Guerra Civil de Stuart Moore

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Acredito que seja impossível não realizar uma leitura comparativa com os quadrinhos para que: 1) analisar de forma mais precisa as vantagens e desvantagens do romance; e 2) motivar futuros leitores a lerem a obra de Moore. Logo, se você não leu a HQ escrita pelo Mark Millar e desenha por Steve McNiven acredito que perderá muito do que será dito ao longo deste post. Spoilers do quadrinho serão inevitáveis, já que muito do que pretendo debater diz respeito a cenas cruciais da graphic novel e que podem comprometer o prazer da leitura do quem ainda não leu.

Leia a crítica do quadrinho de Guerra Civil

Também acho importante deixar claro que mesmo que o arco de Guerra Civil seja muito mais complexo e trabalhado em outros títulos, o livro de Moore é a romantização do quadrinho escrito por Millar, por isso todas as comparações ficarão restritas a estas obras. Arcos derivados podem (e devem) ser explicitados nos comentários, contanto que se evitem grandes spoilers para não leitores.

Análise:

Os quadrinhos utilizam de recursos visuais e textuais para contar suas histórias. O equilíbrio entre as informações transmitidas pelo texto e através de imagens é delicado. Um deve auxiliar o outro ao narrar. E neste equilíbrio está envolvido a maneira como os diálogos são construídos e a habilidade do artista em explicitar por meio das feições dos personagens as emoções que os mesmos sentem. Em minha opinião, a arte de McNiven é bastante eficiente em representar o peso dos arcos dramáticos envolvendo o Homem de Ferro e o Capitão América. É possível ver o quanto é custosa as decisões que cada um toma. Porém o roteiro de Millar objetiva muito mais a ação do que os diálogos ou até certo ponto o próprio background do personagens. Sem sombra de dúvida que ler um crossover onde heróis se embatem é desejar vê-los “cair na porrada”, contudo os motivos, as razões que movimentam ambos a chegarem as vias de fato necessita de contexto.

E contexto é primeiro ponto positivo ao romance de Guerra Civil. É óbvio que estou considerando que Millar não dispunha de quantas páginas quisesse para desenvolver esse quadrinho e também creio que ele confiava/confiou que alguns arcos narrativos seria melhor desenvolvidos em outros números dos quadrinhos da Marvel. Porém proponho um recorte, imaginemos que um leitor – como eu por exemplo – leu apenas a HQ de Guerra Civil ou o contrário, pois acho muito difícil que se espere que ao ler o romance um determinado leitor vá aos quadrinhos a procura de outros arcos do Guerra Civil. Se levarmos em consideração isso, veremos que o livro traz um sentido de completude muito maior do que os quadrinhos.

Vamos começar pelos contextos pré-conflito: Thor está morto. Não há grande spoiler nisso, já que a revelação ocorre no começo do romance e trata-se de uma lembrança de Tony Stark. Essa informação falta no quadrinho. Mesmo quando vemos o combate que culmina na morte do Golias e mesmo que suponhamos que Thor estivesse nos eventos que envolvem o Ragnarok não equivale a saber que ele está morto e o principal saber o quanto essa morte afeta os dois líderes que encabeçam a guerra. Como dito, para o Homem de Ferro, esta cena ocorre nas primeiras páginas. E ele se responsabiliza pelo acontecido. Há um dado momento no qual Tony assume que pouco poderia ter feito para evitar a tragédia, porém admite que Os Vingadores deveriam ao menos ter tentando ajudar. Steve Rogers também se culpa pela morte do Thor e faz com que a morte de Golias se torne sua responsabilidade também, pois, segundo ele próprio, caso interviesse no Ragnarok e o Deus do Trovão verdadeiro ainda estivesse vivo talvez Golias também ainda o estivesse.

Outra morte que pesa na consciência de ambos é da Nick Fury. Aqui temos a primeira contradição entre o livro e a HQ. No romance, Fury está morto, no quadrinho está desaparecido. Como a morte ocorreu é obscuro em ambas as mídias, no entanto as consequências da morte pesam no ombro de ambos os heróis. A ausência do líder da Shield é sentida em vários momentos: desde as decisões arbitrárias que a Maria Hill toma como chefe da Shield até uma responsabilidade moral entre Steve e Tony. Para Rogers, a morte de Nick Fury é uma mescla de culpa e confiança. Confiança, pois os local que os rebeldes escolhem como quartel-general foi dado ao Capitão América por Fury o que implica uma possível antecipação de Fury quanto aos fatos ocorridos na Guerra Civil (?); culpa, visto que Rogers também se questiona se poderia ter impedido a morte dele. Para Stark, por um lado, a ausência permanente de Fury indica que agora os heróis estão por conta própria e que precisam, por isso, serem responsabilizados por suas ações; por outro lado, sem esse “mentor” para consultar, faz com que Tony se questione mais e em vários momentos ele suplica para estar tomando as atitudes corretas.

Se no quadrinhos me senti levado a torcer pelo Capitão América, no livro sou #TeamIronMan sem pestanejar! Tony Stark está sempre preocupado em minimizar os dados que qualquer conflito causado pelos heróis possa chegar aos civis. Em vários momentos existem embates entre ele e Hill para que não só o herói seja capturado com “dignidade” como também que nenhum civil seja ferido ou morto no processo. Os treinamentos não são apenas expositivos, como no quadrinho, são reais e efetivos. Há um conflito da equipe do Homem de Ferro com um robô-cópia-do-doutor-destino que mostra de forma concreta o que significa as consequências da lei de registro. O inimigo é incapacitado – com direito a cordão de isolamento da Shield – sem prejuízo as pessoas ou as construções.

Outro ponto positivo a respeito do livro é a mudança de perspectiva. Escrito em 3ª pessoa o romance nos faz transitar por diferentes personagens. Ora estamos com Homem de Ferro e compartilhando de seus pensamentos e angústias, ora estamos com o Homem Aranha, Ora com o Capitão América… e o autor é competente ao fazer-nos acreditar que agora a história é guiada por outro personagem. E é através desta perspectiva que conhecemos mais profundamente um dos personagens singulares deste trama: o Homem Aranha. O Amigo da Vizinhança, seja no quadrinho seja no livro, é peça fundamental no arco de Guerra Civil. É importante vê-lo como um garoto tímido e deslocado dentro dos vingadores, afinal de contas ele está ocupando o lugar do Thor e isto dá um peso completamente diferente ao personagem. Se no primeiro momento Peter Parker é quase um bibelô nas mãos de Tony Stark, o ponto de virada em seu arco é muito mais profundo e complexo. Diferente dos quadrinhos, Peter e Mary Jane não estão juntos. Ao tomar a decisão de revelar ao mundo sua identidade-secreta apenas Tia May está ciente. Mesmo aqueles pouco familiarizados com os quadrinhos sabem das dificuldades financeiras que Peter sempre viveu, daí sua decisão de se juntar aos Vingadores e, em decorrência disso, apoiar Homem de Ferro, garantirá uma série de regalias, dentre elas financeiras, que Peter não está acostumado.

Ao decidir debandar para o lado do Capitão América implica permitir que Tia May se torne alvo dos super-vilões (e alguns deles trabalham para a Shield agora!). Dessa forma, ele se sente obrigado a procurar a mulher de sua vida para que ela possa fugir com sua tia para um lugar que nem mesmo Peter saiba. Toda essa complexidade, uma situação limite que coloca Peter Parker e Mary Jane frente a frente, não está presente na HQ. Eu poderia enumerar diversas outras cenas e situações que não constam nos quadrinhos e que, para mim, deixam o arco deste muito superficial como se toda a história fosse uma mera desculpa para que os grande heróis se conflituassem.

Mas o livro é só elogios? Longe disso. O estilo de Moore funciona na construção dos personagens, mas deixa muito a desejar nas cenas de luta. Descrito de uma forma pouco fluída, os combates não possuem empolgação. Mesmo já sabendo das conclusões de cada embate, tendo em vista que li a Graphic Novel antes, sentia as engrenagens da narrativa enferrujarem nestes momentos.

Fora que havia passagens que o autor fazia questão de mostrar a sua presença no livro. Moore quebrava a narrativa para marcar a sua presença como contador daquela história. Em mais de um final de capítulos, frases do tipo “… e ele não imaginava que os seus problemas só estava começando!”. Não há necessidade deste tipo de construção que são características dos folhetins que precisão criar “ganchos” para que o leitor fique desejoso da continuação, já que vou virar a página e lá está o restante do texto, fora que mesmo que seja utilizado com a intenção de impulsionar a leitura o autor falha novamente, pois as frases são no nível das escritas acima. Elucidando com um autor que consegue fazer habilmente o término de um capítulo tornar-se a leitura imediata do próximo é Dan Brown. Ao concluir qualquer capítulo de seus livros é quase impossível resistir ao próximo o que ocorre de maneira natural sem frases prontas que simplesmente mostraram que o autor parece saber mais do que o leitor.

Para finalizar compartilho que Guerra Civil foi uma forma completamente diferente de ler para mim. E não falo de ler quadrinho e livro, ou seja, não me refiro ao formato, mas ao suporte. Além de possuir o livro físico também adquiri o e-book e como possuo o aplicativo do kindle no meu tablet e celular pude, de certa forma, ler o livro em todos os momentos. Quando estava na rua levava o livro físico comigo, quando estava em casa lia através do Kindle, quando minha esposa estava dormindo e necessitava apagar a luz continuava a leitura no tablet e houve uma ocasião que passei a manhã e quase toda a tarde no médico e prossegui lendo no celular. Como os aplicativos sincronizavam com o eReader sempre continuava a leitura da página de onde parara. E daí evidencio uma falha no ebook de Guerra Civil: o capítulo 25 foi suprimido em formato digital e só descobri a falha quando já estava próximo do fim do livro e percebi que uma cena específica do quadrinho não havia sido retratada. Ao estranhar a ausência, recorri ao livro físico e percebi o erro.

Sabendo que existem pessoas que leem exclusivamente no formato digital é importante que as editoras revisem o material para este tipo de falha não ocorra. O e-book é uma opção de leitura. Não esqueçamos disto. Levando em consideração que a editora fez uma edição especial física deste romance, é necessário que se tome um cuidado especial com o formato digital e não apenas com o físico.

Guerra Civil de Stuart Moore é uma excelente aula de como trabalha o conflito entre personagens e mostra como um romance pode e deve ampliar o arco narrativo destes para que tenhamos uma visão mais macro da história. Apesar de não possuir cenas de batalhas épicas aprofunda o arco dramático dos seus heróis dando mais peso para as decisões que ambos os lados tomam. Se você é um aficcionado por quadrinhos ler o livro vai lhe possibilitar ampliar o conhecimento que levaram ao conflito. O livro também possui algumas cenas completamente diferentes e outras inéditas se comparado com a HQ. Existem personagens que interagem de forma diferente e que, para mim, tiveram um desenvolvimentos muito mais humanos. Certa vez ouvi de um leitor que comprar quadrinhos não valia o investimento, logo para estes ler Guerra Civil é a chance de fazer um investimento seguro em um dos arcos mais importantes do universo Marvel da atualidade. Como dito acima, o romance não requer um grande conhecimento prévio sendo, muito mais do que os quadrinhos, uma obra fechada que pode ser lida de forma independente.

Avaliação:

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Guerra Civil capaTítulo: Guerra Civil

Autor: Stuart Moore

Ano: 2014

Páginas: 391

Idioma: português

Editora: Novo Século

Sinopse:

A épica história que provoca a separação do Universo Marvel! Homem de Ferro e Capitão América: dois membros essenciais para os Vingadores, a maior equipe de super-heróis do mundo. Quando uma trágica batalha deixa um buraco na cidade de Stamford, matando centenas de pessoas, o governo americano exige que todos os super-heróis revelem sua identidade e registrem seus poderes. Para Tony Stark o Homem de Ferro é um passo lamentável, porém necessário, o que o leva a apoiar a lei. Para o Capitão América, é uma intolerável agressão à liberdade cívica. Assim começa a Guerra Civil.