seria um problema. Lutero se limitou a aceitar com um movimento sutil de cabeça.

— Eu não sou dada a rodeios, senhor Lantier, então vou direto ao ponto. Nos últimos quatro meses, dezesseis casos de desaparecimento foram registrados pela polícia. Além de pequenos detalhes que beiram o esoterismo, a polícia não encontrou nenhuma ligação entre esses casos. Na verdade, eles insistem em afirmar que não há ligação entre os casos, quase como um mantra…

— Não me chame de senhor, pelo amor de Deus.

—… mas nós dois sabemos que existe uma ligação — ela continuou. — Nenhum dos casos foi resolvido pela polícia, mas metade das pessoas voltou para casa. As autoridades não têm nada a declarar, mas as ruas não param de falar sobre o que houve. Sobre como todos os casos estão ligados, sobre como as pessoas foram encontradas por você.

— Me parece que você já tem uma história. O que mais eu poderia oferecer?

— A verdade — ela disse, em seu tom mais sério. — As ruas sussurram com reverência boatos sobre o cego misterioso, a quem os desesperados recorrem quando a polícia desiste das buscas ou quando a esperança ainda é mais forte que a aceitação. Dizem que você sempre encontra as pessoas, vivas ou mortas.

Lutero permaneceu em silêncio. Seu rosto agora estava voltado para Faustine, como se de fato pudesse vê-la. Havia uma certa beleza em sua seriedade, tão austera e ao mesmo tempo tão plácida. Ele se limitou a acender um cigarro, deixar a cabeça pender para trás e soltar lentamente a fumaça do primeiro trago, quase como num ritual. Faustine aproveitou a oportunidade e acendeu seu próprio cigarro. Começava a sentir-se desconfortável, como se alguém mais a observasse. Como se houvesse uma terceira pessoa oculta naquela sala. A sensação lhe dava arrepios.

— Por que tem que haver uma verdade secreta? — perguntou, enfim, Rainheart. — A história das pessoas que retornaram para casa não é fantástica o suficiente para vender a notícia?

— Não se trata de vender a notícia. As afirmações das vítimas são no mínimo questionáveis. Ninguém em seu juízo perfeito poderia acreditar no que elas dizem sobre espíritos malignos e possessões. Eu quero saber o que realmente aconteceu.

— E o que faz você pensar que a minha versão dos fatos será mais crível do que a das vítimas? Por que é tão importante que a verdade se encaixe dentro do senso comum?

— Porque eu quero contar uma história séria! As pessoas têm o direito de saber.

— Isso não é sobre as pessoas. É sobre você.

Lutero havia torcido seu dedo na ferida. Ainda assim, Faustine estava decidida a não ser derrotada. Ela arrancaria dele a matéria que lhe traria o renome e a autoridade que merecia.

— Eu sou uma profissional e gostaria de ser levada a sério como tal.

— A curiosidade matou a gata, sabia?

— Sem rodeios ou comentários jocosos, senhor Lantier. — Faustine estava prestes a explodir. — Não estamos aqui pra isso.

— Você não levou a sério seus entrevistados — ele provocou.

— O que aconteceu com aquelas pessoas? — ela insistiu.

— Você sabe o que aconteceu.

— O que fizeram com elas?

— Você não está pronta para saber.

— Quem está por trás dos desaparecimentos?

— Você não está pronta para saber!

— O que está acontecendo nessa cidade?

— Você é teimosa como uma mula, não é?

— E você é um imbecil pretensioso! — Faustine explodiu em fúria.

Lutero sorriu, levantou-se calmamente de sua poltrona e caminhou até a porta.

— Me desculpe pelo que disse. — Faustine tentou se recompor, recolhendo seu gravador e se preparando para ir embora. — Sinto muito por tê-lo incomodado.

— Não se preocupe com isso — ele respondeu. Em seguida, vestiu seu sobretudo, guardou a bengala dobrada em um bolso interno e abriu a porta do apartamento. — Venha comigo.

Faustine avaliou minuciosamente cada movimento de Lutero, do momento em que deixaram o apartamento até o ponto onde se encontravam agora, do outro lado da cidade. A despeito de carregar uma bengala branca dobrada em seu sobretudo, em momento algum ela pareceu necessária. Lutero caminhava com passos firmes, como quem sabe exatamente onde vai e o que há em seu caminho. Faustine já havia visto o suficiente e dado seu veredito.

Lutero Lantier não podia ser cego.

Eles percorreram uma considerável distância até Faustine permitir-se incomodar com o silêncio. A ausência de diálogo e as conclusões sobre seu guia começavam a afligir sua mente. O medo pouco a pouco a convencia de que Lutero não era exatamente o que diziam os boatos. Até onde sabia, ele poderia estar envolvido em cada um dos desaparecimentos que supostamente ajudou a solucionar. E ela poderia ser a próxima vítima.

Quando chegou a essa conclusão, Faustine inconscientemente buscou o apoio emocional do revólver que carregava em sua bolsa. Ela respirou fundo e repetiu para si mesma que estava preparada. Que, se fosse necessário, sabia o que fazer. Ela estava no controle.

— Chegamos — ele disse, quebrando o silêncio.

Lutero parou diante de uma velha casa de dois andares e respirou profundamente. Havia algo de quixotesco na cena, como se ele enfrentasse sozinho a construção à sua frente. Como se nela visse um gigante sombrio a ser derrotado.

Em seguida, ele buscou uma foto em seu bolso e a estendeu a Faustine.

— O nome dela é Suzane. Tem apenas nove anos.

Faustine não demorou a reconhecer o rosto da criança na foto. Havia cartazes com aquela imagem por toda a cidade, com telefones de contato e valores de recompensa por informações sobre seu paradeiro. Era a vítima mais recente dos desaparecimentos.

— A mãe me procurou há mais ou menos uma semana — explicou Lutero. — Me implorou que encontrasse a garota, que lhe desse ao menos o direito de enterrar a filha. O que diabos a gente diz numa situação dessas?

Faustine também não soube o que dizer.

— Eu comecei a fazer perguntas, visitar lugares e não demorou até que me apontassem a trilha certa. Ela está aqui, nessa casa. Precisamos entrar agora, enquanto está vazia.

— Quem lhe deu essas informações? Como você sabe que a casa está vazia?

— Espíritos — ele não hesitou em responder.

— Espíritos? — Faustine repetiu, incrédula. — Você vai insistir no absurdo de que é cego, mas enxerga espíritos? Que enxerga magicamente tudo que é iluminado pela luz deles e que eles caridosamente te dizem onde encontrar as pessoas? Me desculpe, mas não posso acreditar nessa história.

— Se você não acreditasse, não teria me acompanhado até aqui. Você acredita na história, mas não pode publicá-la. É isso que está te devorando por dentro.

No fundo, Faustine sabia que era verdade.

— A garota está aí dentro, junto com a sua verdade — ele continuou. Havia uma seriedade mórbida em sua voz. — Eu posso fazer com que você os veja, como eu vejo, mas é uma via de mão dupla. A decisão é sua.

A casa, assim como as vizinhas, parecia abandonada. Faustine avaliou os arredores e ponderou até onde ela poderia se colocar numa posição mais arriscada do que já se encontrava. No fim das contas, sua curiosidade profissional acabou por falar mais alto que seu bom senso. Seria um desperdício chegar até ali e não ver aonde iria a toca do coelho.

— O que eu preciso fazer?

Faustine então observou Lutero tirar uma venda do bolso e estendê-la no chão. Com a ponta do dedo ele desenhou algo sobre o tecido negro, enquanto murmurava palavras que estavam além de qualquer compreensão. Tudo lhe parecia muito teatral, mas, ainda assim, ela observou com o máximo de imparcialidade. Por fim, Lutero entregou-lhe a venda. Quando Faustine a tocou, a imagem estilizada de um olho esmeralda surgiu onde ele havia corrido seu dedo.

— É um belo truque. — Faustine tentou não parecer surpresa.

— Coloque sobre os olhos.

— Por mais disposta que eu esteja a colaborar com seu pequeno espetáculo, você não acredita mesmo que eu vá me vendar e confiar minha integridade física a um cego, não é?

— Na verdade, não. Você não está pronta.

E foi tudo que precisou dizer. Furiosa, Faustine colocou a venda sobre os olhos e se permitiu ser guiada por Lutero. Eles subiram os degraus até a porta da casa abandonada e, juntos, seguiram escuridão adentro.

Uma vez lá dentro, Faustine se arrependeu pela primeira vez.

Havia um longo corredor, onde crianças com gargantas dilaceradas permaneciam imóveis em uma mórbida vigília. Seus olhares, vazios e inexpressivos, pareciam perdidos num inexplicável e tortuoso infinito no fundo de suas almas. A luz dos espíritos brilhava soturna, iluminando o corredor da casa. Faustine foi levada pelo corredor, sentindo uma inexplicável angústia crescer em seu peito. Contraía os dedos dos pés em agonia enquanto Lutero caminhava com ela por entre as crianças. Quase involuntariamente Faustine tentou soltar sua mão e correr, mas Lutero a impediu. Juntos eles seguiram adiante, assombrados pelos olhares sem vida até a porta do outro lado do corredor.

Ao fim do caminho, Faustine se arrependeu pela segunda vez.

Um jardim, repleto de cães enterrados no chão até a altura do pescoço. Cada um deles com um prato de comida a poucos e inalcançáveis centímetros do focinho. Alguns latiam desvairados, outros mal tinham forças para olhar na direção dos invasores. A cena grotesca era iluminada por espíritos deformados de outros cães, tornando a imagem perturbadora além de qualquer imaginação.

— Os antigos japoneses costumavam enterrar cães dessa forma — explicou Lutero. — Antes que os cães morressem de fome, tomados de fúria e agonia, eles cortavam suas cabeças e as enterravam em ruas movimentadas. Isso agitava ainda mais o espírito do animal. Quando eles finalmente desenterravam a cabeça e a uniam ao corpo em um ritual de invocação, tinham verdadeiros demônios sob seu controle. Os espíritos eram usados para assombrar, enlouquecer ou até mesmo possuir pessoas. Qualquer coisa para executar a vingança de quem os invocou. É isso que você está vendo aqui: um jardim de inugami.

Faustine sentiu suas pernas fraquejarem e seus olhos se encherem de lágrimas. O desespero daqueles cães era demais para ela suportar. Faustine soltou a mão de Lutero, arrancou a venda dos olhos e correu. Correu o mais rápido que pôde, através do corredor agora vazio, para longe de toda aquela perversidade.

Mas a casa ainda não havia revelado todos os seus horrores.

Faustine já não usava a venda sobre os olhos, mas havia uma criança em seu caminho. Uma menina de olhos vazios, que pareciam ver através da sua carne até a escuridão que se alojava em sua alma. Coberta de hematomas, apenas quando ela estendeu seus braços em súplica Faustine a reconheceu.

Era Suzane.

O ato singelo despertou alguma coisa em Faustine, um instinto que a compeliu a correr até a menina, disposta a fazer o que fosse necessário para protegê-la.

— Não se preocupe, minha querida… — Faustine a abraçava enquanto as lágrimas escorriam por seu rosto. — Vai ficar tudo bem. Você vai ficar bem. Nós duas vamos ficar bem.

Faustine estava enganada. Os dedos delicados de Suzane se tornaram garras, fincadas nas costas de Faustine e sedentas por rasgar sua carne. A criança, coberta de sangue e ferimentos, rosnava como uma fera, saltando para alcançar sua garganta com os dentes. O que quer que estivesse diante dela, já não era mais Suzane.

Faustine sucumbiu. Queria se arrastar para longe da criatura, mas o pavor havia tomado controle de seu corpo e ela não tinha mais domínio sobre seus movimentos. O ar desapareceu de seus pulmões e ela começou a sufocar. Chorava e soluçava, tentando respirar e ao mesmo tempo gritar por socorro. Sua visão começava a se turvar e escurecer quando Lutero correu em direção à criança.

Com um movimento rápido e preciso, ele a segurou pelas costas e empurrou com firmeza sua testa para trás, deitando-a ao chão. A criança lutava como um pequeno demônio, debatendo-se, chutando e arranhando enquanto ele conduzia o exorcismo. Faustine não ousou mover um dedo.

Lutero murmurava palavras de poder.

A criança rosnava como um cão raivoso.

O rito dantesco crescia, conforme murmúrios se tornavam comandos e rosnados se tornavam uivos. O demônio lutava para se libertar, tentando a todo custo morder a mão que segurava sua cabeça. Quando a tensão pareceu alcançar um ponto insustentável, Lutero gritou uma última palavra e o tempo parou por um breve segundo. Uma enorme placidez tomou o corredor e tudo pareceu sereno. Antes que Faustine compreendesse o que sentia, o momento se foi. O tempo voltou a correr e o demônio uivou uma última vez. Um lamento maldito que evanesceu num grito infantil. Nenhum dos dois se moveu. Finalmente, restou apenas o silêncio.

Lutero desabou no chão ao mesmo tempo em que Suzane se ergueu aos prantos. Desesperada, ela se jogou nos braços de Faustine, chorando copiosamente. Faustine a abraçou aliviada. As duas choraram juntas por algum tempo até se voltarem para Lutero, ainda caído.

E então perceberam que não estavam sozinhas.

Alguém as observava da porta de entrada. A luz que vinha da rua não lhes permitia ver mais que um vulto, mas foi suficiente para fazer Suzane se contrair em pavor.

— Por favor, não deixa ele me levar! Não deixa ele me levar!

Tomada por um instinto inefável, a jornalista puxou o revólver da bolsa e apontou para o estranho. Suas mãos estavam firmes e seu olhar aguçado. Ela sabia exatamente o que estava fazendo.

Faustine estava no controle.

— Mais um passo em nossa direção e o lixeiro vai varrer o seu cérebro da calçada pela manhã, seu desgraçado!

O homem não respondeu. Pelo que pareceu uma pequena eternidade ele apenas ficou lá, imóvel, com sua identidade oculta nas sombras. Lutero permanecia inconsciente, então ela não tinha outra escolha além de ser uma rocha, por ela e por Suzane. A resolução se tornou cristalina em seu olhar, até mesmo para seu opositor. Então, tão silencioso quanto surgiu, o vulto se virou e desapareceu na noite.

Havia acabado. A criança estava salva.

Faustine sentiu como se respirasse pela primeira vez. O ar da noite lhe parecia fresco, puro e cheio de vida. Ainda assim, por mais aliviada que estivesse em estar viva, ela não conseguia sorrir. Olhando Lutero ao seu lado, ela se perguntou que tipo de pessoa enfrentava os eventos daquela noite com tamanha naturalidade. Não havia sinal de perturbação em seu semblante, nenhum sinal de abalo em sua fronte. Faustine queria chorar, por aquele homem vazio e por ela mesma. Pela pequena parte de si que havia morrido naquela noite. No entanto, ela se controlou por Suzane. Faustine se manteve firme pela menina, por todo o caminho de volta, até que ela estivesse a salvo nos braços da mãe.

Apenas quando se percebeu na segurança de seu lar Faustine ousou pronunciar uma palavra. Encolhida fragilmente em sua poltrona, reconfortada pela organização metódica e pela claridade de sua sala, ela se voltou para seu entrevistado e fez a única pergunta que ainda lhe restava.

— Quem é você?

Lutero se aproximou dela, abaixou-se até estar à sua altura e ergueu os óculos escuros.

Atrás deles, nada além de órbitas vazias.

— Eu sou aquilo que você sempre temeu que eu fosse. Agora você tem a verdade.

Então ele colocou de volta os óculos, levantou-se e caminhou até a porta do apartamento.

— Talvez eu estivesse errado sobre você. Talvez você esteja pronta.

E, sem nenhuma outra palavra, ele se foi.

De fato, agora Faustine tinha a verdade. Tinha uma história fabulosa para contar, com uma criança resgatada, um herói misterioso e um vilão ainda à solta. Uma história que jamais poderia ser publicada, porque lhe traria mais descrédito do que autoridade.

Todo o seu esforço, todo o seu sacrifício, haviam sido por nada.

Faustine xingou e bateu furiosa na poltrona. Bateu com toda sua força até cansar. Sozinha no apartamento, ela se encolheu na poltrona, abraçada aos joelhos. Chorou por toda a noite, sem conseguir dormir. Lembrou-se das palavras de Lutero antes de entrarem na casa. Lembrou-se que havia decidido vê-los, e que era uma via de mão dupla. Logo ela se pegou imaginando quantas almas haveria naquele apartamento alugado. Por todo lado havia vultos e sombras que pareciam se mover nos limites de sua visão. Sentia-se oprimida pela inexplicável sensação de alguém se aproximando, mesmo sabendo que estava sozinha. Quanto mais pensava naquilo, mais aumentava sua agonia. A verdade era insuportável. Sentia-se observada, como se houvesse alguém mais na sala com ela, e agora sabia porquê.

Havia olhos no escuro.

 


Rafael Palma nasceu no Rio de Janeiro, é advogado e escritor. Escreve desde que se entende por gente e é apaixonado por criar, tanto teses e defesas quanto personagens e aventuras.

Carbono alterado (Altered carbon, 2018) | Crítica

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Inspirado no livro homônimo de Richard K. Morgan, a série “Altered Carbon” (Carbono Alterado) conta a história Takeshi Kovacs, um ex-emissário que é despertado depois de 250 anos pelo matusa, Laurens Bancroft. Bancroft que fora assassinado em circunstâncias que levam a crer apenas em suicídio quer que Kovakcs descubra a verdade, e para isso oferece a liberdade que este poderia almejar.

A nova série da Netflix é marcada pelos contrastes. De um lado temos efeitos especiais de ponta, uma fotografia que sabe como mostrar a decadente realidade de pessoas pobres e o perfeito mundo do matusas que vivem da riqueza e da abundância; homenageia filmes como Blade Runner e os filmes policiais noir; do outro um ritmo um tanto quanto lento e um roteiro que consegue sair de um intrincado quebra-cabeças para um série de respostas fáceis que levam a conclusão da primeira temporada.

Alguns explicações…

Matusas são uma classe abastarda que consegue viver eternamento. No universo de Altered carbon, o corpo é apenas uma capa, como eles mesmo chamam, sendo a “alma” armazenada em um chip.

Um matusa não só tem dinheiro suficiente para ter um banco de capas novas, como também podem fazer upload de sua consciência. Logo, o conceito de “morte real” que a série cria – que é quando alguém tem o seu chip destruído -, para um matusa não é necessariamente “real” já que tendo seu chip danificado, ele pode fazer upload para um novo.

A crítica social é a primeira camada que Altered carbon trabalha. Os ricos podem viver para sempre, não só físicamente – através de suas capas – como mentalmente – por meio dos seus uploads de consciência. Esse status quo do poder é questionado pelos Emissários.

Os Emissários são um grupo, como a resistência/rebelde, que deseja limar o poder dos mais poderosos (lembrando que no período em que eles lutam, não há ainda o conceito de matusas). Sua líder, Quellcrist Falconer (Renee Elise Goldsberry), prevê aquilo que vemos quando Kovacs acorda em sua nova capa 250 anos depois. Um mundo onde os ricos vivem para sempre e os pobres lutam para sobreviver. O plano de Quell é simples, espalhar um vírus para acabar com a  tecnologia que permite que as pessoas vivam para sempre.

Temos também inteligências artificiais que levam uma vida autônoma proporcionando entretenimento aos humanos. Isso leva a série a discutir o próprio conceito de existência. Tanto o personagem do Poe (Chris Conner), quanto os matusas podem viver para sempre e podem morrer caso os seus sistemas sejam danificados, mas afinal o que é ser humano em um universo complexo deste? Poderíamos discutir o livre arbítrio e mobilidade, Poe parece restrito ao seu hotel, porém possuí um mundo virtual próprio, onde ele e outras inteligências artificiais se encontram para jogar poker. Enquanto os matusas apesar de poderem se locomover livremente estão presos a sua imortalidade e procurando sempre formas de transgredi-las. Quem é livre afinal?

Um cyberpunk-policial-noir

Em entrevista, Joel Kinnaman afirmou que Blade Runner não é uma simples referência, mas uma verdadeira homenagem e isso fica muito claro quando vemos essa cidade decadente onde sempre chove, cercada de letreiros neon, onde todos parecem viver num pesadelo onírico. O ritmo da série, que tem sido alvo de crítica dos espectadores da série, para mim, flerta igualmente com o estilo narrativo presente em “Blade Runner” e “Blade Runner 2049” (Denis Villeneuve, 2017). Sua lentidão permite ao telespectador contemplar e digerir esse mundo tão diversos e ao mesmo tempo tão próximo do nosso.

Mas também é possível ver, pelo menos em seus primeiros episódios, um tom de filmes noir como “O falcão maltes” (John Huston, 1941) e “Chinatown” (Roman Polanski, 1974), já que temos um detetive (Takeshi Kovacs), contratado por alguém (Laurens Bancroft) para investigar algo que aparentemente parece simples, mas que na verdade vai se complicado numa trama labiríntica que exige uma atenção especial do telespectador. E se forçarmos um pouquinho a barra, temos até uma femme fatale (Miriam Bancroft).

Os problemas da série

Altered carbon cria um mundo extremamente interesse e traz possibilidades tão promissoras quanto. Porém não consegue desenvolver nenhum delas bem. Como disse mais a cima, o clima detetivesco da série começa a encontrar uma ruptura a partir do sexto episódio. A entrada da irmã de Kovacs, Reileen Kawahara (Dichen Lachman) e a errônea decisão do roteiro de fixar toda a trama nela, deixa a história didática com pouco desenvolvimento para os personagens e até certo modo absurdo. A obsessão incestuosa de Rei com Kovacs não convence. Não fica claro, por falta de um background, o porquê desta ambição e o espectador que tentava montar o quebra-cabeças se vê obrigado a aceitar que tudo que aconteceu fora um grande plano composto por Rei.

Kocacs e Rei

Se não bastasse temos a transformação da Lizzie (Hayley Law) numa máquina de combate sado-masoquista, fora, claro, a conveniente surpresa de sua gravidez que dá origem a uma subtrama sem pé nem cabeça que faz com que os Bancroft, antes personagens complexos, assumam sua vilania quase inocente no fatídico episódio final.

E por que isso é problemático? Por que soterra inúmeras questões que vinham sendo lançadas a cada episódio. Há uma questão religiosa neste universo de Altered carbon: viver para sempre não seria subjugar os dizeres divinos? Temos todo um debate envolvendo a família da detetive Ortega (Martha Higareda) que simplesmente é jogado para debaixo do tapete. Outro tópico que aparece é quanto às consequências da imortalidade. Quando se troca de corpos para outros corpos de etnias e raças diferentes, isto pode afetar o hospedeiro. Mais uma elemento não desenvolvido, pois Kovacs, que poderia ser o epicentro da discussão estão envolto em seus delírios e pela investigação.

Fora que a série cria um gancho piegas para a segunda temporada, já que agora Kovacs vai atrás do seu verdadeiro amor…

Apesar do desbalanço, Altered Carbon tem seus momentos, evoca temáticas pertinentes que podem gerar debates valorosos que ecoam em nossa realidade, afinal de contas qual a função da ficção científica se não problematizar questões do nosso tempo? Mas prefere criar um final de soluções fáceis, parecendo não confiar em sua audiência.

Nota:

3 de 5 selos cabulosos

Dados da série

Direção: Miguel Sapochnik

Roteiro: Laeta Kalogridis

Showrunner: Laeta Kalogridis

Sinopse:

No futuro, a sociedade se acostumou à prática da troca de corpos: após armazenar a consciência de uma pessoa, ela pode ser transferida a outra “capa”, podendo viver várias vidas. O mercenário Takeshi Kovacs (Joel Kinnaman) acorda após 250 anos em outro corpo. Além de se adaptar a esta situação e à nova sociedade, ele é contratado por um homem riquíssimo para descobrir o autor de seu próprio assassinato. Tak conta com a ajuda de uma policial mexicana, um ex-militar tentando ajudar sua filha e um robô equipado com inteligência artificial.

Todo o dinheiro do mundo (All the money in the world, 2018) | Crítica

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Baseado no livro Painfully Rich: The Outrageous Fortune and Misfortunes of the Heirs of J. Paul Getty de John Pearson – que chega ao Brasil neste mês pela HarperCollins – o filme “Todo o dinheiro do mundo” conta a história do real sequestro do neto do homem mais rico do mundo na época, J. Paul Getty (Christopher Plummer), conhecido como o rei do petróleo e a luta de sua mãe (Michelle Williams) para convencer o matriarca a pagar o resgate.

Todo o dinheiro do mundo será marcado pelas polêmicas. Primeiro, a acusação de abuso sexual contra um menor feita a Kevin Space que levou o diretor Ridley Scott a refilmar as cenas substituindo Space por Plummer; o que acabou levando a outra polêmica, devido as refilmagens, Mark Wahlberg exigiu 1,5 milhões para voltar aos sets, enquanto Williams só recebeu mil dólares (Sim, você leu corretamente, apenas mil dólares).

Isso fez com que se criasse uma certa expectativa em seu público, já que, segundo dizem, Plummer teve apenas dez dias de filmagens e a equipe de montagem e o continuísta tiveram que montar um novo quebra-cabeças para não fazer o filme virar uma colcha de retalhos no qual algo sempre se perde, como vimos em “Rogue One”, onde as refilmagens prejudicaram a construção dos personagens. Contudo, Scott sabia o que queria de seu filme e isso fica evidente quando assistimos a Todo do dinheiro do mundo.

Um filme que sabe onde quer ir

Sem perder o fôlego, o filme cria duas linhas narrativas. Na primeira, acompanhamos a biografia e análise do magnata do petróleo J. Paul Getty, o personagem polêmico cujo ator foi substituído, colocando assim o filme em foco até de quem não liga muito para bastidores e pré-produção. Claro que nunca saberemos como seria a atuação de Kevin Space, porém adianto ao leitor que não acho que Space pudesse dar a profundidade que Plummer o faz, logo a indicação ao Oscar de melhor ator coadjuvante é merecida.

Getty não é um vilão ou um monstro: é um homem complexo que não consegue deixar de ser o que é, um negociador, um investidor. Quando a nora aparece para pedir que pague o dinheiro do resgate, o modus operandi dele o faz tratar toda a situação como uma negociação financeira na qual ele deve sempre sair lucrando, sua famosa declaração de que “tem 14 netos e se pagasse o sequestro de um teria 14 possíveis sequestros” é fria, cruel, mas embuida de uma verdade pertencente apenas a homens que mexem com dinheiro além do imaginado. Como ele diz em uma entrevista relatada no filme: “se você conta dinheiro, não é um bilionário”.

Na segunda linha narrativa, temos todo o esforço de Gail, casada com J. Paul Getty II (Andrew Buchan), para livrar o seu filho J. Paul Gatty III (Charlie Plummer) do cativeiro. E por falar em Gail, personagem interpretada com vigor por Michelle Williams, ela é o oposto de Getty e isso é marcado em dois momento decisivo na trama. Gail decide arriscar tudo mesmo não tendo nada, Getty percebe a sua fraqueza quando ele, um homem que tem tudo não deseja perder nada. Williams constrói sua personagem em várias camadas. Como um mãe que nada mais quer do que manter a família unida, como uma mulher que sabe que precisa lutar contra um império (frase que é dita no filme e que está em um dos pôsteres), ela usa as armas que tem em mãos para afetar Getty sem sucumbir aos caprichos daquele.

De um lado, as cores frias do ambiente de Getty (Plummer), do outro as cores quentes de Gail (Williams)

Destaque para a fotografia de Dariusz Wolski (imagem acima) que cria um bom contraste entre a frieza e a solidão do universo de Getty, com cores que lembram o azul e o cinza; e a vivacidade e calor humano da casa de Gail em tons de amarelo e vermelho. Outro destaque vai para a própria direção de Scott que estabelece outra oposição quando escolhe mostra a mansão de Getty em sua imensidão, repleta de obras de arte, mas carente de afeto; enquanto a residência é filmada em planos mais fechados, onde vemos fotos e objetos que transmitem uma sensação de lar e aconchego.

O ponto fraco de Todo o Dinheiro do Mundo

Os demais atores estão bem, com exceção do Mark Wahlberg, que interpreta Fletcher Chase, ex-agente do governo que trabalha para Getty como negociador. Ele tem um arco pouco convincente. Num momento o vemos negociando de forma fria e imparcial com  Árabes, num outro o vemos afetuoso e complacente com a causa de Gail. Fora que apesar de ser “o negociador” de um dos homens mais ricos do mundo, ele pouco negocia durante a trama e há um momento chave entre o bilionário e Chase que deveria ser uma cena memorável, mas Wahlberg não convence.

Baseado em fatos não tão reais assim

Caso seja desejo do leitor pesquisar a veracidade por trás da ficção, encontrará uma série de fatos inverossímeis, é um último ponto a ressaltar, mas fica a cargo de cada um fazê-lo. Este fato não diminuiu minha avaliação sobre o filme, muito pelo contrário acabou sendo uma boa aula para compreendermos o que significa o “baseado em fatos reais” que muitas vezes vemos em outras películas. Entender que a realidade pode ser dramatizada faz do cinema o que ele é: uma forma de arte.

Conclusão

  • Todo o dinheiro do mundo, tem uma direção forte que sabe o que quer do produto final, mesmo com as polêmicas em seus bastidores, não permite que o filme se perca.
  • Tem atuações marcantes que conseguem levar a história do começo ao fim, incluindo o trabalho magistral de Christopher Plummer, que vai concorrer ao Oscar 2018 na categoria de ator coadjuvante. Ele merece.
  • Tem o Mark Walhberg que não está no seu melhor momento.

Nota:

Avaliação: 4 de 5 selos cabulosos

Dados do filme

Direção: Ridley Scott

Ano: 2018

Orçamento: 55 milhões

Bilheteria: 44 milhões (até a escrita desta crítica)

Sinopse: O sequestro do herdeiro John Paul Getty III (Charlie Plummer), neto de 16 anos do magnata do petróleo americano Jean Paul Getty (Christopher Plummer). Desesperada a mãe de John, Gail Harris (Michelle Williams), pediu ajuda financeira ao avô do menino, que recusou. Os sequestradores então decidem enviar à imprensa uma orelha do menino para obrigar a família a acelerar o pagamento do resgate, no valor de 3 milhões de dólares.

Maze Runner: A Cura Mortal (Maze Runner: Death Cure, 2018) | Crítica

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Maze Runner: A Cura Mortal“, último filme da trilogia é inspirado no terceiro livro escrito por James Dasnher. O longa começa com Thomas partindo em busca de Minho, seu amigo que fora sequestrado pelo CRUEL junto com outros imunes. A organização procura uma cura para combater o vírus FULGOR que está devastando a humanidade.


Com um começo arrebatador, uma longa sequência de ação usando muitos efeitos práticos, o tom do filme é traçado. O longa é um filme de ação do começo ao fim, uma ação desenfreada, diga-se de passagem, que não permite ao telespectador respirar. Da-se a impressão que o diretor Wes Bell queria tampar a falta de uma história coesa com esse frenesi vídeo-clípetico.

Mas o filme é ruim? Longe disso. Os atores estão bem à vontade em seus personagens (afinal de contas é o terceiro filme), mas dou destaque para a Teresa (Kaya Scodelario). Sua personagem tem um arco narrativo bem interessante, principalmente quando percebemos que o personagem Thomas (Dylan O’Brien) é pouco proativo: ele está sempre reagindo ao que lhe acontece, enquanto Teresa tem plena noção de seu papel e está disposta assumir os riscos por suas decisões.

Em busca da cura mortal de Maze Runner

Infelizmente, como disse acima, “Maze Runner: A Cura Mortal” está mais preocupado em nos soterrar com acontecimentos épicos do que em contar a história que em ambas as mídias – livro e filme – trabalham. Essa decisão não faz sentido algum! Além disso, a resolução de boa parte dos conflitos é muito conveniente beirando o deus ex maquina: sempre que os protagonistas estão encurralados alguém ou algo aparece (às vezes, ironicamente de cima) para resgatá-los. Eles sempre acabam encontrando as pessoas nos momentos em que precisam as encontrar. Uma vez é aceitável, mas quando esse recurso é usando incessantemente para levar a história para a frente, ele se torna preguiçoso e cômodo.

No entanto, eu disse que o filme não era ruim, mas mesmo assim continuo a apontar os problemas… Então, vamos lá para os pontos positivos!

O lado bom – além do labirinto

Comparações são sempre perigosas, mas neste caso preciso fazê-lo para criar um parâmetro. A saga “Divergente” parece que foi se perdendo ao longo das sequência e chegou a um ponto em que ninguém mais acreditava na franquia. Isso não acontece com Maze Runner. A equipe de técnica praticamente não mudou ao longo dos três filmes e isso é um ponto positivo! Wes Bell, o diretor, realmente investiu seu tempo e esforços para fazer um bom filme de ação e o elenco parece feliz em finalizar esse projeto em suas carreiras artísticas.

Conclusão

  • Maze Runner: A Cura Mortal” é um bom filme de ação com cenas muito bem dirigidas que flertam com filmes como “Mad Max: Estrada da Fúria“;
  • Tem uma fotografia competente: repare como a base do CRUEL é sempre em tons frios puxando para o azul, enquanto o mundo fora tem cores mais secas, puxando para o amarelo que lembram desolação, aridez e esperança.
  • Infelizmente tem uma trama que é esquecida, lembrada nos quarenta minutos finais e esquecida novamente.

Nota:

3 de 5 selos

Dados do filme

Direção: Wes Bell

Ano: 2018

Orçamento: 62 milhões

Bilheteria: 41 milhões (Até a produção desta crítica)

Sinopse: No final épico da saga Maze Runner, Thomas lidera seu grupo de Clareanos em fuga em sua missão final e mais perigosa até então. Para salvar seus amigos, eles devem invadir a lendária Última Cidade, um labirinto controlado pela CRUEL que pode vir a ser o labirinto mais mortal de todos. Qualquer um que o complete vivo, receberá respostas às perguntas que os Clareanos têm feito desde que chegaram ao labirinto.

Regras para Submissão de Contos

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A partir de 2017 o Leitor Cabuloso adotou uma nova linha editorial para publicação de contos, com periodicidade definida e lançamento da antologia Realidades Cabulosas: Ano 1 no final do ano. Conseguimos fazer isso repensando nossas regras para envio de originais. Os textos recebidos agora são avaliados e, os que forem selecionados, passam por trabalhos de revisão e edição junto com os autores.

O intuito disso é oferecer aos leitores um material de qualidade e, ao mesmo tempo, auxiliar e incentivar o pessoal que envia contos ao site a aprimorar sua escrita. Com isso em mente pedimos que observe os tópicos abaixo antes de fazer o envio do seu material.

Envio do material

  • Envie seu conto para o e-mail contos@leitorcabuloso.com.br, com o título do e-mail nesse formato:
    • [CONTO] Nome do Conto – Nome do Autor
  • Envie seu nome completo, uma minibiografia e uma foto;
  • Uma imagem de destaque para fazer a postagem do conto, certifique-se de que seja algo que tenha a ver com o tema do conto e que não fira direitos autorais;
  • O conto deve ser enviado em .rtf ou .doc;
  • Recomendamos a formatação com espaçamento simples, fonte Times New Roman 12 e com os negritos e itálicos necessários já aplicados;

O que publicamos (ou não)

  • O conto deve ter um tamanho entre 1000 e 8000 palavras, contos menores ou maiores serão descartados;
  • São aceitos contos de quaisquer temas e gêneros literários;
  • Não publicaremos fanfics ou obras em versos;
  • O conto deverá ser uma história única e fechada, não serão aceitas histórias seriadas;
  • O conto não precisa ser inédito, mas certifique-se de que você possui os direitos para publicá-lo, caso já tenha sido publicado por alguma editora;

Avaliação e publicação

  • Os contos serão lidos e avaliados. Nos reservamos ao direito de rejeitar contos de acordo com critérios internos e absolutos, ou mesmo sugerir modificações e melhorias para que o material atinja seu potencial máximo;
  • Revise seu conto. Os trabalhos com muitos erros de português serão rejeitados;
  • A frequência de publicação máxima dos contos será mensal;
  • Apenas um conto por autor será avaliado dentro do mês de recebimento, os demais contos do mesmo autor serão descartados.

Estamos esperando suas histórias!!

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Ordem Vermelha: Os Filhos da Degradação – Felipe Castilho

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Foi com muita empolgação que acompanhei, infelizmente de longe, o lançamento do livro Ordem Vermelha: Os Filhos da Degradação, primeira obra do escritor Felipe Castilho pela editora Intrínseca. O livro, produzido em parceria com a CCXP, teve grande destaque no evento, e foi muito gostoso ver um autor nacional ser publicado com alarde por uma importante editora, num evento de grande proporção e alcance.

Comprei o livro na mesma semana, mas só comecei a ler no primeiro dia de 2018. Levei 3 dias para percorrer as 440 páginas do volume, que já chama atenção pela linda capa e projeto gráfico muito bem feito. No meio do livro há um mapa do universo de Castilho que é de encher os olhos de tão bonito.

Ordem Vermelha se passa no reino de Untherak, uma grande cidade murada, fora da qual existe apenas um grande deserto, chamado de Degradação. Untherak é governada pela deusa Una, uma entidade divina formada pela união dos 6 deuses que existiam anteriormente. A misteriosa Centípede e o amedrontador general Proghon formam, junto com Una, a cúpula do governo.

Não existe liberdade em Untherak. Todas as criaturas (humanos, anões, sinfos, gnolls, kaorshs e alguns poucos gigantes) vivem sob um regime ditadorial, no qual trabalham como escravos para manter Untherak funcionando. É possível comprar a semiliberdade, por um valor exorbitante, ou conquistá-la no Festival da Morte, famoso por nunca ter sido vencido. Uma nova edição do festival está prestes a acontecer e a kaorsh Raazi vai tentar a sorte.

Na mitologia de Castilho, os sinfos são pequenas criaturas ligadas à natureza e aos animais, de vida breve; os gnolls são ligados à agua, mas se tornaram quadrúpedes e ferozes e os kaorsh são seres que tem um relacionamento muito forte com as cores, conseguindo alterar as cores deles mesmo, assim como de outras coisas. Eles se referem a seus corpos como canväs. O livro, como o nome sugere, também tem relação com a cor vermelha que, por motivos desconhecidos, é proibida em toda Untherak.

Além de Raazi, outros personagens nos são aprensentados, como o falcoeiro Aelian, o sinfo Ziggy e seu betouro Thrul, o anão Harun, e o personagem misterioso que atormenta os servos de Una, chamado de Aparição, que usa um manto vermelho e uma imensa espada. Esses são apenas alguns dos nomes que acompanhamos numa narrativa deveras envolvente.

É difícil falar sobre a trama de Ordem Vermelha sem dar spoilers, então me limitarei a dizer que o livro é cheio de surpresas e reviravoltas. Acredito que até mesmo a estrutura da história foge, de certa forma, do que eu esperava de uma obra de fantasia épica. Um dos grandes destaques para mim é o desenvolvimento cuidadoso e detalhado dos personagens, que leva o leitor a criar um identificação muito rápida com eles, e acompanhar sua jornada de perto, torcendo para que as coisas dêem certo.

Outro ponto positivo da obra é a representatividade de gênero, sexual e racial. Os personagens de Castilho são diversos, e essa diversidade é apresentada de forma muito natural e gostosa. As histórias deles não giram em torno de suas características, e ainda assim elas fazem toda diferença em sua construção e comportamento.

Ordem Vermelha me foi uma supresa em diversos aspectos, desde seu lançamento, passando por sua trama, a construção dos personagens, o worldbuilding e toda mitologia criada pelo autor. Saio dessa leitura com a certeza de que há muita coisa além de Untherak a ser explorada nesse novo universo fantástico, e desde já aguardo por mais histórias dos Filhos da Degradação. #LeiaNovosBR

Nota

 

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Nome: 
Ordem Vermelha: Filhos da Degradação
Autor: Felipe Castilho
Edição: 1ª
Editora: Intrínseca
Ano: 2017
Páginas: 448
ISBN: 978-8551002698
Sinopse: Você destruiria seu mundo em nome da verdade?

A última região habitada do mundo, Untherak, é povoada por humanos, anões e gigantes, sinfos, kaorshs e gnolls. Nela, a deusa Una reina soberana, lembrando a todos a missão maior de suas vidas: servir a ela sem questionamentos. No entanto, um pequeno grupo de rebeldes, liderado por uma figura misteriosa, está disposto a tudo para tirá-la do trono.

Com essa fagulha de esperança, mais indivíduos se unem à causa e mostram a Una que seus dias talvez estejam contados. Um grupo instável e heterogêneo que precisará resolver suas diferenças a fim não só de desvendar os segredos de Untherak, mas também enfrentar seu mais terrível guardião, o general Proghon, e preparar-se para a possibilidade de um futuro totalmente desconhecido. Se uma deusa cai, o que vem depois?

Ordem Vermelha: Filhos da Degradação é o preâmbulo da jornada de quatro improváveis heróis lutando pela liberdade de um povo, um épico sobre resistir à opressão, sobre lutar contra o status quo e construir bravamente o próprio destino. Porta de entrada para um novo mundo com inspirações de fantasia medieval, personagens marcantes e uma narrativa que salta das páginas a cada vila, ruela e beco de Untherak. O primeiro livro de fantasia que a editora Intrínseca lança em parceria com a CCXP – Comic Con Experience, escrito por Felipe Castilho em cocriação com Rodrigo Bastos Didier e Victor Hugo Sousa.

Caçador em Fuga – George R. R. Martin, Gardner Dozois, Daniel Abraham

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Em “Caçador em Fuga“, Ramon Espejo acorda dentro de um aquário e aos poucos seu corpo entra em modo de alerta. A situação é crítica e, passado pouco tempo, ele percebe que sua vida nunca mais será a mesma, pois ele se tornou refém de uma tribo de alienígenas de um lugar pacato da colônia São Paulo. Sob total controle de Maneck, um dos alienígenas, Ramon vai tentar ser a única coisa que nenhum de seus algozes pode: humano. Somente essa singularidade natural pode salvar a sua vida; enquanto tenta rastrear outro homem de sua espécie para entregar ao seu inimigo, ele ainda tem que garantir sua sobrevivência e planejar sua vida, já que outros homens podem estar em seu encalço por conhecer seu passado.

Caçar ou fugir?

A situação de Ramon é complicada: atual morador de uma colônia extraterrestre, seu jeito grosseiro, violento e rude o colocou em uma situação muito complicada. Buscando encontrar uma saída que não lhe custe a vida, o protagonista acaba se tornando vítima de um sequestro e total dominação de uma tribo alienígena que procura por um outro ser humano de seu interesse.

Ramon não gosta de ser dominado, afinal, ele é um caçador: entre buscas por recompensas, lutas e fugas, este homem bronco e mal educado é sobrevivente de uma terra em extinção com todos os erros políticos e injustiças sociais. Ramon passou por muitos problemas enquanto estava na terra e enfrentou o diabo para poder ter sua liberdade fora do planetinha de merda da qual ele saiu. O que ele queria na colônia São Paulo era simples: trabalhar todo dia, receber seu pagamento, ficar com a sua mulher e encher a cara, como lhe foi ensinado que era o certo, como a vida se mostrou certa. Foi por aí que tudo deu errado.

Como Ramon vai se livrar de Maneck, sobreviver perante à criatura que é muito mais forte e inteligente que ele, muito mais sagaz e dominante de uma tecnologia ainda desconhecida? Depois disso, como o mexicano vai conseguir ter o controle de sua vida de volta, sendo que cometeu um erro que pode custar tudo o que alcançou até aqui?

Análise Crítica

Caçador em Fuga” é um livro de ficção científica escrito por três autores: George R. R. Martin, Gardner Dozois e Daniel Abraham. Os três demoraram trinta anos para terminar a estória de Ramon e o resultado é esse livro de pouco mais de 300 páginas que apresenta personagens de personalidade marcante, enredo bacana e um cenário cativante. O livro é repleto de ação, possibilitando uma leitura fluída e que prende a atenção.

No Brasil, ele foi lançado pela editora LeYa. O livro é em formato brochura, páginas amareladas, boa gramatura do papel, letras em preto e espaçamento bom. A tradução está muito bem feita e a capa é muito bonita.

Destaca-se a personalidade dos protagonistas e o problema final, com sua solução plausível e surpreendente. Ramon fala muitos palavrões, o que pode trazer certo desconforto para alguns leitores e, infelizmente, a sua masculinidade é trazida o tempo todo de forma violenta e provada por suas atitudes extremas. Não gostei da forma como a figura Helena, namorada de Ramon, é tratada na obra: uma mulher louca, submissa e, infelizmente, sempre centro da agressividade do personagem. Embora eu entenda que isso faz parte da construção da personalidade do protagonista humano, estou cansada de obras que criam tais personagens. Aguardo por obras que me surpreendam positivamente neste aspecto.

Por fim, o livro é bem escrito e todos os elementos básicos da ficção científica estão ali, em especial as críticas e reflexões construídas através da trama e desenvolvimento dos personagens. Se você procura por um livro divertido do gênero, vale a pena dar uma chance a este lançamento da editora LeYa. “Caçador em Fuga” foi lançado em 2017 e é um dos mais divertidos livros que li no ano.

Nota

 

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Nome:
 Caçador em Fuga
Autor: George R. R. Martin, Gardner Dozois, Daniel Abraham
Edição: 1ª
Editora: LeYa
Ano: 2017
Páginas: 304
ISBN: 9788544105214
Sinopse: Ao despertar num lugar escuro, Ramón Espejo não se lembra de como foi parar ali. Logo ele descobre que é refém de uma raça alienígena e que, para recuperar sua liberdade, será forçado a ajudá-los a encontrar outro humano como ele – um fugitivo. Quando a caçada começa, no entanto, Ramón recupera algumas lembranças: a miséria e as péssimas condições de trabalho e de vida no México; a decifsão de deixar a Terra e explorar um novo planeta-colônia, São Paulo; o sonho de encontrar metais valiosos e enriquecer; o desejo de uma nova chance. Agora, envolvido numa estranha perseguição nesse mundo hostil e imprevisível, Ramón precisa encontrar uma maneira de escapar de seus captores… e depois, de alguma forma, sobreviver. No entanto, à medida que suas memórias se fortalecem, Ramón descobre que seu pior inimigo pode ser ele mesmo. Caçador em fuga, publicação que faz parte do selo LeYa/Omelete, é uma história criada a seis mãos que levou quase trinta anos para ser escrita. O resultado é uma aventura de ficção científica que cria mundos e espécies diferentes com detalhes fascinantes, analisando a humanidade em seus piores e melhores momentos por meio de um personagem politicamente incorreto, atrapalhado e carismático.

 

 

Realidades Cabulosas – Ano 1

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Faça o download em seu formato preferido após compartilhar em suas redes sociais:



Você também pode comprar a antologia Realidades Cabulosas – Ano 1 em formato impresso, a preço de custo, pelo Clube de Autores: Realidades Cabulosas – Ano 1 no Clube de Autores

Dezenove contos, dos mais diversos gêneros — fantasia, ficção científica, realista, surreal, policial, terror —, de autores experientes e também de novatos, publicados em 2017 no site Leitor Cabuloso ou inéditos, mas todos com uma coisa em comum: trazem a você, leitor, realidades verdadeiramente cabulosas.

Autores: Adriana Rodrigues; Bruno Martins Soares; Daniel dos Santos Soares; Evelyn E. Postali; Fábio Fernandes; J. M. Beraldo; João Paulo Effting; Joe de Lima; Lucas Rafael Ferraz; Luís H. Beber; Luis Henrique da Cunha; Magdiel Araujo; Matheus Salfir; Michel Peres; Priscilla Matsumoto; Priscilla Rúbia; Rafael Peregrino; Rodrigo Rahmati; Sonia R. R. Rodrigues.

Noites Negras de Natal e Outras Histórias – Karen Alvares & Melissa de Sá

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Se você é fã de terror e gosta de estórias de Natal, a obra “Noites Negras de Natal e outras histórias” foi feita para você!

O livro possui quatro contos nacionais escritos por Karen Alvares e Melissa de Sá que proporcionam uma leitura rápida e agradável, ideal para quem quer se divertir nesta época de fim de ano, mas não dispensa aquela boa dose de medo que só o bom terror pode proporcionar. Dos quatro contos, dois têm temática natalina e farão você repensar sobre o que vai ou não vai comer na ceia e quais decorações de natal você vai por na sala da sua casa. Preparado?

As nossas noites negras de natal (tomara que não) e aquelas outras histórias que gostamos de ouvir

O primeiro conto do livro é “O Último Panetone de Natal“. Neste conto, Karen Alvares narra a estória de Rafaela e Pablo, um casal que está em uma viagem e que por um problema acabam procurando estadia em uma pousada que fica no meio do nada. Lá eles encontram uma cama para dormir e uma refeição. O problema é que a gente sabe muito bem o que acontece quando algo dá errado em uma viagem e se encontra uma pousada com comida quentinha e cama agradável… Este conto recria o ambiente clássico que os fãs de terror tanto gostam. Os elementos estão todos lá e é divertido acompanhar a estória de Rafaela e Pablo. O final…. é de arrepiar. Quem ler vai querer comer o panetone de Natal, isso é tudo o que eu posso dizer! Além disso, senti falta de um maior desenvolvimento da narrativa e algumas dúvidas surgiram na minha mente, mas boas estórias de terror são assim mesmo, não são?

Melissa de Sá traz o terror no Natal com “Lembranças Vermelhas“, que conta a desventura na véspera de Natal enfrentada por Julian. O protagonista foi para a casa de sua família, no interior de Minas Gerais, onde vai passar a ceia junto de seu irmão André e sua esposa estrangeira, bem como o casal de filhos dela e sua irmã. Apesar do desconforto de Julian, as coisas estavam sob controle até que por causa de uma tempestade, André e sua esposa vão resgatar a sua irmã na rodoviária e ele fica responsável por cuidar das crianças. O clima de tensão e suspense vai crescendo conforme as horas passam, até chegar a um ponto que…. Bom, melhor pensar muito bem nas tradicionais decorações de Natal que você vai por na sua sala. Fui clara? Acredite em mim, você vai levar isso a sério depois de ler esse conto, ele é muito bem desenvolvido e amarrado. É um dos melhores do livro!

Se Karen Alvares foi com calma no conto natalino, ela realmente não dispensou a vontade de gerar medo com uma boa estória de terror em “Setor B12“. O conto não é sobre o Natal, mas é de arrepiar e, para mim, é também um dos melhores. Em Setor B12, acompanhamos Beto, um jovem negro que está desempregado e após meses vivendo com insegurança e medos, finalmente consegue uma vaga de emprego em uma construção civil. Só tem um detalhe: segundo a lenda da cidade, essa construção é amaldiçoada. Sem pensar duas vezes, Beto aceita o emprego e começa a repensar em suas escolhas enquanto coisas muito estranhas e acidentes macabros vão acontecendo com muita frequência. Será que Beto e seus amigos vão conseguir sair dessa?

Fechando o livro, Melissa de Sá reconta a estória clássica do Cisne Negro sob uma ótica de terror própria para gerar angústia. Em “A Morte do Cisne“, Odette enfrenta seus piores medos esculpidos na figura maligna de Rothbart enquanto tenta lutar por amor estampado na imagem de Siegfried, o príncipe. Aqui temos um terror bastante diferente dos outros contos, trata-se de algo na esfera psicológica da personagem e apenas ali. O texto é bem escrito, mas senti falta de mais elementos para me conectar com a estória e os personagens. A pergunta que é trabalhada é: até onde Odette é capaz de ir para resgatar a sua humanidade?

Noites Negras de Natal e outras histórias” é um livro de contos de terror nacional com estórias bem escritas e divertidas. Dos quatro contos, dois são de temática natalina, muito bem recomendadas para quem adora o gênero e curte festividades de fim de ano. Que tal conhecer o lado sinistro do Natal? Mais do que isso, o livro é escrito por duas autoras brasileiras que vale a pena conhecer. Por fim, o livro pode ser lido rapidamente, então dá tempo de se divertir até a ceia de natal (ou ter medo do que pode rolar por lá….) Divirta-se! #LeiaNovosBR

Nota

 

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Nome: 
Noites Negras de Natal e outras histórias Autoras: Karen Alvarez e Melissa de Sá
Edição: 1ª
Editora: Independente
Ano: 2012
Páginas: 64
ISBN: 
Sinopse: Um casal numa jornada sombria, um jovem isolado com os sobrinhos em um sítio macabro no interior de Minas, operários numa obra suspeita e uma mulher amaldiçoada. São esses os personagens que você vai encontrar em Noites Negras de Natal e outras histórias.

Nessa coleção de 4 contos, as escritoras Karen Alvares e Melissa de Sá se lançam em histórias sobre o que tem no escuro da noite e atrás da porta. 4 contos de terror, dos quais 2 são especiais natalinos.

Do que você tem medo no Natal?

 

 

Todas as cores do Natal – Vitor Martins, Bárbara Morais, Lucas Rocha, Alliah, Mareska Cruz

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O Natal já está chegando e nada mais justo do que compartilhar com vocês boas estórias sobre a época. Pensando nisso, minhas últimas leituras foram todas destinadas para livros e contos que tratam do feriado e é sobre uma delas que vamos conversar hoje.

Todas as cores do Natal, de todos os Natais

Todas as cores do Natal” é uma coletânea de cinco contos nacionais publicada pela Agência Página 7, cujo grande diferencial é a apresentação de estórias protagonizadas por personagens LGBTQ+ durante as confraternizações de fim de ano. Cada conto é individual e funciona por si, abrangendo narrativas, episódios, personagens, situações, cenários e mensagens diferentes, divertidas e algumas muito emocionantes.

Em “Vinte bombons de banana“, Vitor Martins conta a aventura vivida por Renato para encontrar o presente perfeito para o seu amigo secreto do curso de inglês, enquanto tenta lidar com a queda que sente por ele, aproveitando a oportunidade para demonstrar toda a atenção, carinho e atração que sente pelo rapaz. O plano funciona até que… a vida acontece e Renato passa a viver como as costumeiras aventuras de Natal real envolvendo crush costumam acontecer! É um conto divertido, leve, muito bem escrito e está ente os meus favoritos da coletânea: uma ótima forma de abrir o livro e nos envolver, nos preparando para as próximas narrativas. O espírito natalino com certeza está presente neste conto de maneira muito real!

A proposta da autora Bárbara Morais é um pouco diferente. Em “Garotas mágicas super natalinas“, ela apresenta um grupo de garotas como poderes mágicos que precisam se unir para lutar e vencer o mal que está destruindo Brasília. O conto é focado em uma delas, que está enfrentando dificuldades com seus poderes e corre o risco de perder tudo. Juntas, elas aprendem muitas coisas e têm a oportunidade de vencer muito mais do que esperam. Apesar de não ter muito envolvimento com o Natal enquanto feriado ou enquanto festividade, é um conto bacana, divertido, a mensagem final é importantíssima. Ele acaba sendo um pouco destoante da proposta esperada enquanto leitora por obras que envolvem o Natal, porém nem por isso perde seu valor, sendo bem direcionado a um público adolescente que precisa aprender a viver bem consigo mesmo.

O terceiro conto é escrito por Lucas Rocha. “A aventura do peru de natal” é um dos contos mais divertidos da coletânea toda e literalmente me fez gargalhar em voz alta em alguns momentos. Danilo quer um fim de ano comum: descansar, ler seu conto do Dickens, ir para a ceia com seus familiares, dormir e continuar a viver. Mas é Natal e a gente sabe que isso não acontece de verdade, não é mesmo? No dia 24 de dezembro, Danilo vê seu dia virar de ponta cabeça após uma tempestade acontecer, atrapalhando a entrega do peru de natal na casa de sua avó, a devolução do cachorro de sua vizinha e a necessidade de conversar (finalmente!) com seu vizinho pelo qual ele arrasta uma asa… como dizem por aí. Com delicadeza, o autor trabalha vários assuntos que envolvem família, perda, luto, sentimentos positivos e tristeza, solidariedade e é claro, o melhor do natal: a superação das regras e o amor vivenciado por todos quando é tudo isso que podemos ter. Também está no meu top 3!

Entremarés” de Alliah é o conto mais longo da coletânea e possivelmente o que traz maior presença de personagens LGTB+ de todo o livro. Os eventos acontecem durante vários dias e os personagens acabam vivendo várias coisas enquanto lutam para salvar um tubareio (uma criatura do mar que também consegue ter a forma humana) e uma ilha da destruição causada pela poluição provocada pela humanidade. O ponto positivo do conto é trazer personagens cujos diálogos são absurdamente reais e divertidos (tem inclusive alguns palavrões e expressões populares aqui), por outro lado a representatividade não é tão explicada. Possivelmente para quem se identifica com os personagens é fácil entender a significância de tê-los na obra, porém para quem não conhece os termos ou não se identifica com aquelas representações, elas ficam soltas no texto, ou seja, não possuem um grande peso para a estória como um todo. Para os acontecimentos, se o personagem é pan, demissexual, hetero, homoafetivo é o mesmo que falar que ele tem cabelos castanhos, ou seja, essas características estão presentes, porém não são elas que definem qualquer ação dentro da própria estória sendo narrada. Outro ponto que me incomodou um pouco é a quantidade excessiva de nome de floras e faunas que, novamente, para mim não acrescentaram em nada na estória, sendo muito específicas. Infelizmente, com este conto não consegui me conectar.

Fechando o livro, Mareska Cruz traz “Os quinze natais de Benedita“, uma estória sobre amor, amizade, família, confiança e continuidade. O conto narra os quinze natais vividos por Benedita, protagonista da estória, que sempre teve ao seu lado um amigo inseparável. Algo muito difícil acontece e aí Benedita que antes amava o natal, passa a odiá-lo até que a vida lhe dá novamente a oportunidade de aprender a construir relações de felicidade novamente. Tudo isso sendo sempre acompanhada por sua família e depois pela mulher pela qual é apaixonada. É uma estória bonita, com toque de natal para fã de fim de ano nenhum botar defeito! Colocá-lo como encerramento do livro foi uma escolha acertada!

Em um ano onde a representatividade esteve em pauta, é uma delícia poder conhecer esse livro. É um presente para a diversidade literária de nosso país e para nós, leitores e leitoras, que não abrimos mão de diversão e emoção enquanto lemos. A vida tem muitas cores e foi muito gostoso conhecer todas as cores do natal. Quer um bom presente? Leia este livro e se encante por essas estórias e personagens.

Nota

 

 

 

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Nome:
 Todas as Cores do Natal
Autor: Vitor Martins, Bárbara Morais, Lucas Rocha, Alliah, Mareska Cruz
Edição: 1ª
Editora: Agência Página 7
Ano: 2017
Páginas: 249
ASIN: B077YCQ874
Sinopse: A Agência Página 7 reuniu cinco autores para contar histórias divertidas e emocionantes sobre personagens LGBTQ+ durante as festas de fim de ano. “Todas as Cores do Natal” propõe trazer a voz dos escritores enquanto pessoas LGBTQ+ para ilustrar as experiências de seus personagens a partir de uma perspectiva mais próxima. Escrever com essa propriedade de fala é conhecida como “own voices” no mercado internacional e é muito importante para a diversidade na literatura.
Nessa coletânea, Vitor Martins narra uma divertida história de amigo secreto no curso de inglês que vai fazer o leitor morrer de amores e vergonha alheia por Renato. Já Bárbara Morais traz o universo das Garotas Mágicas para salvar o Natal na capital do país e falar sobre a importância da amizade verdadeira. Lucas Rocha conta como Danilo só queria um fim de ano comum, mas, de repente, tudo dá errado na noite de Natal e ele se vê preso em uma tempestade envolvendo um peru assado, um cachorro e o garoto por quem ele tem uma quedinha. Alliah mostra que uma simples viagem em grupo de fim de ano para uma ilha no litoral do Rio de Janeiro pode revelar seres sobrenaturais sofrendo com as alterações mágicas causadas pela poluição dos mares. Para fechar com chave de ouro, Mareska Cruz fala sobre a relação de Benedita com o Natal desde o seu nascimento: são quinze anos de pura diversão, coração partido, amor e amizade.

 

A distância das coisas – Flávio Carneiro

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A distância das coisas (Edições SM, Flávio Carneiro) versa sobre o que é essencial: o amor. Será que a distância é capaz de diminuir um sentimento tão verdadeiro? Na narrativa, o leitor partilha das dúvidas, saudades, intuições e as pistas que leva o protagonista à procura de sua mãe.

Conheça mais a estória

Pedro perdeu seu pai num acidente de carro ainda muito pequeno. Muitos anos depois, sua mãe morre da mesma forma. Inconformado, ele não acredita que as duas pessoas que mais amou na vida possam ter morrido do mesmo jeito. Sente-se sozinho, muito embora viva com um tio, quase sempre ausente.

A vida de seu tio e a morte de sua mãe são um mistério para o jovem de 14 anos. Suas desconfianças se deflagram quando não tem a chance de ir ao enterro da mãe. Tendo como confidente uma amiga do colégio, Marina, que se revela o seu primeiro amor, a personagem tenta, de todas as formas, descobrir pistas que comprovem que a mãe ainda está viva, contando com as limitações próprias de sua pouca idade, mas com uma forte intuição que lhe serve de guia.

Sobre o livro

O livro possui uma narrativa em primeira pessoa, de cunho autobiográfico: ao mesmo tempo que o protagonista se apresenta como personagem, também atua como narrador na trama. Desta forma, temos um personagem-narrador. O leitor se sente confidente das suspeitas que o protagonista alimenta acerca da morte da mãe, pelo diálogo que estabelece, a todo momento, com o leitor. À medida que a narrativa se desenvolve, os laços entre personagem-narrador e leitor se estreitam, tornando-os cúmplices.

Utilizando-se de uma linguagem jovial e descontraída, o autor ambienta o leitor de forma magistral no mundo de um personagem de 14 anos. O autor propõe o suspense, o que aumenta o nível de expectativa do leitor, mantendo um excelente ritmo da narrativa, construída por períodos curtos e objetivos, entremeados de diálogos ágeis.

Nota

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Nome:
 A distância das coisas
Autor: Flavio Carneiro
Edição: 1ª
Editora: Edições SM
Ano: 2008
Páginas: 144
ISBN: 9788576752240
Sinopse: A distância das coisas conta, em primeira pessoa, a história de Pedro, que perdeu seu pai quando ainda era pequeno e, agora, aos 14 anos é avisado pelo tio, que sua mãe não sobrevivera a um acidente de carro. Seu drama não acaba aí. Sem ter permissão para acompanhar o enterro, passa a se questionar se a mãe realmente morreu, e começa a remexer as memórias de sua vida. Vai, ainda, atrás do ex-namorado da mãe, para resgatar os momentos que passou com ela.
A técnica narrativa do experiente Flávio Carneiro provoca um forte sentimento de identificação com o protagonista. O leitor passa a acompanhar de perto suas dúvidas, angústias e projetos. Cria-se uma atmosfera de suspense que aos poucos é resolvida com as estratégias elaboradas por Pedro para saber a verdade.
A distância das coisas foi escolhido entre quase 550 textos literários inscritos na terceira edição do maior prêmio brasileiro para inéditos na área infantil e juvenil. Goiano, Flávio Carneiro nasceu em 1962, e se mudou para o Rio de Janeiro no início dos anos 1980. Escritor, crítico literário, roteirista e professor de literatura, Flávio já escreveu dois roteiros para o cinema e é autor de vários livros. Pela SM, publicou Prezado Ronaldo em 2006. É ganhador de alguns prêmios literários; entre eles o Prêmio Octavio de Farias (Melhor livro de contos), da União Brasileira de Escritores, e recebeu o selo “Altamente recomendável para o jovem”, concedido pela FNLIJ.

 

 

Editorial #3

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Estamos chegando ao final do ano e, com isso, ao final do primeiro ciclo de publicação de contos no Leitor Cabuloso, com um projeto bacana de curadoria, edição e revisão. Eu e meu amigo e co-editor Rodrigo Rahmati estamos muito felizes pelo que conseguimos fazer esse ano, pelas pessoas bacanas que publicamos e pelos contatos que fizemos. Foi incrível.

Para 2018 teremos algumas alterações nas regras de submissão, para incorporar as lições que aprendemos esse ano e tornar esse projeto ainda mais legal. Mas, antes disso, temos um livro para montar. Os contos publicados no site sairão ainda esse mês numa coletânea chamada Realidades Cabulosas: Ano 1. A coletânea será lançada como e-book e para compra em formato físico no Clube de Autores, e contará com todos os contos que saíram no site mais alguns contos exclusivos de autores e autoras convidadas.

Mas, para finalizar esse projeto, precisamos de vocês! Nossa ideia é colocar vários microcontos nesse livro, nas páginas entre os contos. Achamos que é algo rápido e divertido de se ler, um rápido interlúdio entre uma história e outra. Hoje começa a campanha final para envio dos microcontos pelo Twitter, envie sua história em um tweet com a hashtag #microcabuloso que vamos selecionar as melhores para entrarem no livro!

É isso, ficamos no aguardo das suas histórias, e logo mais a primeira antologia do Leitor Cabuloso será lançada, fiquem de olho!

Saco de Vermes

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Ela se sentia satisfeita.

Estava grávida, como tinha de ser. Tinha um marido, como era previsto. As coisas iam muito bem, obrigada.

Tudo isso foi por água abaixo quando a criança nasceu. As crianças. O horror tomou conta de si. Ela não podia ter duas crianças. Era proibido.

Quando a parteira levantou o primeiro bebê, sentiu-se abençoada. Um menino! Logicamente daria o nome dele. Uma singela homenagem. E então a mulher retirou aquele intruso de dentro de si. O quê, por Deus, aquele segundo menino estava fazendo ali?

A parteira lançou-lhe um olhar significativo e entregou a segunda criança. Quando ela se retirou, a nova mãe sentiu uma vergonha imensa. Tinha certeza que a mulher contaria a ele e logo viriam prendê-la. Quando semanas se passaram e nada aconteceu, imaginou quantas mulheres passaram pelo mesmo problema. Imaginou também como elas o resolveram. Morte? Contudo, antes que pudesse pensar em uma solução, o marido encontrou uma maneira.

Poderiam precisar da criança mais tarde. Não eram uma família rica. Na verdade, estavam abaixo do termo “pobre”. O marido lhe convenceu dizendo que poderiam vender a criança, mais tarde.

Isso era comum. Ele exigia que todos os casais tivessem um filho ou filha, mas alguns simplesmente não conseguiam. Os acidentes — como era o seu caso — serviam para cobrir esse buraco. Assim, por baixo dos panos, havia esse mercado. Naquele mesmo dia, então, o menino foi escondido em um canto do porão.

***

Sete anos haviam se passado. A criança intrusa ganhou o nome de Verne — por causa de outra palavra à qual era muito associado — e cresceu, mas não foi vendido. A mãe tentara de todas as maneiras possíveis se livrar dele, mas sem sucesso.

Quando ninguém quis comprar o menino, passou a oferecê-lo, mas nem assim conseguiu. Ninguém queria um problema. O tempo passou e agora o garoto era muito velho para qualquer tipo de lucro.

Ele ainda vivia no porão, e era bem alimentado — na medida do possível. Se fossem vendê-lo, não poderia ser um menino magricela. Mal andava pela casa; só lhe era permitido deixar o porão durante a noite para a limpeza da casa.

Verne tinha uma visão muito limitada do que era o dia ou o sol, por simplesmente nunca ter visto nenhum dos dois. Sabia, claro, que o dia era diferente da noite — uma luz mais forte do que a dos lampiões entrava pelas frestas —, mas não passava disso.

Quando perguntava à sua mãe por quê ele não podia sair, ela lhe dizia que as pessoas queriam lhe fazer mal. Ela não sabia responder o porquê da outra criança que vivia na casa — e ele não sabia que eram irmãos nem o que isso significava — poder andar livremente.

Um dia, enquanto limpava a cozinha, deparou-se com uma tábua solta na parede dos fundos — a casa de madeira estava bem além de velha. Empurrou–a e, quando viu a Lua, sentiu-se hipnotizado. Ele já a havia visto outras vezes, claro, mas não como naquele dia. Ela estava enorme; dava uma sensação de paz e, ao mesmo tempo, de medo em perceber o quanto era pequeno. Viu as casas vizinhas, o gramado seco, as ruas iluminadas por ela e achou tudo tremendamente belo. E saiu.

Desde então, ele terminava o serviço rapidamente, se esgueirava pela tábua solta e ia para a cidade. Amava sentir o ar fresco da noite passando pelo seu rosto e, acima de tudo, amava poder andar livremente. O fato de ninguém poder vê-lo, de todas as pessoas que lhe queriam fazer mal estarem dormindo enquanto ele estava ali, do lado de fora, dava uma sensação de poder nunca antes sentida.

Nas primeiras noites Verne teve medo de se perder e não foi muito longe, mas logo conheceu cada beco. Em uma ocasião, um guarda quase o descobriu, e aquilo o assustou tanto que ficou uma semana sem se aventurar. Voltou porque descobriu que não poderia mais viver sem aquela sensação.

Isso até o dia em que sua mãe acordou durante a noite para um copo d’água e não o encontrou em lugar algum.

***

Quando acordou com a boca seca, ela se sentiu estranha. Era muito raro ter o sono interrompido. Ficou durante algum tempo na cama, esperando escutar algum barulho que a tivesse despertado. Como nada aconteceu, levantou-se.

Achou muito estranho não encontrar Verne na sala limpando alguma coisa. Quando não o encontrou na cozinha, contudo, o medo a dominou. Disse a si mesma que estava sendo boba. Ele tinha de estar na casa. Provavelmente terminou o serviço mais cedo e voltou para o porão. É. Era isso. Certamente.

Desceu a escada devagar, sussurrando o nome do garoto, e quando não obteve nenhuma resposta, deu um grito contido, sem se dar conta. Correu para o lampião que sabia estar na base da escada. Quando finalmente conseguiu acendê-lo — suas mãos tremiam —, sentiu todas as forças fugirem do seu corpo. O porão estava vazio.

A ideia de Verne estar andando pela rua durante a noite, ou de simplesmente ter fugido de casa, por pouco não a enlouqueceu: pelos motivos errados.

Subiu as escadas correndo, não mais se importando com o barulho, e acordou o marido. Ele ficou chocado como ela, mas disse que deveriam esperar. Aconteceria algo, por bem ou por mal. E assim o fizeram.

***

Quando Verne esgueirou-se pela tábua no começo da manhã, sentia-se cansado, mas completamente desperto. Não conhecia uma palavra que descrevesse o que sentia, mas essa seria: felicidade.

Entrou em casa sorrindo, e ainda sorria quando encontrou os pais sentados no sofá. Não conseguiu fazer nada. Não moveu um músculo. Sentiu o sorriso se desfazer lentamente em seu rosto.

— Onde você estava? — o pai perguntou.

Por um momento não conseguiu falar. Seus lábios pareciam muito pesados. Mas, se não respondesse, sabia que seria pior, muito pior.

— Eu saí.

Diante do desespero, não conseguiu inventar nenhuma desculpa e deu a resposta crua e verdadeira.

Antes que pudesse fazer qualquer coisa, o pai já estava em cima dele. Golpeou-lhe o rosto com tanta força que o menino se desequilibrou e caiu.

— Fazendo O QUÊ?!

— Nada! Não fiz nada!

O homem o chutou nas costelas e o garoto uivou. Por entre os olhos marejados, viu que a mãe permanecia sentada, chorando. Inocentemente pensou que ela chorava por ele, mas tudo que a mulher sentia era alívio.

— Levante — o homem ordenou.

Foi difícil obedecer de imediato. As costelas doíam e era trabalhoso respirar, mas por fim conseguiu.

— Desça.

Virou-se imediatamente em direção ao porão. Viu o irmão parado à porta de seu quarto, acordado pelo barulho. Ele sorria.

***

— O que faremos? — ela tremia.

A possibilidade de alguém ter visto Verne e o seguido direto para sua casa a amedrontava. Olhava para a porta a cada segundo esperando que ele aparecesse.

— Temos de nos livrar dele. Isso já foi longe demais.

— Mas como? Não conseguimos vendê-lo, e se simplesmente o mandássemos embora ele poderia — arrepiou-se — dar com a língua nos dentes.

— Tem um jeito.

O marido a olhou determinado.

Ela sentiu medo, mas teve de expor o que pensava desde que o menino nasceu:

— Matá-lo?

— Não! — Olhou-a como se não acreditasse. — Não quero o sangue de ninguém em minhas mãos.

— Então o quê?

— O velho. Chame o velho para levá-lo.

***

Quando Verne chegou ao porão o cansaço caiu sobre ele. Sentiu-se tão pesado que não teve forças para caminhar até a cama enferrujada, disposta a alguns passos. Simplesmente desabou. Estava com dores e sentia vergonha. Adormeceu ali mesmo, com as lágrimas lavando o rosto sujo.

***

Ao acordar, a primeira coisa que notou foi a fita vermelha amarrada ao pé de sua cama. Tinha certeza de que aquilo era novo.

Logo em seguida, percebeu que o porão tinha uma claridade fosca e amarelada, do fim do dia. Perguntou-se quanto tempo dormira. Conseguiu a resposta quando sentou e sentiu cada músculo enrijecido. Não conseguia mover o pescoço sem gemer de dor. As costelas latejavam e, tocando a boca onde o pai o bateu, percebeu que estava bastante inchada.

A terceira coisa que percebeu, sentindo um frio na espinha apesar do quão quente e abafado estava o porão, foi que não estava sozinho. Virou a cabeça para trás, rápido demais. Ouviu e sentiu o estalo no pescoço, mas não ligou: tinha alguém ali.

Era um velho. Estava encostado na parede, fumando um cigarro, como se sempre fizesse isso por ali. Como se tivesse sido convidado.

O pouco sol batia em seus cabelos brancos colados à testa. Era um velho muito sujo; Verne podia ver e sentir isso de longe. O cheiro de urina fazia a respiração cada vez mais difícil, mas havia algo mais; algo que o sufocava de um modo diferente do odor de semanas sem banho. Se o menino tivesse capacidade de saber o que era aquele cheiro, teria corrido muito mais cedo.

O velho exalava o cheiro de sangue.

— Olá — ele disse, finalmente reparando no garoto.

Verne não respondeu, e o velho pareceu não ligar. Jogou o cigarro no chão e o pisou. Olhou mais uma vez para Verne e sorriu. Ele tinha todos os dentes pretos, pequenos e afiados.

Até aquele momento, Verne ficara apenas curioso do porquê de o velho estar ali, mas agora sentia medo. Um medo pegajoso, que grudava em sua pele.

Quando o velho avançou um passo, o menino pôde notar que carregava algo. Como se lesse seus pensamentos, o velho moveu o braço para frente, revelando o que trazia apoiado nas costas: um saco de pano encardido e muito grande, praticamente do mesmo tamanho do garoto.

— O q-quê você quer?

Verne odiou-se por gaguejar e mostrar seu medo. Aprendera, ao longo de sua curta vida, que os adultos ficam furiosos e desesperados quando se deparam com o medo. Mas o velho não ficou nervoso; pelo contrário, tornou a sorrir. Não respondeu à pergunta de Verne, no entanto.

O menino engoliu, tentando limpar a garganta, e engasgou. Assustou-se por descobrir como ela estava seca, como ele sentia sede. A boca machucada incomodava. Começou a ficar tonto e olhou para o velho ainda sorrindo. Pôs-se de pé com dificuldade e repetiu a pergunta, de um modo diferente:

— Por que você está aqui?

O velho continuou calado, mas respondeu de outra maneira. Apontou um dedo torto com a unha quebrada e suja para alguma coisa atrás de Verne. Ele se virou e mais uma vez seu olhar foi atraído para a fita vermelha amarrada aos pés de sua cama.

— Mas o que…

Não teve tempo de terminar a pergunta. Ao se virar para fitar o velho novamente, deparou-se com o rosto a centímetros do seu. Ele estava ali, à sua frente, embora não tenha escutado o som de passos se aproximando. O velho ainda sorria.

O susto e o cheiro de podridão fizeram com que Verne se afastasse e caísse sentado, dessa vez na cama. O velho colocou uma mão em seu joelho e quando Verne, com asco, tentou se desvencilhar, ele apertou mais forte.

— Você vem comigo.

E ao ouvi-lo, Verne sentiu a verdade em suas palavras. Começou a chorar.

— Não…

— Sim. Fui chamado. Você foi escolhido. Você vem comigo. Os rejeitados me pertencem.

O velho puxou Verne pelo joelho e o garoto foi ao chão. Com um movimento rápido da outra mão, abriu o saco. Verne olhou lá dentro e o que viu foi a escuridão — não a que avançava pelo porão, mas uma mais forte, mais pesada. Ouviu gritos. Choro. E então viu uma mão, um pé, um joelho. Pôde vislumbrar o rosto de um garoto que devia ter a mesma idade que ele. O garoto chorava. Verne começou a gritar.

***

Na sala escura, os pais escutavam os gritos.

Sentados no sofá, apreensivos. Fecharam toda a casa e forçaram o filho único a permanecer no quarto, não importando o que ouvisse.

Escutaram.

A mulher não suportou e tampou os ouvidos. Durante um tempo, ainda ouviu os gritos, baixos e abafados. Percebeu que o marido sorria. Ele lentamente abaixou suas mãos.

Silêncio.

Ela sorriu de volta.

 


Priscilla Rúbia é amante de livros, principalmente os que dão medo. Amante de mangás, principalmente os com histórias profundas e sangrentas. Se diverte assistindo animes, séries, filmes e jogando video-game. É nerd, porque apanhava na escola. Trabalha só para manter sua coleção.

Quantos

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Quantos?

A pergunta era a pedra fundamental de seus dias. A decisão era tomada pela manhã? Não. Era tomada ao acordar, fosse a hora que fosse. Abria os olhos, olhava o vidro de tranquilizantes e se perguntava:

Quantos?

Queria saber se chegaria um dia em que a resposta seria nenhum. Não alimentava esperanças.

Levantou-se do meio de umas dez pessoas emboladas no chão de um quarto.

Quantos?

Um.

Todos dormiam sossegados, o sol ainda não havia aparecido. Ficou encarando o vidro de remédios, as letras do nome dançando em sua mente. Lembrou-se de Andréa. Andréa dançando, Andréa lendo, só Andréa. Ela era de um lugar diferente que ele — da mesma cidade, da mesma faixa financeira, mas normal, limpa. Ele era um viciado em tranquilizantes que levava a vida de bicos e trambiques, de aviões e serviços porcos. Andréa era o ideal inalcançável que o mantinha sobre as pernas.

 

• • •

 

“O que você vai fazer hoje?”

“Não sei, estou cansada, com preguiça.”

“Eu também estou cansada e vou sair. Vem comigo.”

“Não sei…”

“Vem logo, Andréa porra.”

“Tá bom, mas é Sr.ª Andréa Porra Silveira pra você.”

 

• • •

 

O sol foi nascendo e subindo, devagar. Quando sentiu a luz nos olhos, deu-se conta de que estava consciente.

Deveria fazer a pergunta?

Sentado, foi vendo todo mundo acordar com a luz do sol. Uma garota passou perto dele, olhou um pouco com os olhos apertados e lhe roubou um beijo.

“Você acorda cedo pra caralho.”

Um cara procurava o dono da casa, infrutiferamente. Alguém decidiu levar alguma coisa embora para sacanear. O lugar foi devastado.

 

• • •

 

“Desfaz essa cara e vem dançar.”

Andréa riu e acompanhou a amiga. Dançou com vontade, precisava gastar energia, estava cansada de descansar, o problema era a solução. Já começava a sentir o efeito da bebida: um rubor macio subia-lhe ao rosto, sentia vontade de espreguiçar como uma gata. Pensava em um monte de coisas. Pensava em provas, trabalho, estudo. Queria beber mais.

“Vem pro balcão!” gritou para a amiga.

 

• • •

 

Levantou-se, foi para a cozinha. A menina do beijo se apoiava na pia. Alice.

“O que houve?”

Ela suspirou, olhos fechados. Vomitou na pia.

“Nada não.”

Ela começou a rir e ele a acompanhou enquanto limpava os cantos de sua boca com um guardanapo.

“O que você bebeu afinal? Você não é de vomitar.”

“O que eu não bebi… Me dá um beijo?”

Se beijaram longamente. Ele a segurou pelas costas, para evitar que escorregasse para o piso. Olhou ela nos olhos, ambos sérios, ela o olhava com ternura. Beijou-o de leve nos lábios.

“Gostinho de pâncreas?”

Ele preparou um café, só estavam os dois na casa do cara agora. Quem era o cara mesmo?

Vai saber.

“Você vai mesmo tentar o curso de música?”

Ele se aquietou, transtornado com a pergunta. Ia tentar o curso de música?

“Vai? Eu tava pensando em entrar com você: canto. O que você acha?”

Manteve os olhos no café; sentia uma dor de cabeça vindo lá longe, bem no fundo. Tomou um comprimido para enxaqueca.

“Você e essas merdas de comprimidos… Fala comigo.”

“Não sei. Não sei.”

Ela o olhou nos olhos, balançou a cabeça devagar e sorriu.

“Eu te amo.”

Ele a olhou sem saber o que dizer. A amaria também? E Andréa?

Se nem conhecia Andréa direito… Ela pairava em sua mente, como um ideal, uma cenoura na ponta de uma vara.

Sorriu.

“Eu também te amo.”

Seus lábios se tocaram, a língua de Alice abraçando a sua e lhe trazendo uma bem-vinda e conhecida onda de calor. Durante o beijo, as mãos dela passaram pelo vidro de comprimidos no bolso de sua jaqueta, fazendo um som de paredes desmoronando.

 

• • •

 

“Eu já estou bêbada?”

Renata olhou a amiga com ares de engraçada.

“Se está perguntando isso: naturalmente.”

Andréa olhou em volta, curtindo enquanto as coisas ao seu redor vinham lentamente no encalço de sua visão. Olhou o rosto de Renata, que olhava em volta, fixou-se ali por um instante. Renata, notando, olhou de volta.

“Você beijaria o Jorge?”

Renata começou um sorriso.

“Sim.”

Andréa viu que a pergunta havia sido tola — Renata, em geral, beijaria qualquer um.

“Não! Você namoraria ele, sei lá, daria pra ele?”

“Nem um nem outro. Ele é depressivo e viciado, alguém vai aguentar isso?”

Andréa pareceu se abater um pouco, apoiou a cabeça nos braços, sobre o balcão. Seus cabelos louros tocavam o molhado do copo pela metade.

“A Alice aguenta…”

“A Alice é alcoólatra e também é depressiva, eles foram feitos um para o outro. Mas por que isso?”

“Nada não.”

 

• • •

 

Acabaram tomando um banho na casa do cara; a água quente fez com que se sentisse melhor, mais vivo. Alice insistia em conversar sobre a escola de música.

“É pública.”

“É boa.”

“Conta como superior, dá pra arranjar emprego na orquestra.”

“Não sei,” disse a tarde inteira, enquanto andavam pela rua olhando discos em lojas escusas.

“Mas você toca piano muito bem, você ia poder montar sua banda sabendo teoria.”

“Na banda eu gosto de tocar guitarra.”

“Você é bom no violão também.”

“O que você quer ouvir afinal?”

Alice pensou um instante.

“Casa comigo”.

Não. Uma hora ou outra ele ia perceber que ela o amava mesmo.

“‘Eu vou fazer se isso te faz feliz’, é isso que eu quero ouvir.”

“Te faz feliz?”

“Muito!” disse, manhosa.

“Então eu te faço feliz.”

Jorge começava a sentir os olhos doendo por causa da luz do sol. Esperou a namorada olhar para outro lado e pôs um calmante e um AAS na boca.

Alice havia aprendido a reconhecer as caras de Jorge; sabia quando ele ia tomar mil remédios nocivos e preferia não ver isso. Fingia que não via, que olhava em outra direção. Uma hora ou outra ela ia saber fazer ele parar, saber fazer ele viver.

Entraram numa lanchonete, ele pediu uma coxinha, ela uma dose de conhaque.

 

• • •

 

“Você gosta do Jorge?”

Gostava? Só havia falado com ele umas poucas vezes e sobre assuntos superficiais. Não sabia o que a atraía nele, achava que era o jeito que ele olhava para ela: se sentia importante, única, certa. Sua mão escorregou no balcão e quase bateu o queixo. No caminho de volta a sua postura original, viu um cara acenando, indicando Renata.

“Tem um cara ali querendo coisas muuuito feias com você.”

Renata olhou, respondeu a um sorriso.

“Posso ir? Não vai ficar muito sozinha?”

“Vai.”

Andréa se ajeitou no banco, ajeitou os cabelos, esfregou os olhos longamente.

“Um White russian, por favor.”

Gostava desse drinque, parecia café com leite, fazia se sentir mais limpinha. Olhou a pista de dança, viu o cara conversando com Renata. Notou que alguém havia sentado no banco ao seu lado, olhou, era um rapaz bonito, com cara de ser bem mais novo que ela.

“Oi, tudo bem? Eu estava te olhando faz um tempão, te achei linda. Quer dançar?”

Olhando o cara de cima a baixo, acabou não gostando — falava rápido demais. Odiava aquilo! Não merecia ela o tempo dele arrrrticularrrr as palavrrras? Olhou para ele com cara de impaciente.

“Você tem algum lugar decente pra me levar e se aproveitar da minha bebedeira? Porque se você tiver vamos agora.”

O rapaz abriu a boca sem emitir som, franziu as sobrancelhas.

“Foi o que eu pensei.”

O drinque acabou; deviam ter se passado uns bons minutos e só agora olhava para ver se o cara tinha sumido. O viu falando com um outro moço com ares de desespero e súplica. Olhou em seguida para a pista de dança e viu Renata beijando o carinha ardentemente, a luz do ambiente dando um aspecto mais forte à cena. Não pôde impedir um soluço de subir por sua garganta, limpou as lágrimas dos olhos com as mãos e pediu vodka.

Por que havia vindo, se sabia que aquilo ia acontecer?

 

• • •

 

Quantos?

Um.

A primeira sensação que lhe ocorreu, antes mesmo de reconhecer o lugar em que estava, foi o cheiro de Alice. Era uma mistura de perfume feminino com tequila e algo só dela. Uma espécie de cheiro de mulher. Olhou-a enquanto dormia; a pele era branquíssima e os cabelos pretíssimos. Assim, sem as roupas de roqueira/clubber/seilá,  parecia frágil, mais bonita. Ela dormia encolhida, de lado, como que se protegendo de alguma coisa. Poderia fazer teorias sobre essa postura enquanto o efeito do comprimido chegava, mas não. Ficou só olhando.

Só olhando.

 

• • •

 

Acabou ficando na casa de Renata, como costumava acontecer. Acabou dormindo na mesma cama que ela, pois não havia outra, como costumava acontecer. Acabou passando a noite em claro, como costumava acontecer e chorou escondida no banheiro com uma garrafinha cheia de uísque como — só às vezes — acontecia. Alice era uma alcoólatra depressiva, digna da pena e do sarcasmo de Renata — o que seria ela então? Sentia-se suja, errada, o que a amiga não diria, pensaria, se soubesse o que ela sentia ao dividir aquela cama ocasional? Era uma alcoólatra, depressiva e pervertida. Chorou a noite inteira, esvaziou a garrafinha aos poucos, para não ter vontade de beber álcool ou qualquer outra merda. Tudo por causa do amor. Não era tudo mesmo por causa do amor? Quando viu que já se aproximava uma hora boa para Renata acordar, escovou os dentes para disfarçar o hálito e deitou-se junto dela, pensando em todo tipo de coisa, menos no rosto suave dela, dormindo com um sorriso no canto do lábio. Ficou sonhando que aquele sorriso podia ser por ela.

Elas acordaram ao mesmo tempo, Renata foi fazer alguma coisa para comerem. Era sábado de manhã e para ela isso era sagrado. Andréa juntava todos os seus esforços para fingir não estar bêbada e sim de ressaca. Enquanto a amiga não via, tomou dois Engovs. Andréa sentou numa cadeira na cozinha e ficou observando a amiga montar o começo de seus dias, tanto na comida quanto na canção cantarolada devagar e nos pensamentos sempre ativos. Se flagrou olhando as pernas de Renata — enrubesceu. A amiga a olhou por um instante.

“Onde é que estão esses olhos perdidos aí?”

Não podia ficar ali, ia chorar — chorava fácil quando bebia. Levantou de um salto e foi ao banheiro inventar vômito, passou lá alguns minutos e voltou pálida e abatida. Sentou de volta na cadeira.

“Entendi,” disse Renata.

Olhou Andréa por uns instantes e falou, com voz de quem fala com um bebê.

“Vem cá, filhinha, mamãe vai te curar dessa ressaca monstro. Ô, tadinha.”

Renata segurava a cabeça de Andréa contra o peito e balançava devagar. Andréa andava bebendo demais. Por quê? Ela sempre fora dada aos porres dessa vida, mas agora era tão constante, e tão diferente. Ela parecia infeliz, comia pouco, não gostava de mais nada. Só a via sorrindo quando estavam juntas, de resto estava emburrada ou com os olhos perdidos em lugar nenhum. Seria o Jorge?

Andréa ouvia a voz de Renata de perto e ouvia as batidas tranquilas e seguras de seu coração. O único ritmo que gostava de seguir — o da vida dela. Ficou ali, rindo baixinho, conversando enquanto o leite esquentava e o café coava e o tempo passava.

 

• • •

 

Alice passou o fim de semana ensaiando sua voz enquanto Jorge ensaiava seu piano. Ela tinha uma voz bonita, aguda. Depois de um tempo a seriedade acabou e acabaram fazendo covers dos Pixies e do Elástica, as duas únicas bandas com vozes femininas boas de que se lembraram. No sábado ficaram em casa assistindo a filmes alugados e comendo porcarias em domicílio. No domingo, mais ensaios, Alice resolveu cozinhar, Jorge resolveu ajudar, saiu um macarrão com molho e almôndegas. Comeram ao som de Tchaikovsky, Concerto para piano n.º 2. Ao fim riram de seus refinamentos.

“Toca pra eu cantar.”

Jorge olhou para ela, sorrindo, curioso.

“Tocar o quê?”

“A do Casablanca: a fact is just a fact, a kiss is still a kiss…”

Jorge riu, pegou a mão da namorada, olhou seu sorriso divertido, agradavelmente doido.

“Vai, toca! Eu deito no piano e falo ‘play that again, Sam’. Quer dizer, eu deito no teclado.”

Os dois riram, ele levantou e se dirigiu ao teclado. Começou a música.

 

You must remember this

A kiss is still a kiss

A sigh is still (just) a sigh

The fundamental things apply

As time goes by

 

And when two lovers woo

They still say: “I love you”

On that you can rely

No matter what the future brings

As time goes by

 

Ela o olhou longamente.

“Eu te amo muito.”

“Eu também te amo muito.”

Impressionou-se um pouco com a velocidade de sua resposta. Beijaram-se longamente, ele a pegou nos braços e foram para o quarto, cantando.

 

• • •

 

Quantos?

Um.

Acordou instantes antes do despertador, ficou parado esperando o calmante fazer efeito.

O despertador gritou às 08h30, tinham de estar na escola às 10h00 para uma entrevista. Não sacava por que tinha de fazer entrevista para se matricular na escola; Alice achava que iam ter que fazer teste ali na hora, e por isso haviam ensaiado tanto. Ela acordou e olhou para ele com uma cara estranha, misto de mal-estar e dúvida.

“Tem tempo ainda, vai tomar banho que eu invento um café da manhã.”

Ela obedeceu sem dizer nada. Só quando ela escondeu o rosto da luz para passar do quarto pelo corredor e para o banheiro, Jorge percebeu que ela estava de ressaca. Devia ter levantado de noite e bebido — bebido bastante, pelo jeito. Ele, sedado, jamais perceberia. Ela poderia ter entrado em coma que ele jamais perceberia. Um calafrio percorreu seu corpo. Por segundos imaginou Alice morta, ele sozinho. Teve medo, lembrou-se o trecho de um livro: “…seu Marciano, morto? seu Marciano não parece que vai morrer…” Sua cabeça não pensava direito, teve medo de não conseguir tocar, decepcionar Alice, teve medo de conseguir e ela não, ver ela triste, ia dizer que fosse sozinho, ela não ligava.

Entrou no banho logo quando Alice saiu, pôde sentir seu cheiro, que pertencia às paredes do lugar. A água quente fluiu por sobre seu corpo artificialmente relaxado. Sentiu uma fisgada na cabeça, mastigou dois AAS do armarinho do banheiro.

Alice sentou com um copo cheio de café e um pão com manteiga; sua cabeça doía e sua boca estava seca. Tinha que beber um monte de água e comer bastante antes de ir. Resolveu aquecer a voz para se sentir mais segura — só agora notava a importância daquilo. Era segunda-feira e quase era o primeiro dia do resto de sua vida. Já havia cinco anos que tinha deixado as aulas de canto para entrar numa escola mais séria, uma universidade e não tinha coragem. O receio somou-se a um conformismo e acabou se tornando apatia. Finalmente aquele seria o dia de tentar. Podia conseguir; sabia que cantava muito bem. Viu-se refletida na tela da TV — viu uma garota com olheiras profundas, pele gasta, rosto derrotado, a mesma que vira no espelho do banheiro às três da manhã enquanto se ofendia e se humilhava bebendo vodca e até cachaça pura. Sentiu nojo, desviou o olhar, tentou em vão conter as lágrimas. Enterrou a cabeça no ombro direito e quando a levantou deu com Jorge a olhando. Teve vergonha, mas ao mesmo tempo queria que ele a visse daquela maneira — fraca, derrotada. Queria sua ajuda quando estivesse assim. Ele se aproximou e a abraçou, ele já estava vestido, quanto tempo estivera chorando?

“Não fica assim.”

“Você nem sabe por que eu estou assim,” disse entre lágrimas, agora nada contidas.

“Não importa, só não fica assim.”

 

• • •

 

Naquele dia foram ao shopping e passaram o dia inteiro lá. Era incrível o que se podia fazer num shopping grande — comeram, gastaram, Renata cortou os cabelos. Andréa olhava as pessoas ao redor, notou que algumas as olhavam — o que pensavam? Deliciou-se com a ideia.

Sentaram-se na praça de alimentação, Renata olhando fixamente o rosto de Andréa, que olhava para baixo, bebendo um refrigerante.

“O que você tem, Déa?”

“Nada.” A resposta já parecia automática, para qualquer um que perguntava:

Nada.

“Nada uma porra. Você fica com essa cara, olhando pra lugar nenhum, vivendo dentro da cabeça, por que isso?”

“Eu… não sei.”

Os olhos de Andréa se levantaram da mesa; Renata viu que ela estava prestes a chorar. Andréa olhou o rosto da amiga, segurando com todas as forças o choro que sempre vinha, em todas as horas. Nem notou que não conseguiu.

“Você sabe sim. O que é que te atormenta assim tanto? Eu me preocupo com você sabia? Fala, é o Jorge?”

Andréa pensou um pouco. Sim, era o Jorge, ele era seu maior problema. Em sua mente sua voz gritava. O Jorge era sim seu maior problema, já que era com alguém como ele que lhe restaria ficar, já que não era capaz de dizer a Renata que a adorava, que estava apaixonada por ela. Já que não era digna dela. Forçou um sorriso entre as lágrimas silenciosas.

“É, mais ou menos.”

Renata esperou umas pessoas passarem pela mesa em que estavam, sabia que Andréa odiava discutir perto de outros.

“Como assim mais ou menos? Me explica, por favor.”

Andréa sentiu a tensão se assentar em seus ombros, forçando-os para baixo.

“É que eu não gosto dele, mas quero me fazer gostar.”

Renata achou que sabia o que ela ia falar.

“Por que fazer gostar?”

“É que eu tenho que substituir alguém que eu não acho que possa ter.”

Andréa já não aguentava, chorava baixo controlando-se para ainda poder articular as palavras.

“Quem.”

Andréa não disse nada por algum tempo. Viu que ia ser a primeira vez na vida que diria aquilo em voz alta, que seria a primeira vez que até mesmo ela ouviria as palavras:

“Eu te amo.”

Renata sentiu uma sensação estranha ao mesmo tempo que sentiu sua face corar, tentou dizer algo, mas as palavras ficaram presas na garganta. Os pensamentos confusos tentavam se dar sentido, agora que tinham a chave. A chave dos últimos tempos de sua vida, que, agora notava, era a vida delas, das duas. Seus olhos marejaram enquanto observava sua amiga se encolher e olhar para lugar nenhum — como vinha fazendo havia algum tempo; comer os cantos dos dedos — como vinha fazendo havia algum tempo; chorar desesperada — como já havia ouvido no meio da noite. Quantas noites havia passado em claro pensando se devia ou não consolá-la, esperando que, no desespero, ela dissesse o motivo daquilo tudo. Mas ela não dizia, só a olhava, enquanto supostamente dormia.

Renata pegou as mãos da amiga bem de leve.

“Para, suas mãos tão bonitas.”

Andréa não conseguia falar, não conseguia olhar para Renata, sentia-se exposta, só podia fazer esperar e chorar, e chorar.

Renata olhou Andréa por uns instantes — na sua cabeça, todos os pensamentos repetiam perguntas um para o outro.

“Vem, vamos pra casa.”

 

• • •

 

Chegaram, subiram escadas largas e entraram. Os dois estavam visivelmente nervosos e não sabiam bem o que ia acontecer. Foram guiados até uma sala grande que ecoava até o som de suas roupas roçando na pele. No caminho havia bastante gente esperando, provavelmente pelo mesmo motivo. Viram que vários traziam instrumentos e partituras e tiveram medo: era mesmo um teste. E se tivessem que ter algo preparado? Na sala havia dois homens e uma mulher sentados atrás de uma mesa. Uma senhora bonita e sorridente veio cumprimentá-los em nome de todos, sua pele negra parecia brilhar com a luz do sol que entrava por uma grande janela.

Ouviram a explicação tentando parecer naturais, detrás de olhos fixos e maxilares travados: seria feito um teste e, como estavam em carência de horário, foi bom que quisessem fazer o teste juntos, economizaria algum tempo.

Quisessem? Jorge olhou para Alice levemente curioso, ela havia marcado a hora. Alice olhou Jorge com o mesmo olhar de dúvida, só concordou com a mulher. Sua mente, em disparada, imaginava tudo que podia explodir na cara dos dois. Talvez ele desmaiasse, sedado por um remédio forte engolido em segredo. Talvez ela vomitasse a bebida da madrugada na frente dos juízes. Talvez eles subitamente percebessem que não mereciam estar ali. Ou em qualquer lugar.

 

• • •

 

No caminho de volta, Renata tentava falar, tentava argumentar com a voz quase sumindo, um balbucio. Falava sozinha enquanto a amiga soluçava.

“Por que você não me contou nada?”

“Eu ia entender.”

“Calma, Andréa.”

Andréa sentia mais e mais dor no peito, como se ele fosse drená-la inteira para um buraco escuro. Não acreditava que havia realmente dito aquilo. Agora seria ainda pior do que antes. Talvez preferisse a expectativa, preferia só imaginar o que daria errado do que esperar que se desenrolasse diante de si.

 

• • •

 

Alice se aqueceu e obedeceu a alguns exercícios enquanto Jorge a olhava. Parecia outra pessoa: determinada, forte. Ao fim dos exercícios, os examinadores disseram que eles podiam começar. Alice não entendeu e olhou para Jorge, viu que ele olhava para ela, esperando qualquer tipo de resposta.

“Qualquer coisa?” perguntou ela, sem muita convicção.

“Sim senhorita,” disse a mulher num tom maternal.

Os dois se olharam, pensando ao mesmo tempo. Jorge notou que precisava desesperadamente de um calmante , mas não podia sair.

Tocaram As time goes by, a do Casablanca, e passaram.

 

• • •

 

As duas entraram no apartamento. Renata trouxe um copo de água para Andréa, enxugou suas lágrimas, a mente em parafuso. Olhava a amiga, sem saber o que dizer. Mesmo que soubesse, as palavras se represariam em sua garganta obstruída pela torrente de pensamentos. Não sabia o que fazer, não fazia a menor ideia do que fazer, mas mesmo assim segurou o rosto de Andréa com as duas mãos e a beijou. Foi um beijo rápido, desajeitado, cheio da sensação — de ambas as partes — de que seria interrompido a qualquer momento.

Aos poucos, como o calor recuperado ao se enfiar debaixo das cobertas num dia gelado, sentiu a felicidade crescer dentro de si. As dúvidas que acabavam de surgir calaram-se pelo momento; o medo que acabara de surgir se escondeu longe das vistas. Restou só amor, imenso, infinito.

Andréa não acreditou; sentiu mais lágrimas escorrerem pelo rosto, salgando o beijo nervoso que trocavam. Enfim, agarrou-se àquilo como se fosse o primeiro alimento que recebia em semanas, a primeira luz após a solitária. Beijou Renata com medo, com pavor real de que ela o fizesse por pena, que se arrependesse. Não podia acreditar, não podia nada, só sentir.

Renata a pegou pela mão e a levou ao quarto, um pouco assustada, mas decidida.

“Eu também te amo,” disse. “Muito.”

Andréa acordou com o nascer do sol invadindo a janela aberta do quarto. Levantou-se ainda entorpecida e foi assistir sentada sobre a cômoda. Olhou para a cama e viu Renata, seus cabelos cacheados espalhados pelo travesseiro, sua pele morena aparecendo em diversos vãos de um lençol emaranhado. Procurou seus sofrimentos e dúvidas e dores. Não encontrou. Sabia que nada era tão simples; que vergonha e autopiedade eram o tipo de sujeira que gruda nos ossos e só sai às custas de muita esfregação dolorosa. Sabia que já sentia vontade de beber, mas conseguiu optar por não saber. Naquele instante, ela teve — se outorgou — o direito de vasculhar as cavernas mais sujas e perigosas dentro de si e não encontrar nada.

E encontrar tudo.

 

• • •

 

Alice e Jorge saíram tão felizes que foram comemorar num restaurante e depois foram para casa. Passaram metade da noite tocando e cantando e rindo e o restante na cama também cantando, rindo e rolando. Jorge ainda estava acordado quando o sol nascia na terça. Olhou o céu por um longo tempo e em seguida Alice, dormindo abraçada a ele, relaxada, sorrindo. Notou que depois de tanto pensar, havia esquecido completamente Andréa, nem sabia mais porque havia pensado nela tanto e com tanta força.

Como não havia dormido, resolveu tomar o nascer do sol como ponto de partida.

Quantos?

Haviam acabado. Comprimiu os lábios e quase fez menção de se levantar. Sentiu o peso e o calor de Alice em seu peito.

Nenhum.

E todos os desejos do mundo.

 


Daniel dos Santos Soares é formado em História, violeiro duvidoso, apaixonado por dezenas de coisas ao mesmo tempo e um nerd devorador de histórias desde os cinco anos de idade – em que aprendeu a ler sozinho com a Monica, segundo a família. Decidiu escrever o primeiro romance aos 11 anos e,  obviamente,  não terminou. Escreve contos desde a mesma época e eles amadureceram com vida, estudo, depressão, milhagem, ódio e amor. Fantasia, crônica, humor – vale tudo. O que importa é estabelecer uma conexão, por mais sutil e passageira que seja.

Nova série ambientada no universo de O Senhor dos Anéis é da Amazon

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Há alguns dias, foi anunciado a possibilidade de produção da obra “O Senhor dos Anéis” para o formato de série e a expectativa dos fãs foi para o alto. Hoje, finalmente foi anunciado o tão esperado (ou não) projeto: a Amazon Prime Video comprou os direitos de produção e exibição da série.

Se você é fã da trilogia épica de Peter Jackson, pode ficar calmo! Diferentemente do que havia sido notificado a princípio por vários portais, a nova série será focada em acontecimentos que antecedem os filmes, ou seja, acontecerá antes do início da jornada de Frodo e da jornada da Sociedade do Anel. As informações são de responsabilidade de Variety, que por notícia via SlashFilm realizou o anúncio.

Mais do que pode vir por aí

Também parte da grande notícia, já foi divulgado que o contrato da Amazon envolve a possibilidade de produção de múltiplas temporadas e até mesmo um spin-off da série principal.

Não foi revelado maiores detalhes, e muitos fãs torcem para que a série não passe no mesmo período ou retrate os mesmos acontecimentos já filmados em “O Hobbit“. Sabemos, contudo, que existem muitas estórias e personagens criados pelo autor no ambiente Terra Média.

O projeto tem assinatura da Amazon em parceria com o Tolkien State, a editora HaperCollins e o estúdio New Line, que é responsável pela adaptação cinematográfica de “O Senhor dos Anéis”.

Não existe ainda previsão de construção de roteiro, escolha de elenco ou lançamento da temporada. A única certeza é que o material produzido será transmitido pelo serviço de streaming Amazon Prime Video (que agora já está em funcionamento no Brasil, podendo ser assinado mensalmente).

A Amazon Prime Video é produtora das séries de adaptação “Deuses Americanos”, baseada na obra de mesmo nome de Neil Gaiman e “The Man In The High Castle” (“O homem do castelo alto), também baseada em livro de mesmo nome escrito por Philip K. Dick.