Mais um conto escrito e publicado por Clarice durante sua juventude, “Eu e Jimmy” é uma verdadeira sátira ao homem moderno.
Eu e Jimmy
Metido a sabichão e todo “pra frentex”, Jimmy é apresentado de tal forma que é possível vê-lo como a maioria dos homens atuais, o homem modernos, aqueles que se dizem mais espertos e inteligentes do que as mulheres, como se seus intelectos fossem, de alguma forma, superiores ao de nós, mulheres.
Em algum ponto durante a graduação em direito da personagem principal e narradora, – esta, sem nome – ela conhece esse homem que ela começa a se interessar e admirar por ser tão inteligente, sagaz e com ideias “modernas”. Ela o admira de tal forma que começa a achar aceitável nele muitos comportamentos que normalmente ela não aceitaria em outros homens, – como, por exemplo, o ato de pegá-la pelo braço ao atravessar a rua – pelo simples fato de achar que nele esses comportamentos eram aceitáveis pela sua inteligência, que ela descreve como o “crânio de Jimmy”.
“Lembro-me de Jimmy, de seus cabelos e de suas ideias. Jimmy achava que nada existe de tão bom quanto a natureza. Que se duas pessoas se gostam não há nada a fazer senão amarem-se, simplesmente. Que tudo o mais, nos homens, que se afasta dessa simplicidade de princípio de mundo, é cabotinismo, e espuma. Se essas ideias partissem de outra cabeça, eu não toleraria ouvi-las sequer. Mas havia a desculpa do crânio de Jimmy e havia sobretudo a desculpa de seus dentes claros e de seu sorriso limpo de animal contente.”
A personagem, a partir de então, começa um curioso relacionamento nada convencional com Jimmy, sendo “lecionada” por ele diariamente e, cada vez mais, absorvendo suas ideias. E ele, obviamente, fica muito contente com isso.
” Suas lições haviam produzido um efeito raro e a aluna era aplicada. Foi um tempo feliz.”
Além de “Eu e Jimmy”…
Entretanto, um outro personagem rompe esse relacionamento. E é nesse ponto que o paradigma de “homem moderno”, que, atualmente, podemos acrescentar livremente o adjetivo “desconstruidão”, é quebrado, e é onde Clarice destila toda a sua sátira.
Um examinador, que ela nomeia apenas como “D.” toma a atenção da personagem-narradora, encanta-a com seus olhos suaves e profundos e suas mão morenas. Ela, que até então conhecia apenas Jimmy como homem ideal e estava nesse relacionamento onde ela aceitava seu papel de “acessório do homem” e se deixava ser lecionada por ele, começa a se encantar por este outro homem, diferente de Jimmy até na aparência – Jimmy tinha olhos e pele clara e, conforme ela mesmo descreve, sua voz era misteriosamente áspera a morna. Obviamente seu comportamento com Jimmy muda, e ele percebe, e logo pergunta a ela se havia algo de errado. Ela, de uma maneira que pode-se chamar de inocente, conta a ele que havia se apaixonado por D., e ele, indignado, pergunta a ela “e eu?”, ao passo que ela responde, usando contra ele a sua própria “sabedoria evoluída”: “ora, arranje-se! Nós somos simples animais.”
Como bom homem que não aceita ser rejeitado, Jimmy a manda para o diabo, como ela mesma descreve, com suas teorias. Mas, curiosamente, quando se lê o conto, é impossível chegar nessa parte e não pensar: como ele pode estar tão indignado se essas teorias que ela profere partiram dele, em sua frágil tentativa de “leciona-la”? Uma clássica demonstração atemporal de como pode funcionar o ego masculino em alguns casos, principalmente com os ditos “homens modernos”.
Clarice, mais uma vez, mostra que suas histórias são atemporais.
Garanta a sua cópia de Todos os Contos e boa leitura!
Nota
Ficha técnica
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Nome: Todos os Contos
Autor: Clarice Lispector
Editora: Rocco
Ano: 2016
Páginas: 656
ISBN-13: 9788532530240
ISBN-10: 8532530249
Sinopse:
Autora de romances e contos que figuram entre os mais emblemáticos da literatura brasileira, Clarice Lispector é considerada uma das mais importantes escritoras do século XX. Sua popularidade alcançou níveis surpreendentes nas últimas décadas, especialmente após o fenômeno da internet, mas sua figura e sua obra seguem exercendo sobre leitores o mesmo e fascinante estranhamento que causaram desde sua estreia literária, em 1943.
Nesta coletânea, é possível conhecer Clarice por inteiro, desde os primeiros escritos, ainda na adolescência, até as últimas linhas. Essencial para estudantes e pesquisadores, para fãs de Clarice Lispector e iniciantes na obra da escritora, Todos os contos foi lançado nos Estados Unidos em 2015, figurando na lista de livros mais importantes do ano do jornal The New York Times e ganhou importantes prêmios, como o Pen Translation Prize, de melhor tradução. Agora é a vez de os leitores brasileiros (re)descobrirem por completo esta contista prolífica e singular.