A história da escravidão no Brasil é cheia de dores que nunca serão reparadas, de injustiças que não têm perdão, e de famílias destruídas pela crueldade dos colonizadores.
Como o assunto sensível que é, a escravidão é um tema que é pouco retratado em HQs. Porém, Marcelo D’Salete fez isso com maestria e nos retratou a história do quilombo dos Palmares e de Zumbi.
“Não há como existir Palmares e Cucaú, Lueji. Você se lembra como foi… Não há como voltar atrás.”
Angola Janga
A “Pequena Angola” (em quimbundu, “Angola Janga”) é o nome pelo qual era conhecido o Quilombo dos Palmares por seus habitantes. Neste livro, Marcelo se propôs a recontar a história da guerra do Quilombo dos Palmares de maneira mais ampla e com mais elementos culturais relativos às origens religiosas e culturais dos angolanos que foram escravizados. Elementos religiosos, como o Sona, um conjunto de símbolos de origem tchokwe, povo que habita o nordeste da Angola e as regiões próximas da República Democrática do Congo e Zâmbia, que fazem parte dos rituais de iniciação dos homens, Chibinda Ilunga, um mítico rei tchokwe que, segundo lendas, foi capturado pelos guerreiros do reino Lunda enquanto caçava no reino deles, foi preso e despertou o amor da rainha Lueji, levando ao primeiro casamento entre rainha e vassalo, entre outros elementos.
Além disso, a riqueza de vocábulos típicos da época também é um ponto muito forte e positivo da obra, que nos levam a uma imersão completa na obra. Palavras como “cuca” e “chusma” nos são apresentadas com seus significados originais, deixando a obra ainda mais incrível.
Zumbi, o rei dos Palmares
Além de toda a riqueza cultural e linguística, o ponto mais importante do livro é a história recontada de Zumbi, que foi feita levando em conta pesquisas históricas e até mesmo antropológicas sobre a existência do rei dos Palmares e sua vida. A dolorosa história dele contém pessoas que acreditaram em suas palavras e que, graças a elas, tiveram coragem de fugir para os quilombos em busca de uma liberdade tomada a força e negada violentamente. Detalhes que parecem, para muitos, descartáveis de sua vida são mostrados como pontos importantíssimos para que toda a história levasse à criação dos quilombos e à luta pela liberdade, como o fato de, segundo alguns relatos que foram levados em conta, ele ter tido a mãe e o pai assassinados ainda bebê e ter sido dado para ser criado por um padre.
A história é triste, sim, afinal, não teria como ser diferente. Não há como contar a história do quilombo dos Palmares e de Zumbi com qualquer tom de alegria, não seria justo nem correto. O livro é contato com todos os detalhes visuais necessários para que o leitor sinta como a escravidão e a luta pela liberdade foi feita carregada de muito sangue inocente e injustiças, sendo a própria escravidão a principal delas. É uma obra bela pelo seu conteúdo cultural, mas triste, uma tristeza que não tem como apagar, uma tristeza que, por mais que tentemos fugir, sempre estará marcada na história do Brasil, uma história que mostra que todas as reparações que fazemos e fizermos nunca suprirão todas as mortes e dores desnecessárias que aconteceram, e que, por mais que queiramos, ainda é preciso falar sobre a escravidão e sobre o quanto os povos escravizados lutaram incessantemente pela sua liberdade ao lado de um dos maiores líderes e heróis: Zumbi dos Palmares.
Que possamos aprender um pouco mais com “Angola Janga”, e que esse aprendizado nos leve a refletirmos mais sobre nossos privilégios e sobre a necessidade de estudar o passado para que ele nunca mais se repita.
Biografia
Publicou diversas histórias em quadrinhos na revista Front, Graffiti, Quadreca, Suda Mery k! (Argentina), Contos Bizarros, +Soma e Stripburger (Eslovênia). Algumas dessas contando com a parceria dos roteiristas Kiko Dinucci, Eddy Gomez e Bruno Azevêdo.
Ele também ilustrou os livros infantis Ai de tí, Tietê de Rogério Andrade Barbosa; Duas Casas de Claudia Dragonetti; E Assim Surgiu o Maracanã de Sandra Pina; Zagaia e Da Cabula de Allan Santos da Rosa; As descobertas de Paulinho na Metrópole de Marina Torres; Olho Mágico de Tiago Melo; A Rainha da Bateria de Martinho da Vila; e diversos outros.
Participou da exposição Consecuencias do Injuve na Espanha, 2002; da exposição de originais da revista Front no FIQ em Minas Gerais, 2003; e da exposição Ilustrando em Revista, Editora Abril. Expos no 7º Festival Internacional de Banda Desenhada e Animação – Luanda Cartoon de 2010 e em Amadora BD, exposição Seis esquinas de inquietação, 2013.
Publicou o álbum NOITE LUZ (livro de 112 páginas, editora Via Lettera, 2008) com seis histórias em quadrinhos de sua autoria. Esse mesmo livro foi publicado na Argentina pela editora Ex-Abrupto.
Lançou o álbum de quadrinhos ENCRUZILHADA (124 páginas) em julho de 2011 pela editora Leya (selo Barba Negra).
CUMBE (176 páginas, editora Veneta, 2014) é o seu terceiro livro de histórias em quadrinhos, versando sobre o período colonial no Brasil.
RISCO (40 páginas, editora Cachalote, 2014) é o mais recente livro do autor.
Nota
Garanta a sua cópia de “Angola Janga”!
Ficha Técnica
Autor: Marcelo D’Salete
Edição: 1ª
Editora: Veneta
Ano: 2017
Páginas: 432
ISBN-13: 9788595710139
ISBN-10: 8595710139
Sinopse: Angola Janga, “pequena Angola” ou, como dizem os livros de história, Palmares. Por mais de cem anos, foi como um reino africano dentro da América do Sul. E, apesar do nome, não tão pequeno: Macaco, a capital de Angola Janga, tinha população equivalente às das maiores cidades brasileiras da época.Formada no fim do século XVI, em Pernambuco, a partir dos mocambos criados por fugitivos da escravidão, Angola Janga cresceu, organizou-se e resistiu aos ataques dos militares holandeses e das forças coloniais portuguesas. Tornou-se o grande alvo do ódio dos colonizadores e um símbolo de liberdade para os escravizados. Seu maior líder, Zumbi, virou lenda e inspirou a criação do Dia da Consciência Negra.
Durante onze anos, Marcelo D’Salete, autor de Encruzilhada e do sucesso internacional Cumbe, pesquisou e preparou-se para contar a história dessa rebelião que tornou-se nação, referência maior da luta contra a opressão e o racismo no Brasil. O resultado é Angola Janga – Uma história de Palmares, um épico com batalhas sangrentas, mas que demonstra a delicada flexibilidade da resistência às derrotas.
Um grandioso romance histórico em quadrinhos que fala de Zumbi e de vários outros personagens complexos, como Ganga Zumba, Domingos Jorge Velho, Ganga Zona e diversos homens e mulheres que compõe o retrato de um momento definidor do Brasil.