[Resenha] A Canção do Sangue – Anthony Ryan

Capa do livro. Uma ilustração mostra um guerreiro com uma espada nas costas andando ao lado de um cavalo que carrega uma pessoa do tamanho de uma criança, indo em direção a um aos portões de um castelo. Em primeiro plano, o titulo do livro em branco com contorno disperso em vermelho. e logo abaixo o texto Livro I da trilogia
Capa do livro. Uma ilustração mostra um guerreiro com uma espada nas costas andando ao lado de um cavalo que carrega uma pessoa do tamanho de uma criança, indo em direção a um aos portões de um castelo. Em primeiro plano, o titulo do livro em branco com contorno disperso em vermelho. e logo abaixo o texto Livro I da trilogia "A sombra do corvo"

Castelos, um guerreiro em treinamento, magia oculta praticada por poucos, reis e impérios. Elementos comuns ao se falar de Fantasia. Estava a procura deles quando me deparei com a sinopse do livro A Canção do Sangue, o primeiro volume da trilogia A Sombra do Corvo de Anthony Ryan. Sem questionar comecei a leitura que logo encerrou-se. Dei um fim ao sentimento de nostalgia atrelado ao cenário medieval clássico ou a minha experiência foi além de encerrar uma saudade? A primeira impressão encaixa-se melhor porque o autor sabe que está em um cenário costumeiro e usa este fator para ser conciso e dinâmico. Porém, visitar um ambiente agradável, gerador de um envolvimento emocional, é o suficiente para classificar um livro como excelente?

Contar o passado

A obra inicia-se com um prólogo interessante em que um guerreiro de grande nome deve ser executado. Neste mesmo início o autor informa que toda a narrativa será centrada no passado desta lenda chamada Vaelin Al Sorna. A história volta para o momento que Vaelin tinha dez anos e é deixado na Ordem (organização de cavaleiros adeptos de uma religião que caçam praticantes de outros cultos) e assim segue com pequenas conversas entre homem que retrata a vida da mito e o condenado em si.

Desde o primeiro capítulo o autor demonstra um poder de concisão. Não encontrei descrições detalhadas dos castelos, uma explicação extensa sobre a filosofia da Ordem e características detalhadas dos companheiros do protagonista. No texto o autor trabalha de forma simples: situa o leitor sobre o local onde Vaelin está e o que ele está fazendo. Nota-se a vontade de um avançar rápido da narrativa. O autor também se preocupa em construir de forma verossímil a imagem de um guerreiro para o protagonista e para todos os jovens ingressados na Ordem.

Forjar um guerreiro

É demonstrado como o treinamento na Ordem é duro, desumano e arriscado. Até aí não tem novidade porque nenhum livro de Fantasia encheu as prateleiras das livrarias por apresentar treinos fáceis. A Canção do Sangue se destaca ao entregar uma formação com diversos aspectos. Há a esgrima, o cavalgar, a sobrevivência, a luta sem espada, arco e flecha e, principalmente, um “afiar” do propósito de vida. Todos os elementos, com exceção do último, matavam a minha saudade dos tropos da Fantasia medieval. O questionar o propósito, o refletir sobre ser um guerreiro, deu peso a obra e me intrigou.

Mudança de tom

De início o livro transmitiu uma atmosfera juvenil ao contar a história de um garoto pouco envolvido com o pai e deixado pelo próprio em um local de provação. Isso ocorreu porque nos treinamentos o autor me induziu a pensar que haveria o melhor com a esgrima, o arqueiro mais habilidoso e aquele mais forte com as mãos nuas. Conforme a narrativa avançava notei que Vaelin e cada um dos companheiros dele tinha uma característica marcante e uma aptidão maior em uma das habilidades que formam um combatente. Entretanto, cada integrante da turma é um guerreiro de elite apto em todas as habilidades. Gostei desta quebra de expectativa.

A Ordem é exigente e se um dos garotos não for excelente no evoluir, perderá a vida em uma das fases de graduação. Percebi que A Canção do Sangue é uma Fantasia adulta e não foi só a perda de alguns amigos de Vaelin e a tristeza sentida por ele que me forneceu a percepção do tom maduro.

Questionar o propósito é uma marca registrada do livro. Há momentos raros de descontração que praticamente somem diante da realidade da Ordem. Senti a dificuldade dos treinos, mas elas foram pequenas diante do drama gerado pelas dúvidas dos personagens. Questionar o propósito de treinar para uma organização que defende uma religião a qualquer custo; o motivo de ser um guerreiro; o tirar outra vida e os caminhos a seguir após completar o treinamento deram um peso dramático a narrativa. Aos poucos Anthony Ryan forneceu um ar adulto para o livro e me surpreendeu.

Pronto, feito, terminado

Encerrado o treinamento senti que Vaelin era um guerreiro feito em relação as habilidades, mas com um propósito fraco devido as dúvidas. Neste conflito instigante ele é inserido em um contexto político. O rei Janus, com diálogos carregados de personalidade, usa a moral do garoto que ganhou destaque entre tantos guerreiros para tê-lo como uma ferramenta em proveito próprio. O livro ganhou cada vez mais camadas que geraram conflito no personagem principal com poucas certezas. Além disso, o autor insere mistérios que quando revelados entregam ao leitor mais informações sobre o universo da Canção do Sangue.

Tantas camadas em um único personagem, mistérios, expansão do universo, contexto político e um treinamento extenso bem construído. Como todos estes elementos foram bem elaborados em um único livro de 658 páginas?

O autor é sucinto ao retratar lugares comuns da Fantasia: castelos, fortalezas, uniformes e espadas. Onde precisa fornecer mais detalhes, entrega um pouco mais de atenção: magia, estilo de luta, locais isolados de uma cultura diferente. Continuo a falar sobre a escrita e elogio o fato do autor conseguir emular o olhar de um guerreiro nos momentos de conflito físico. Os combates ao serem descritos de forma seca e rápida dão um tom mais realista para o livro. Trata-se de outra  característica que contribui para um ritmo mais acelerado. Através da escrita senti o peso do treinamento de Vaelin. Ele observa os pontos essenciais do adversário e ataca. No momento do combate o instinto de guerreiro com um objetivo o controla. Lutar sempre envolve risco e é feito de maneira rápida. Porém, depois as consequências não são deixadas de lado. Muitas delas geram reflexão no protagonista com facilidade de matar.

Passo após passo

A construção interna pacientemente elaborada do protagonista junto com a construção externa dos acontecimentos que aumenta os riscos não só para ele como também para teia política é o ponto alto da obra. Este mesmo elogiar da construção gradual pode estender-se em uma menor escala à magia, as figuras de poder e o grande vilão. A trama é trabalhada bloco após bloco. Quando ocorre um grande acontecimento pude ver facilmente a cadeia de eventos que o gerou. O autor não aposta em viradas mirabolantes que precisam de vários capítulos para ser explicada. Dito isso, não posso esquecer de mencionar como fiquei surpreso com a revelação do final.

Boa estruturação do enredo aliada a escrita concisa que auxilia no ritmo da narrativa. Para quem quer matar a saudade de uma Fantasia medieval A Canção do Sangue é uma ótima escolha. No final este era o meu sentimento. Esperei, pensei e desejei algo além do sentimento relacionado ao fato de matar a saudade e os problemas começaram a surgir.

Onde está o diferencial?

Primeiro cito um ponto que é algo bem pessoal: o protagonista é o clássico prodígio. Tem liderança, é um guerreiro formidável e tenta ser justo de todas as maneiras. O prodígio que é simplesmente um prodígio sem nenhuma explicação sempre me incomoda. Por que um personagem tem facilidade em aprender as coisas e em matar? Qual a o origem desta moral tão perfeita? As justificativas apoiadas em laços sanguíneos “O pai dele é assim”, “A mãe dele é assim”, “Vem de família” nunca me convence. É preciso ter uma construção e não a enxerguei com nitidez neste livro. No primeiro volume o autor flerta com o tropo “O escolhido” para justificar toda a aptidão, mas, para mim, senti que faltou algo.

O segundo ponto que vou citar veio após o fato de não ficar afoito para ler a continuação. Ao encerrar da última página a saudade dos elementos medievais tinham acabado e o que restou? Vi que estava apegado ao cenário, aos elementos e não aos personagens e o universo criado. O protagonista, o prodígio sem falhas, é perfeito demais e já vi personagens iguais a ele um monte de vezes. Defeitos dão originalidade. Ele se questiona ao mesmo tempo que não parece errar, falhar.

Há os castelos, uma organização que forma guerreiros, as espadas e as batalhas. Tudo bem encaixado no lugar certo, mas a falta de descrições fez tudo ser meio genérico. Por muitas vezes pensei “Estou imaginando o castelo do livro ou os castelos que já vi em outras obras?”. O mesmo aconteceu com as vestimentas, armas, com a Ordem e os reinos. Com a magia é diferente, ela cercada por mistérios, está envolta em um contexto cultural muito interessante que expande o universo, porém, é pouco retratada. Enfim, queria mais identidade.

Indicação

Não sei se a longa convivência com a Fantasia medieval foi o estopim para sentir uma ausência de identidade. Caso você não esteja familiarizado com o gênero, a escolha por este livro será ótima. Se os alicerces de uma construção narrativa te chamam a atenção independente da originalidade, o livro será um deleite. Caso já tenha lido, conte para mim o que achou nos comentários. Como foi a sua experiência? Será que ela foi diferente ou parecida com a minha?

Nota

Quatro selos cabulosos. A nota mais alta são 5 selos cabulosos.
Quatro selos cabulosos. A nota mais alta são 5 selos cabulosos.

Garanta a sua cópia de “A Canção do Sangue”!

Ficha Técnica

Título: A Canção do Sangue (A Sombra do Corvo #1)
Autor: Anthony Ryan
Tradutor: Gabriel Oliva Brum
Editora: Leya
Páginas: 640
Ano: 2016
ISBN: 9788544103661
Sinopse: Quando Vaelin Al Sorna, um garoto de apenas 10 anos de idade, é deixado por seu pai na Casa da Sexta Ordem, ele é informado que “sua única família agora é a Ordem”. Durante vários anos ele é treinado de forma brutal e austera, além de ser condicionado a uma vida perigosa e celibatária. Mesmo assim, Vaelin resiste e torna-se líder entre seus Irmãos.
Ao longo de sua jornada, Vaelin também descobrirá de quem foi o verdadeiro desejo para que ele fosse entregue à Ordem – o objetivo sempre foi protegê-lo, mas ele não tem ideia do quê. Aos poucos, indícios de uma esquecida Sétima Ordem e questões acerca das ações do Rei Janus fazem Vaelin Al Sorna questionar sua lealdade.
Destinado a um futuro grandioso, ele ainda tem que compreender em quem confiar. Neste primeiro volume da trilogia A Sombra do Corvo, Anthony Ryan estreia de maneira promissora na literatura com uma aventura repleta de ação.