Dizer que a guerra é algo ruim é uma afirmação que todos concordamos (ou pelo menos deveríamos). Que os acontecimentos de uma guerra reverberam durante toda a vida das pessoas que presenciaram todos aqueles eventos também é de conhecimento geral da sociedade.
Pensando no cinema, muitos filmes já se propuseram a demonstrar todos os males que uma guerra pode causar. Podemos citar aqui o clássico filme soviético de 1985 “Vá e Veja” dirigido por Elem Klimov que é considerado por muitos (inclusive eu) o melhor filme de guerra de todos os tempos. Podemos citar também o clássico cult de Francis Ford Coppola de 1979 o “Apocalipse Now”. E pensando em filmes que foram lançados recentemente, podemos falar do “1917” do Sam Mendes e que estava na disputa do Oscar no ano passado ou o filme português “Mosquito” que esteve presente na última Mostra de Cinema de São Paulo.
“Cherry – Inocência Perdida” vai no mesmo caminho dos citados, nos mostra uma crítica à sociedade e a guerra. O filme é dirigido por Anthony e Joe Russo e é uma adaptação de um livro de mesmo nome do autor Nico Walker e que foi publicado aqui no Brasil pela Darkside. E conta a história de um ex-médico do exército chamado Nico (Tom Holland) e que após o que vivenciou na guerra adquiriu transtorno pós traumático. Para tentar se controlar ele começa a se afundar no uso de drogas e para sustentar seu vício começa a roubar bancos.
O Pós-Guerra em Cherry
A motivação do personagem de Tom Holland é amorosa. Ele se alista no exército depois de uma desilusão amorosa com sua namorada Emily (Ciara Bravo) que decide terminar com ele e ir estudar no Canadá. Nico vai para o acampamento treinar para combater na guerra, eles acabam reatando. Então decidem se casar para se manterem ainda mais ligados durante o período em que eles ficarão separados.
Quando Nico volta e começa a demonstrar os efeitos do transtorno, isso começa a afetar a vida dele e a sua relação com a Emily. Por conta do estresse ambos acabam se viciando em heroína e consequentemente se afundam mais e mais nessa vida.
O grande mérito de “Cherry” são as críticas que ele faz ao exército e à guerra. Utilizando a quebra da quarta parede, Holland vai nos falando o que realmente está pensando e o quanto acredita que aquilo é uma besteira. Além de toda a parte do treinamento, onde o filme expõe toda a hipocrisia que é o discurso da guerra. Vemos que as pessoas inventam mentiras aterrorizantes para se vangloriar de situações que não aconteceram, mas mesmo que tivessem não teria motivo nenhum para se sentir bem.
A guerra acabou?
Os eventos da guerra propriamente dita são realmente traumáticos, apesar de óbvios, e faz sentido que o personagem de Tom Holland fique traumatizado com tudo aquilo que vivenciou.
Quando se envolve com as drogas, isso acontece principalmente por conta dos remédios que ele anda tomando para conseguir viver com os traumas da época da guerra. Ele acaba migrando para drogas mais pesadas quando os remédios começam a não fazer mais efeito por conta do excesso de uso. Emily não aguenta mais conviver com Nico da forma que ele está; portanto, decide também encontrar uma forma de se “anestesiar” daquela situação em que o casal se encontra.
Ao final fica claro a conexão de toda aquela situação e de todos aqueles acontecimentos com o que Nico presenciou durante os anos em que esteve na guerra. Tudo só aconteceu da forma que aconteceu em decorrência dos traumas causados por esses anos no Iraque. O filme evidencia que toda aquela experiência não pode ser outra coisa além de prejudicial à vida das pessoas.
“Cherry” entra no hall de bons filmes de guerra que realmente entenderam o seu propósito. Não glamourizar a guerra, e sim demonstrar todas as contradições e as consequências que esses eventos podem causar em uma pessoa e em uma sociedade.