Um adolescente cheio de sonhos, morador de uma cidade do interior do Rio Grande do Norte, que cultiva belas amizades, vive suas primeiras paixões e é gay. De uma forma geral, essa é a premissa da HQ “Arlindo”, escrita por Luiza de Souza, mais conhecida na internet como Ilustralu. Porém, estaria mentindo se dissesse que a história se resume no que está contido na frase acima. A magia da narrativa está no que ela nos faz sentir.
Fenômeno no Twitter, o quadrinho foi publicado inicialmente como uma webcomic semanal e logo ganhou uma legião de fãs fiéis (eu inclusa) que aguardavam ansiosamente cada nova página. E, devido ao sucesso, recentemente ganhou uma versão impressa pela Editora Seguinte.
Ambientada no início dos anos 2000 — quando lan houses, videolocadoras e o MSN estavam em alta —, a jornada do protagonista que dá nome à obra representa os adolescentes que nós, hoje adultos, um dia fomos. Muitos, inclusive, podem enxergar em Arlindo um reflexo de dúvidas, medos e expectativas que um dia fizeram parte de suas vidas.
Uma história sobre amizade…
“Arlindo” é uma história sobre descobertas, sim. Mas, acima de tudo, é uma história sobre encontrar seu lugar no mundo e saber que não se está só. Essa é uma jornada de amizade que, com os altos e baixos da vida, estão lá para servir de apoio mútuo. A fase da adolescência, difícil por si só, se complica quando se é gay numa cidade pequena e conservadora, e é aí que os laços de amizade se tornam essenciais.
Pelo nome do livro, não há como negar que Lindo é quem nos guia pela narrativa. Porém, Ilustralu soube construir seus personagens com tamanha grandeza que é possível dizer que os coadjuvantes foram alçados ao status de coprotagonistas. Lis, Mari, Pedro e Luís Filipe têm, cada um, espaço para desenvolver suas próprias narrativas, que conversam e entrecruzam com a do personagem principal, mas também existem de forma independente— vide o tanto que Lis, por exemplo, é amada pelos leitores (eu inclusa).
… E também sobre família
Essa também é uma história sobre família. Os conflitos de Arlindo, especialmente com o pai preconceituoso, ganham bastante espaço durante as páginas. Seja em flashbacks ou no momento presente, há reviravoltas suficientes para amolecer até o mais duro dos corações.
Mas nem só de tristeza vive a família de Arlindo. E aqui destaco a tia Amanda; a avó, Dona Anja; a mãe, Dona Nalva; e a irmã Lúcia (que é tão fofa que poderia aparecer muito mais!). São nessas mulheres que Arlindo encontra apoio e um colo nos momentos mais difíceis da trama. E é com a tia, também homossexual, que o protagonista aprende uma importante lição: “tudo o que a gente tem é gente”. É claro que ter com quem contar ajuda, mas precisamos abraçar nossa essência sem medo.
Correr para onde?
“Eu sempre imaginei como seria existir num lugar onde meu nome fosse outro. Se a cidade fosse outra. Se as pessoas fossem outras. Talvez, se tudo fosse diferente, eu não teria essa vontade de correr, de ir embora o tempo todo. Mas se fosse assim, eu não seria quem eu sou. E essa não é uma opção.”
A frase acima aparece em três momentos cruciais durante a narrativa: está na página de abertura, na conversa de Arlindo com a tia e num momento-chave mais para o fim da história (uma cópia da página inicial, mas que ganha um novo significado). Essa questão da corrida é muito interessante, pois não aparece só nessa frase, mas durante a história como um todo, já que Arlindo e seus amigos fazem parte da equipe de corrida do colégio.
Mas, no correr das páginas (com o perdão do trocadilho), vai ganhando força essa conotação de querer fugir de um lugar e de pessoas opressoras. E a jornada de Arlindo é justamente entender o que ele mesmo disse: se ele fugisse não seria quem era; e isso estava fora de cogitação. Aceitar-se de forma plena também faz parte do processo de crescimento.
Bonito de ver
O exemplo acima é um de inúmeros de como a parte visual também é importante para a história — como não poderia deixar de ser em se tratando de uma história em quadrinhos.
Composta por cores vibrantes — rosa, amarelo e cinza —, a narrativa conta apenas com as imagens e os diálogos para se desenvolver. Mas não é preciso mais. A autora consegue, em cada detalhe, exprimir emoção e envolver o leitor, seja pela nostalgia, seja pela trama em si.
Referências
E, por falar em nostalgia, o que não falta são referências aos anos 2000. Além dos já ciados MSN, lan house e videolocadoras, há também as músicas como parte importante. Arlindo é fã de Sandy e Jr e diversas canções da dupla embalam passagens da história, assim como as músicas de Pitty estão presentes na jornada de Lis e Mari.
A ambientação da cidade do interior também é muito bem construída, sendo possível sentir-se parte daquele lugar. E, de fato, ao fim da leitura, essa sensação não se esvai e fica a vontade de revisitar constantemente esse pedacinho da história de personagens tão cativantes.
Importante representante do que é ser um jovem LGBTQIA+, “Arlindo” é uma história que tem tudo para cativar o coração de ainda mais leitores. Seja parte da comunidade ou não, essa HQ é indicada para todas aquelas pessoas que estão precisando de um quentinho no coração em meio a momentos tão difíceis.
Nota
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Ficha Técnica
Nome: Arlindo
Autora: Ilustralu
Edição: 1ª
Editora: Seguinte
Ano: 2021
Páginas: 200
ISBN: 9788555341427
Sinopse: Uma história sobre descobrir que a gente não tá só.
Arlindo é um garoto cheio de sonhos e vontade de encontrar seu lugar no mundo. Tudo o que ele quer é seguir sua vida de adolescente na cidadezinha onde mora, no interior do Rio Grande do Norte. Ele aluga filmes na locadora com as amigas todo sábado, sente o coração bater mais forte pelas primeiras paqueras, canta muito Sandy & Júnior no chuveiro, e ainda cuida da irmã mais nova e ajuda a mãe a fazer doces para vender.
Por mais que ele se esforce e dê o seu melhor, muita gente na cidade não aceita Arlindo ― o que traz uma série de problemas na escola e até mesmo dentro de casa. Aos poucos, porém, ele vai perceber que vale a pena lutar para ser quem ele é, ainda mais quando tem tanta gente com quem contar.
Com um traço divertido, cores vibrantes e um monte de referências aos anos 2000, esta história em quadrinhos que já conquistou milhares de fãs na internet fala sobre encontrar forças nas pessoas que a gente ama e dentro de nós mesmos.