Um, dois, três e já. O começo de uma história, por ser o primeiro contato do leitor com a obra, pode tanto instigar a continuação da leitura, quanto repelir tal vontade. E nada melhor do que estrear a série de colunas do Leia Novos BR falando de inícios.
Mas, vamos com calma: é claro que adoramos quando as primeiras frases de uma narrativa já nos jogam uma bomba para lidarmos. Só que é preciso ter cuidado: nada mais frustrante do que um começo eletrizante que não se cumpre ao longo da história. Por isso, vamos estabelecer o seguinte: bons inícios precisam ser coerentes com o que virá em seguida; não podem, portanto, estar descolados do restante da narrativa.
Vale lembrar que quando se trata de experiência de leitura, não há certo e errado, e aqui apreciamos a diversidade em todos os sentidos, inclusive na forma de iniciar uma história.
Mas, para ilustrar o que nos chama a atenção quando pegamos um novo livro para ler, trouxemos alguns exemplos. No primeiro episódio do podcast Leia Novos BR, entrevistamos Simone Paulino, que possui a particularidade de prender a atenção do leitor logo nas primeiras páginas de suas obras.
No conto “A Casa Número Cinco”, a narrativa começa com o relato de um sonho da protagonista, Doralice, chegando na Casa Número Um, onde um evento esquisito acontece, que a faz acordar assustada. Devido ao nome da história, o leitor já presume que haverá uma escalada de tensão até que a protagonista chegue ao sonho com a quinta Casa.
Já em “A volta do relógio”, outra obra de Simone, o livro já começa no meio de uma ação, em que a missão do protagonista Lucas é definida logo de cara: para salvar o futuro, ele precisa voltar ao passado e matar uma pessoa antes dos eventos que permitiram a existência de uma mutação que adoece as pessoas. O final da história já foi dado, e resta ao leitor acompanhar essa jornada para descobrir qual será a decisão do protagonista no momento derradeiro.
E com esses dois exemplos, fica claro como é possível utilizar diferentes recursos para construir narrativas com inícios instigantes.
Para finalizar, e em comemoração a estreia do podcast e da coluna do Leia Novos Br no Leitor Cabuloso, encerramos nossa postagem com um texto exclusivo de Simone Paulino sobre inícios:
No começo era o verbo…
O homem, desde o princípio das eras, sempre amou ouvir histórias. O ensaísta alemão Walter Benjamin destaca isso em um de seus textos mais famosos: “O narrador”. No entanto, o que faz uma história prender o leitor (ou ouvinte)? Uns podem argumentar que é o enredo, outros, a personagem, outros podem até apontar para alguma inovação na técnica narrativa (como a falta de pontuação de Saramago). Respostas complexas que não estão completamente erradas. Mas continuo te indagando: o que te faz querer prosseguir numa história? E a resposta, sem floreios ou muita teoria, é bem simples: o começo!
Pense na primeira linha de um texto de forma metafórica, pense nela como a linha de um anzol. Você lança as primeiras palavras e quando puxa de volta a linha, nesta pode ter muitos, poucos ou nenhum peixe. Os que ficarem estarão presos na história, então a primeira linha os fisgou.
Nunca menospreze a primeira frase de um texto, principalmente quando se tratar de narrativas curtas, como o conto. Afinal, como já dizia Edgar Allan Poe, um conto deve ser lido numa sentada (eu sei que a tradução é estranha, no entanto, ainda não achei melhor), por isso deve-se escolher bem as palavras, principalmente aquelas do começo. Muitos escritores, após a obra escrita, retornam ao início para ver o impacto das primeiras linhas e muitos as alteram para que o leitor, no primeiro contato, saiba que vale a pena ler aquilo.
Uma boa pescaria é o momento que uma história joga na cara do leitor uma frase como: “Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos, em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso.”, essas são as primeiras palavras do livro A Metamorfose de Franz Kafka. Nessas linhas o narrador gera dúvidas, suspense, expectativa e nos apresenta o provável gênero com o qual estaremos tendo contato. “Como ele se transformou num inseto da noite para o dia?”, “Como ele vai lidar com isso?”, “Por quê? Por quê? Por quê?”. É nessa vereda de indagações que a primeira linha leva o leitor a continuar no texto. A primeira linha é aquela que amarra o leitor a todas as outras linhas da narrativa. Uma frase inicial que não gere expectativas, que não desperte o desejo de correr pelo restante do texto, pode ser um auto-boicote de uma história maravilhosa na qual o leitor não terá interesse em seguir. Digo e repito: não subestime as primeiras palavras.
Um bom começo de uma história deve principalmente criar expectativa, tensão e curiosidade. O ideal é evitar histórias que iniciem com descrições clichês, flashbacks ou a visão de uma personagem secundária. Na verdade, não existe a fórmula para um começo perfeito, mas busque algo fora do comum, algo que faça o leitor não ficar passivo com o seu texto nas mãos, mas que o faça arregalar os olhos, franzir as sobrancelhas, morder os lábios, sacudir a cabeça, reler para ter certeza do que está escrito.
Você achava que a primeira frase de uma história era apenas um detalhe? A linha inicial é onde o narrador convence o leitor a se embrenhar pela narrativa contada. É ali, no comecinho, que o narrador estende a mão para o leitor e promete: “pode vir comigo, essa história vai ser boa”.
Simone Paulino, 2020
Não deixe de conferir a entrevista com a autora Simone Paulino no podcast LeiaNovosBR!
Créditos
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Texto: Carol Vidal e Simone Paulino
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