Usar em uma história um evento ainda em curso, no qual estamos mergulhados, é uma boa ideia? Esse é um questionamento que me vem à mente quando observo o surgimento de obras que se passam durante a pandemia. Porém, como para quase tudo na vida, não há uma resposta exata e definitiva. Acredito que, não importa o tema, tudo vai depender da forma como a narrativa for conduzida. E, ao terminar de ler “Maremoto”, romance de estreia de Eduardo Leite, essa constatação se confirmou.
O livro conta a história de um jovem gay que saiu de sua pequena cidade natal e foi para a capital em busca de mais liberdade para ser quem ele é. Mas, pouco tempo depois de chegar, ele se vê preso em uma kitnet de 27m², impedido de sair por conta de uma doença que toma conta do país.
Afogando entre quatro paredes
O primeiro ponto que chama a atenção é a ambientação: praticamente toda a narrativa acontece entre as quatro paredes do minúsculo apartamento do protagonista. Falando assim, pode dar a impressão de que a história é monótona e não tem como sustentar até o fim o interesse de quem lê. Mas um dos grandes méritos do livro é justamente usar essa limitação espacial para mostrar de diversas maneiras a angústia do isolamento. Conforme a narrativa avança, a sensação de sufocamento vai aumentando e os 27m² parecem se encolher cada vez mais.
Pelo impedimento de sair de casa, a vida do personagem passa a ser mediada. Todo o contato que ele tem com o “mundo lá fora” vem através de telas: a única janela do apartamento, a televisão, o celular. O que é real? Posso acreditar nas informações que me estão sendo passadas? Acompanho os números ou vivo na alienação? Esses são alguns dos questionamentos que aparecem durante a trajetória do protagonista.
Quanto tempo o tempo tem?
Uma peculiaridade de “Maremoto” é que não sabemos o nome do protagonista, mas, ainda assim, é possível se conectar com ele. É claro que o fato de estarmos passando por uma situação semelhante à retratada no livro ajuda nessa conexão. Porém, há também mérito do autor, que nos faz mergulhar na mente do personagem e ter acesso a toda a confusão que se instaurou ali.
E essa confusão se dá também na ordem dos acontecimentos. Em muitos momentos, o livro parece confuso, pois não sabemos mais se aquele fato narrado aconteceu antes ou depois de outro. E não havia outra forma de contar essa história: uma narração linear não daria conta do que é viver em isolamento.
O sol há de brilhar mais uma vez
“Maremoto” é um livro difícil de ler em alguns momentos, principalmente por conta da situação que enfrentamos. Mas, apesar disso, ele mostra uma saída: há um final feliz. Esse tom de esperança dá, ao término da leitura, a força necessária para aguentarmos passar por esse caos. Aquele final feliz pode ser o nosso também.
Apesar de sua prosa intimista e limitada espacialmente, o livro mostra uma evolução muito interessante do protagonista e em nenhum momento a leitura se torna monótona. É uma obra para se entregar sem medo e vivenciar, por meio das belas palavras de Eduardo Leite, um mergulho inesquecível nas emoções humanas. Não tenha medo de se molhar!
Nota
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Ficha Técnica
Nome: Maremoto
Autor: Eduardo Leite
Edição: 1ª
Editora: Independente
Ano: 2021
Páginas: 200
ISBN: 9786500172683
Sinopse: Maremoto conta a história de um rapaz gay que se muda de uma cidade pequena onde se sente sufocado para morar em uma kitnet em uma grande metrópole que fica a dez horas de ônibus de sua cidade natal. Tentando fugir das limitações físicas e psicológicas de uma cidade pequena, ele se vê trancado em um apartamento de 27m² durante meses por conta de uma doença que tomou conta da cidade (e do país) logo depois de sua mudança. Escrito durante a pandemia de Covid-19, Maremoto é um romance ficcional, porém qualquer semelhança com a realidade não é apenas coincidência.