Mesmo que você não seja um grande leitor de mangá, com certeza já ouviu falar de Gen. Com lançamento em 1973 o mangá se tornou um clássico e ficou famoso por apresentar ao mundo e até aos próprios japoneses o horror da bomba atômica. A obra leva o nome do personagem principal, Gen Nakaoka que tenta sobreviver em Hiroshima enquanto o império japonês está em guerra. Gen faz parte de uma grande família, com 5 filhos, mãe grávida e um pai que tenta dar sustento a todos eles. Só que além da dificuldade de conseguir comida, a família Nakaoka enfrenta o clima de nacionalidade exacerbada enquanto o Sr. Nakaoka brada a quem quiser ouvir que a guerra é uma grande besteira.
Então a família sofre represália além da fome e são chamados de anti-patriotas. O Sr. Nakaoka tenta passar para os filhos o quanto a paz é importante pois tem consciência de que eles são o futuro da nação, para que não ocorra outra guerra. Ele ensina a Gen que o garoto deve ser como o trigo, que por mais pisoteado que seja sempre cresce firme e não se abala. Até que chega o fatídico dia 06 de agosto de 1945 quando um avião americano sobrevoa a cidade de Hiroshima, mas nenhum alarme soa. Esse avião solta uma bomba que com uma luz branca e quente muda para sempre a vida de todos.
Ao fazer a leitura de Gen me dei conta do quão pouco eu sabia sobre os horrores da bomba atômica. O autor Keiji Nakazawa não censura em nada. As pessoas andando pelas ruas com as peles escorrendo pelos dedos, o clamor por água, os corpos incontáveis, a disenteria que assolou quem sobreviveu matando até quem não estava presente em Hiroshima quando a bomba caiu, as larvas, as moscas, o pus, todo o sofrimento é exposto no mangá. Se a vida antes da bomba era ruim, depois se tornou um inferno. Quem sobreviveu ao impacto ainda tinha que lidar com a radiação e muito dessa luta é retratada ao longo dos 10 volumes do mangá.
Nem toda a família de Gen sobrevive, assim como seus amigos e vemos o garoto passar por uma situação revoltante atrás da outra, mas seguindo sempre o conselho do pai Gen não se abala, ou pelo menos tenta. Gen é pisoteado inúmeras vezes com situações injustas, com a fome e com a morte, mas está sempre de cabeça erguida e cantando por aí. Por falar em canção, ela é muito presente em toda a obra com pequenas cantigas de sátiras à guerra principalmente. O sentimento que permanece firme com Gen durante toda a obra é o ódio contra a bomba atômica e com quem promoveu a guerra e a exalta. Ele não restringe esse ódio aos americanos que soltaram a bomba, mas também ao imperador japonês que foi adorado como Deus durante o período e que depois voltou atrás dizendo que nunca foi nada disso que falavam. Vemos diversos personagens, a maioria deles que sofre as consequências da guerra como Gen, mas também aqueles que lucram com ela.
Considerações Técnicas
O traço de Gen Pés Descalços é bem característico da época em que foi feito. Um traço simples e grosseiro, sem grande acabamento, bem diferente do que vemos nos mangás de hoje. Tem cenas que parecem exageradas para os leitores de hoje, com socos e pontapés com pessoas caindo a uma grande distância quando apanham. Gen é um brigão irreparável e por isso cenas de briga é que não faltam na obra.
Talvez pelo traço ser mais simples o horror foi amenizado. Enquanto lia ficava imaginando como seriam certas cenas com um traço mais realista e com certeza seriam muito mais pesadas.
Muitas vezes vemos Gen e seus irmãos ou amigos nus e isso é tratado como natural no mangá, muitas vezes utilizado nas cenas cômicas. Gen e seu amigo Ryuta que conhece depois da bomba muitas vezes urinam em quem lhes faz mal e as vezes até jogam fezes neles! Pra mim foi estranho ler cenas assim em um mangá mais antigo, pois pensava que a censura seria mais pesada e por isso me surpreendi em ver o quanto às vezes o humor podia ser ácido.
Gen Pés Descalços foi recentemente finalizado pela Conrad com uma ótima qualidade. Os volumes tem orelhas e papel de boa qualidade. O primeiro volume tem quatro páginas coloridas e há um posfácio nas primeiras edições de jornalistas, escritores e críticos, a maioria japonês, mas no primeiro volume temos algumas palavras de Art Spiegelman, autor do quadrinho Maus. O preço pode ser pesado para comprar todos os volumes de uma vez, mas se encontrarem alguma promoção, aproveitem!
Considerações Finais
Gen Pés Descalços com certeza merece a alcunha de clássico. É uma leitura obrigatória para os leitores de mangás e para todos aqueles que desejam saber mais sobre Hiroshima e a bomba atômica. O mangá aponta para todos, americanos e japoneses, como responsáveis pela guerra. As experiências do governo americano com as vítimas da bomba, a ocupação ao Japão após a guerra, a proibição de divulgação dos efeitos da bomba, tudo isso me foi novidade. É uma obra que nunca deve ser esquecida, que nunca deve ser considerada velha. Pois assim como o Sr. Nakaoka dizia, a guerra é uma grande bobeira e obras desse tipo nos ajudam a nunca esquecer os seus efeitos.
NOTA:
Nome: Hadashi no Gen, Barefoot Gen, Gen Pés Descalços, Barefoot Gen – Bomb on Hiroshima, はだしのゲン
Valor: R$ 29,00 –Finalizado com 10 volumes.
Páginas: 260 (média por volume)
Publicado (no Japão): 1973 a 1974
Autor: Keiji Nakazawa
Gêneros: Drama, Shounen, Histórico
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