[Resenha] Cartas para Martin – Nic Stone

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Capa do livro. Desenho de um rapaz de casaco laranja. O título do livro e o nome da autora estão escritos no casaco. Um fundo claro semelhante a uma folha de papel, preenchida com várias frases em azul.
Capa do livro. Desenho de um rapaz de casaco laranja. O título do livro e o nome da autora estão escritos no casaco. Um fundo claro semelhante a uma folha de papel, preenchida com várias frases em azul.

“Cartas para Martin”, livro de estreia de Nic Stone, foi aquele tipo de leitura que me tirou o chão e eu terminei sem ar; e isso é bom e ruim. É bom porque significa que a autora conseguiu me envolver com sua narrativa de tal maneira onde, já no primeiro capítulo, eu me conectei com o personagem e me interessei por acompanhar sua jornada. E é ruim porque toda a problemática do racismo abordada no livro não é mera ficção.

A obra conta a história de Justyce McAllister, um jovem de dezessete anos com um futuro brilhante pela frente: é um dos melhores alunos do colégio, tem amigo, uma vida amorosa conturbada como vários jovens, uma mãe amorosa e tudo para entrar nas melhores universidades. Mas um episódio de violência policial virou a vida do jovem de ponta cabeça, mostrando a ele que, para uma sociedade preconceituosa, não importam todos os motivos citados acima: a primeira coisa que as pessoas vão ver é a cor de sua pele.

O livro é muito rápido de ler, pois vai direto ao ponto: a agressão e prisão injusta de Jus já acontece no primeiro capítulo. A autora não contemporiza e nem nos prepara para o que vem; simplesmente nos joga na ação e nos faz sentir a angústia do personagem desde o início. A angústia, aliás, é um sentimento que perdura por toda a leitura, dando a sensação de que a qualquer momento alguma coisa muito ruim pode acontecer.

O exemplo de quem veio antes

Justyce é um jovem em formação e, como tal, busca inspiração para entender como agir diante das situações. Depois da violência policial, ele começa a escrever cartas para Martin Luther King Jr, nas quais fala sobre seus sentimentos e sua visão sobre os acontecimentos de sua vida, dos mais banais aos mais complexos. Esse é um artifício inteligente da autora para nos mostrar de forma mais clara quem é Jus, enquanto ele mesmo vai descobrindo mais sobre si.

Foi por meio dessas cartas que consegui me conectar ainda mais profundamente com o personagem, por ser capaz de vê-lo sem amarras, sem as máscaras que, muitas vezes, ele usa para lidar com as pessoas e as situações. Na convivência com os outros — e, especialmente, na escola, onde ele é um dos poucos alunos negros —, Jus é mais reservado e não costuma se posicionar de forma mais contundente sobre os assuntos.

“Não podemos controlar como as outras pessoas pensam a agem, mas temos o controle total sobre nós mesmos. No fim das contas, a única questão que importa é: se nada no mundo mudar, que tipo de pessoa você prefere ser?”

Mas, como disse anteriormente, ele é um jovem em formação e foi muito legal perceber o amadurecimento dele durante a história. A cada momento em que pensava o que Luther King faria em determinada situação, Justyce refletia um pouco mais sobre que tipo de pessoa ele queria ser no mundo. Ele passa por muitos dilemas durante a narrativa, enquanto tenta seguir um caminho não-violento, de acordo com o exemplo que escolheu, ao mesmo tempo em que questiona se esse é o jeito certo de lidar com tanta iniquidade. Acertando e errando, indo e voltando, ao fim do livro, ele já não é mais o mesmo do início.

Diferentes formatos

Além das cartas, Nic Stone usa um grupo de debates dentro da escola de Justyce para trazer à tona discussões sobre racismo. Essa turma funciona quase como um experimento social, um exemplo micro do que acontece na sociedade de forma macro.

Ao colocar falas preconceituosas na boca de alunos brancos e privilegiados, a autora consegue abordar os assuntos sem soar didática demais. Nós acompanhamos debates que poderiam muito bem acontecer em uma conversa na vida real. Os argumentos estão todos ali, cabendo a cada pessoa interpretar e tirar suas próprias conclusões.

É interessante como a autora em momento algum subestima a capacidade de quem está lendo de entender o que estava sendo exposto sem ela precisar apontar o que é certo e errado. Por essa característica, vejo esse livro como um importante aliado para debates em sala de aula.

Com uma narrativa forte e de tirar o fôlego, “Cartas para Martin” é uma leitura essencial que escancara o que o racismo causa diariamente na vida das pessoas negras. É aquele tipo de obra que coloca o dedo na ferida sem medo, um movimento necessário se esperamos mudar a realidade.

Indicação extra do Leitor Cabuloso

Nota

Cinco selos cabulosos. A maior nota do site.
Cinco selos cabulosos. A maior nota do site.

 

 

 

 

Ficha técnica:

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Nome: Cartas para Martin
Autora: Nic Stone
Tradução: Thaís Paiva
Edição:
Editora: Intrínseca
Ano: 2020
Páginas: 256
ISBN: 9788551006658
Sinopse: Justyce McAllister é um garoto de dezessete anos com um futuro brilhante pela frente. É um dos melhores alunos de uma prestigiada escola de Atlanta, tem uma mãe amorosa e um melhor amigo incrível. No entanto, um episódio de violência policial traz à tona que a distância entre ele e seu futuro é quase um abismo. Porque Justyce McAllister é negro, e isso significa que, muitas vezes, é julgado pela cor de sua pele.

Ao ser agredido e detido injustamente, o olhar de Justyce desperta para um novo mundo, um lugar solitário em uma sociedade que insiste em vê-lo como ameaça ou como promessa de fracasso. Ele se dá conta, então, de que não pode mais fingir que não tem nada errado e decide iniciar um projeto: escrever cartas para Martin Luther King Jr., um dos mais importantes ativistas políticos pelos direitos dos negros, símbolo da luta contra a segregação racial nos Estados Unidos, morto em 1968.

Ao tentar aplicar os ensinamentos de Luther King em sua vida, Justyce começa a trilhar um caminho para entender não só como deve reagir diante das injustiças, mas que tipo de pessoa ele quer ser. Em meio a questões familiares, desentendimentos com os amigos e complicações da vida amorosa, nas cartas ele expõe suas dúvidas, sua angústia, sua revolta e a percepção clara de que a sociedade não é tão igualitária quanto deveria.

No livro de estreia de Nic Stone, vemos Justyce passar pelos desafios da adolescência, amadurecer e encarar o racismo que tanto afeta sua existência. Comovente e extremamente necessário, Cartas para Martin é um relato sobre ser um jovem negro e sobre o direito inalienável de existir. Um livro impossível de ignorar.