Inicialmente publicado em folhetim pelo Diário do Rio de Janeiro durante o ano de 1857 e, no fim desse mesmo ano, lançado em livro, O Guarani é um dos romances da fase indianista de José de Alencar (composta também por Iracema e Ubirajara), em que o autor tentou a partir da figura dos nativos brasileiros construir uma identidade cultural nacional.
A trama do livro é um tanto quanto simples: a história se passa no início do século XVI e foca na vida de uma rica família portuguesa que vive no Brasil, em uma região afastada da capital Rio de Janeiro. O centro espacial é casa dos Mariz e há três figuras, Peri (indígena e grande herói da história), Álvaro (cavaleiro aos moldes medievais) e Loredano (uma figura gananciosa e antagonista), os quais podem ser considerados protagonistas. Aponto esses três por estarem todos atrelados, de formas diferentes, a uma outra figura importante: Cecília. Ela é a filha da família anteriormente citada, além disso é considerada uma deusa por Peri, um grande amor por Álvaro e uma paixão inatingível por Loredano. É livro é movido pelo conflito gerado por esse triângulo amoroso, que por sua vez conta ainda com Isabel, prima de Cecília e apaixonada por Álvaro.
Pontos importantes da trama
O livro gira em torno de dois acontecimentos importantes:
- a revange de uma tribo indígena que tivera uma de suas membras assassinada por Diogo, irmão de Cecília;
- o que Loredano trama contra família Mariz.
Contudo, ambos os conflitos só começam a se desenhar na metade do segundo ato de O Guarani, antes disso uma longa passagem pelo cotidiano se desdobra. Nela conhecemos não só os personagens, como D. Ântonio e D. Lauriana, respectivamente pai e mãe de Cecília e Diogo, Isabel, sobrinha do patriarca, entre algumas outras figuras mais coadjuvantes, mas conhecemos também o cenário no qual a história se passa. José de Alencar faz questão de se deter em lentas e longas descrições sobre o ambiente que cerca seus personagens, bem como busca retratar como se relacionam e quais papéis cada um exerce naquele micro-universo, que é o casarão da família Mariz.
Apesar dos já citados serem os grandes acontecimentos do ponto de vista do clímax do livro, há muitos outros momentos importantes e empolgantes. De qualquer forma, o mais importante aqui é como as relações se constituem e como elas afetam a maneira de agir dos personagens entre si.
Os personagens
Em O Guarani, José de Alencar, preocupado com a construção da identidade brasileira, buscou fazer Peri um herói incorruptível. Contudo, o que fez foi um sujeito passivo, subordinado e assujeitado aos portugueses. O nosso suposto herói mais parece um escravo em sua dedicação cega à família Mariz e Cecília. Ela, por sua vez, parece um objeto usado para mover a trama, sendo também ela passiva e retratada com uma certa malícia e ingenuidade que se contradizem ao longo do livro, contradição essa que poderia ser interessante não fosse a maneira caricata como o narrador a descreve.
Em contrapartida, Álvaro e Loredano são ambos personagens muito humanos e retratados com defeitos, interesses, preocupações muito próprias e factíveis. De um lado, o cavaleiro não ama incondicionalmente como Peri, de outro Loredano não parece o esteriótipo de vilão, apesar de a visão do narrador estar mais interessada em o retratar dessa forma. Vale justificar que é uma leitura minha, do ponto de vista do narrador as coisas são muito mais preto no branco. Para mim, as coisas são mais cinzas, pois especialmente Loredano, apesar de sua ganância injustificada, age de forma muito humana.
Gostaria de ressaltar que não é de se estranhar que os personagens representados da pior maneira sejam justamente um indígena e uma mulher. José de Alencar talvez não conhecesse a realidade de nenhum dos dois, pelo não o suficiente para os tornar verossímeis. Não à toa incorre no problema como os dois parecem muito ferramentas narrativas, cumprindo um papel claro e isso é um grande problema, porque são sem dúvidas os mais importantes personagens do livro.
Escrita e sono
Como leitor, tenho uma tendência séria a dormir quando o narrador se detém em uma descrição longa que para as ações do ambiente para pincelar o espaço ao redor dela. É justamente o que José de Alencar faz durante todo O Guarani. Talvez os leitores acostumados com a literatura fantástica levem isso melhor do que eu, pois, em especial naquelas que se aproximam do cenário medieval, o mesmo acontece. Como tenho lido outras literaturas que não essa, tive uma dificuldade de leitura. Durante boa parte do livro eu acelerava a leitura das descrições em busca de diálogos, que eram bons, salvos quando Peri aparecia e seu jeito de falar tornava as coisas novamente caricatas e surreais.
Poeticamente, há muitas descrições interessantes, bem como seriam essas falas de Peri, mas gostaria de ressaltar o carácter platônico dessas representações. A natureza descrita por Alencar não é, em absoluto, a natureza como nós vemos e o mesmo vale para os indígenas: ora retratados como figuras de pureza; ora retratados como bestas ferozes. Isso dependendo não apenas da tribo, mas também da conveniência da situação. Não que um ser humano não possam transitar esses polos, é mais uma questão do retrato do autor. A cada vez que o herói indianista fala, parece escolher as palavras como se tentasse deixar claro que não fazia parte do mundo dos homens brancos e que tudo o que sabia sobre era relacionado a natureza idealizada alencariana.
Opinião
Em O guarani, os objetivos de José de Alencar não foram alcançados. O livro perdura pelo valor histórico e pelo retrato da literatura da época (não da realidade). Contudo, as tentativas de mostrar a integração entre os nativos (colonizados) e os invasores (colonizadores) não é bem sucedida. Isso acontece, primeiro, por ser uma grande mentira do ponto de vista histórico, na realidade essa integração nunca existiu; segundo, porque prevalece a identidade do homem branco do século XIX, que sempre retrata a maioria dos seus pares superiores em relação aos assujeitados diferentes de si, o grande outro.
Para mim, o melhor retrato pintado por José de Alencar é o da visão dos escritores considerados cânones da literatura brasileira. Graças a serem predominantemente homens brancos de classe média, o que vemos é uma série de outros papéis que acabam sendo prejudicados nessa literatura. Para além do valor documental, a obra de Alencar serve como prova da necessidade de se discutir os escritores considerados canônicos e o que eles de fato representam para nossa cultura.
Nota
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FICHA TÉCNICA
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Nome: O guarani
Autor: José de Alencar
Edição: 1º
Editora: L&PM
Ano: 1998
Páginas: 384
ISBN: 9788525409454
Sinopse: Esta história de amor e aventura se passa quando o Brasil ainda era uma colônia de Portugal. Num cenário próximo às matas verdejantes, vive Cecília, a heroína do romance. Filha de um fidalgo português, ela leva uma existência de princesa, protegida pela família. O índio Peri, um guarani alto e forte, tem adoração pela moça. Porém, uma série de acontecimentos coloca a vida dos dois em perigo.