Gosta de contos? Então vai gostar de Midnight Diner

Montagem, à esquerda uma imagem de um livro aberto sobre uma mesa e um fundo esverdeado desfocado. E uma imagem de um homem com traços japoneses, atrás de um balcão tipicamente japonês, ele usa uma roupa azul e um avental branco na cintura. Com olhar sério para frente e braços cruzados. No centro um raio amarelo dividindo a vitrine. Quase no topo à direita, uma faixa branca com o texto: Coluna - Gosta de contos? Então vai gostar de Midnight Diner. Na base o logo do Leitor Cabuloso, e uma borda amarela em volta da vitrine
Montagem, à esquerda uma imagem de um livro aberto sobre uma mesa e um fundo esverdeado desfocado. E uma imagem de um homem com traços japoneses, atrás de um balcão tipicamente japonês, ele usa uma roupa azul e um avental branco na cintura. Com olhar sério para frente e braços cruzados. No centro um raio amarelo dividindo a vitrine. Quase no topo à direita, uma faixa branca com o texto: Coluna - Gosta de contos? Então vai gostar de Midnight Diner. Na base o logo do Leitor Cabuloso, e uma borda amarela em volta da vitrine

O conto é como uma fotografia. Um fragmento sem pontas ou arestas que é suficiente para contar toda uma vida. Ao seguir este raciocínio pode-se presumir que um livro de contos é um grande álbum de fotografias? Grandes contistas e a série Midnight Diner da Netflix mostraram-me o contrário.

Ray Douglas Bradbury

Bradbury nas Crônicas Marcianas possui sensibilidade e um dom para criar histórias reflexivas. Li esta obra há muito tempo, entretanto, não esqueci a expectativa que tinha de deparar-me com bons momentos de ação e críticas sociais viscerais como em Fahrenheit 451. Para a minha surpresa, o autor foi mais sutil e colocou no centro do palco Marte, deixando os marcianos como um ótimo elenco de apoio. Ele me fez pensar que a vida em um novo planeta não será muito diferente da atualidade. Mesmos problemas e um comportamento humano não muito alterado, mesmo em um ecossistema totalmente diferente. O que mais me cativou foram os olhares retratados para um mesmo local fora da Terra sendo povoado.

Edgar Allan Poe

Falar de contos e não falar de Poe não é algo passível de punição, é só uma excelente oportunidade perdida. Sendo assim, serei mais um falando do macabro e da melancolia contida nos contos do autor? É mais que prudente informar que este escritor é considerado o inventor do gênero policial? Sigo por um caminho um pouco diferente e digo que a atmosfera nos contos de Poe possuem tanta identidade que pode ser inserida em diversos locais.

Seja nos Estados Unidos, Inglaterra ou Brasil os elementos narrativos do autor de Berenice, O Gato Preto e A Máscara da Morte Rubra pedem por uma escrita elaborada, uma melancolia causada por sentimentos torturantes e lugares escuros habitados por homens trajando fraque e cartola e mulheres com vestidos longos. Em contos de aspirantes e em obras curtas de imortais da literatura há diversos locais onde a presença de Poe garante presença.

Ernest Miller Hemingway

Hemingway pode escrever sobre um copo de café ou questões existenciais com a mesma maestria. Li um primeiro volume de uma coleção de contos deste autor e afirmo:

Em algum lugar dos Estados Unidos há uma madeireira em que o cerrar é tímido e se perde em vez de ecoar pela floresta. Som de rotina, som tão comum como o falar de pessoas simples que partilham sinceridade em longas mesas com cadeiras bem lixadas, mas sem verniz. Deve existir um rio silencioso, acostumado a ser gelado pela brisa e por um final de Outono que foi o meu maior conforto durante a leitura. Não lembro dos detalhes. Só sei que por muito tempo vou me recordar dos troncos cortados com o derrubar feito pelo trabalhar ocupando muito espaço. Insisto em falar das lembranças guardadas nos ouvidos. Não quero esquecer o som daquele local. O cantar dos pássaros, belas criaturas que nos contos de Hemingway cantavam entre uma linha e outra. Cantavam não para agradar os homens, mas porque naquele local os homens faziam parte do silêncio.

O local

Um bom livro de contos retrata um local. Seja ele um planeta, um ambiente com elementos do século XIX, uma madeireira isolada de um centro urbano ou um restaurante que só abre depois da meia-noite em Tokyo. Imaginei-me em Marte, em uma cidade americana há séculos atrás, em uma madeireira e depois de terminar o último episódio da primeira temporada de Midnight Diner imaginei-me em um restaurante.

Enquanto o único cozinheiro conhecido como “Mestre” preparava  o meu pedido (pedaços de porco assados e macarrão) eu permanecia com os braços encolhidos. Fiquei quieto, e só notaram a minha presença através de meus pequenos sorrisos que só se libertaram de cabeça baixa. Mesmo sendo um estranho, como prender a felicidade ao ouvir as conversas e histórias dos trabalhadores de Tokyo?

O melhor restaurante da Netflix é o Midnight Diner

Falei do local e ainda não justifiquei se cada episódio funciona bem como um conto. Peço desculpas, estava lembrando-me do rosto dos personagens. Sou muito apegado a eles e em uma fotografia não fico procurando detalhes ao fundo. Com a série não foi diferente. Quase chorei ao ver o rosto de alguém que ensinou-me tanto sobre aceitar quem fomos e o que nos tornamos. Pensei em largar a série ao ver o rosto que cuspia inveja e ocultava ingratidão. O calor no peito foi enorme ao ver dois rostos felizes que venceram o preconceito com o amor. E, fiquei bobo, ao ver uma amizade sem vergonha de ser infantil entre velhos irmãos. Como um local consegue reunir tão boas histórias?

Pessoas que não são bem vistas na sociedade japonesa sentaram ao redor de um cozinheiro e se sentiram acolhidas. É claro que não se trata de contos de fadas, porém, depois da meia-noite muitos que vivem à margem da sociedade em Tokyo podem comer o que quiserem como um rei ou rainhas e abrir os corações. Fazem isso porque existe algum elemento mágico oculto? Fazem porque ao lado deles não há julgamento, há somente iguais. Visite o Midnight Diner, com certeza nos encontraremos lá.