É difícil criar arte para crianças? Este período da vida é tão curto e em muitas obras vejo-o sendo usado para retratar a primeira infância com obras didáticas focadas no aprendizado ou retratando a mudança do infantil para o adolescente. É necessário muita procura para encontrar um meio termo onde o artista retrata o momento em que a criança já aprendeu o mais básico da vida e precisa fazer descobertas. Encontrei este período bem específico na obra Os Guardiões – A Caixa Mágica e a Libélula escrita por Ted Sanders.
Saber conduzir
Horace é um menino comum que gosta de ciências, precisa ir para a escola e tem um gato. Uma vida comum que é envolvida, aos poucos, por incríveis descobertas. Este conduzir que leva ao fantástico deve ser elogiado porque não é feito de forma abrupta. O garoto sempre meio receoso, e ao mesmo tempo sempre agindo, não se depara com um mago dizendo que ele será convocado para um local mágico ou é colocado em uma situação extrema e poderes ocultos aparecem. Tudo começa com algo pequeno. Ele vê uma placa com o nome dele, a curiosidade surge e o conduzir se inicia. É interessante descobrir o fantástico aos poucos junto com o personagem.
Descobertas em Os Guardiões
Na minha parte favorita do livro, Horace é colocado em um ambiente com vários objetos e faz uma escolha. Esse ato de decidir e não ser predestinado foi algo fora do comum e me chamou muita atenção. O protagonista que tem como maior adversário de xadrez a própria mãe, ganha uma caixa. Através de um objeto que pode muito bem ser guardado no bolso, a narrativa avança e leva o menino a várias descobertas:
A ciência é algo muito maior que as aulas da escola (é quase uma magia), ser responsável e fazer escolhas não é fácil e existem pessoas com uma vida bem diferente em relação a dele. Este último ponto está inteiramente conectado a Chloe, a segunda protagonista. Ela não tem uma vida “perfeita” jantando uma comida quentinha com o pai e a mãe enquanto conversam. A partir deste contraste com Horace imaginei uma personagem com um tom mais triste. Mais uma vez o autor me surpreendeu e a menina, que também tem contato com o fantástico, transformou uma difícil realidade em uma fonte para ser corajosa e empenhada.
Bons amigos
A química entre os dois protagonistas é o coração do Os Guardiões – A Caixa Mágica e a Libélula. Lembrei das amizades da infância, onde sempre tinha aquele que se tornava o melhor amigo. Sempre existia um entre tantos para quem era mais fácil contar os segredos e o primeiro a chamar para brincar. Porém, nesta obra a brincadeira é substituída pelo se aventurar e enfrentar um grande mau.
“Que o seu medo não pese, Chloe.”
Ela frangiu a testa, fingindo estar confusa.
“Todo mundo diz isso. O medo é a pedra e blábláblá. Por que uma pedra? Por que não um travesseiro?”
Horace deu uma risada fraca.
“O medo é o travesseiro. Que o seu seja fofinho”
Vou combater sem armas?
Depois de ler o livro, sempre recordava dos momentos de ação e notei uma sacada muito legal do autor. Todos os personagens do lado do bem possuem habilidade especiais, mas nenhuma delas está relacionada ao ataque. Cenas construídas com uma escrita simples em que imaginei cada movimento dos personagens e fui tomado pela tensão. Tudo isso bem construído e não foi usado nenhum disparo, estocada, corte ou pancada por parte de Horace ou Chloe. A criatividade é que fornece desfecho às cenas e também me fez perceber que as crianças são retratadas como crianças e não como super heróis inatingíveis.
Há medo nos personagens ao se deparar com criaturas desconhecidas e situações nunca vividas. O livro se torna mais verossímil quando Horace e Chloe, antes de serem super poderosos ao melhor estilo Marvel, sempre pensam em se manter seguros ou até mesmo em sobreviver. Uma opção adotada que aproxima o leitor e engrandece os momentos de heroísmo. Trata-se de mais uma escolha fora do comum que torna Os Guardiões – A Caixa Mágica e a Libélula um livro diferente. Porém, Ted Sanders também segue pelo comum.
Clichê que incomoda
Na obra há uma sensação de um problema no bairro. Os vilões são perigosos, apresentam uma ameaça, porém, no decorrer do livro, o autor os transforma em algo grande, quase divino. O livro não tem esse tom, e está tudo bem ele não ter. Acho maravilhoso obras que focam em algo pequeno, local. Conforme avançava pelas páginas, comecei a notar muitos elementos para deixar tudo maior. Algo pequeno e único se transformou em algo com tom épico, em uma luta de várias gerações e com um objetivo implícito de transmitir a seguinte mensagem para o leitor:
“Isso é uma saga! Isso pode envolver o mundo todo!”
Saga, sempre saga
A vontade do autor de construir uma atmosfera épica não combina com o tom de história de bairro. Pesar a mão nos vilões, dar a eles um ar quase divino tem uma justificativa de tornar o problema maior, para alongar a história (vários livros).
O conflito entre o tom dos personagens, do cenário e o de algumas partes da história é um erro. O que vou mencionar agora não é necessariamente um erro, mas me incomodou. Falar muito a respeito pode gerar muito spoiler, então serei sucinto:
Tudo começa com uma escolha. Ver uma criança escolher algo porque gostou ou porque se sentiu curiosa é algo mágico. No final, a obra deixa claro que tudo faz parte de predestinação. Não se trata mais de uma criança comum. Trata-se do mais especial, do escolhido, do melhor entre todos… mais do mesmo.
Ler ou não ler Os Guardiões?
Pela criatividade, a interação entre os protagonistas e as descobertas vale muito a pena. A obra é ótima para inserir uma criança no mundo da leitura. Entretanto, trata-se de uma saga e somente o primeiro volume foi publicado no Brasil. Ler é uma escolha arriscada que não me arrependi nenhum pouco de ter feito. Se você não se incomoda com o clichê mencionado logo acima, vá em frente e curta este primeiro volume.
Nota
Garanta a sua cópia de Os Guardiões e boa leitura!
Ficha Técnica
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Nome: Os Guardiões – A Caixa Mágica e a Libélula
Autor: Ted Sanders
Tradução: Rogério Bettoni
Edição: 1ª
Editora: Gutenberg
Ano: 2017
Páginas: 384
ISBN: 9788582354476
Sinopse: O que você faria se estivesse andando pela rua e visse o seu nome escrito em uma placa?
Quando Horace F. Andrews vê pela janela do ônibus uma placa na rua com seu próprio nome, tudo muda. A placa o leva a um lugar no subsolo chamado Morada das Respostas, um armazém escondido, cheio de objetos misteriosos. O que é esse lugar tão curioso? Quem são essas pessoas estranhas e enigmáticas, que confiam a ele um presente raro e extremamente poderoso? E o que ele deve fazer com isso? Horace descobre rapidamente que as coisas do mundo não são como parecem.
O homem sinistro e esquelético que espreita em todas as esquinas, a descoberta de suas novas habilidades e seus encontros com Chloe – uma garota que tem um talento impressionante – levam Horace por um caminho que o coloca no meio de um conflito existente há séculos. A jornada de Horace e Chloe os leva às profundezas de um lugar onde cada decisão que tomarem pode ter consequências desastrosas. E mais importante que isso, ela conecta Horace à Caixa das Promessas e a um futuro que ele jamais imaginaria ser possível.
Com uma mistura de ficção científica, fantasia e muita ação, Ted Sanders cria um mundo onde tudo é muito mais do que parece ser e onde a amizade e a lealdade são os maiores poderes.