Em Outros Cantos seguimos Maria, uma senhora em um ônibus a caminho do sertão revivendo lembranças da última vez que esteve ali, há 40 anos. Maria foi designada para uma pequena comunidade chamada Olho D’Água para ser educadora de um povo que nunca teve acesso à educação. Ela chega antes da escola e materiais prometidos pelo vereador e já de início percebe o calor e aridez onde vive aquele povo esquecido, um lugar onde água é tesouro e quem a tem em abundância é rico, é o Dono, é praticamente Deus. O grande trabalho dos moradores de Olho D’Água é o tear, executado por toda a comunidade e Maria logo é auxiliada por Fátima que lhe ensina como tear e além disso como sobreviver.
“Encontrei ofício e família naquele canto escondido. Podia ficar, preenchida de estranha euforia, e, subitamente livre de uma espécie de cegueira frente ao desconhecido, comecei a ver cada um, cada coisa, cada movimento na sua unidade e seu sentido. Pelas mãos de Fátima cheguei ali de verdade.” – Pág. 24
Vendo pela premissa do livro, pensei que o foco seria como educar em uma terra tão escassa de suprimentos, como Maria faria para ensinar aquele povo. Porém fui surpreendida já que é Maria quem aprende, é o povo quem a ensina. Ela que sabe as letras é quem tem grande dificuldade em realizar as tarefas desde antes do nascer do sol. Com o passar das páginas vamos aprendendo os costumes, presenciando as festas e ouvindo as histórias contadas todo fim do dia. Aliás, as partes reservadas para narrar as histórias ouvidas por Maria são as minhas favoritas.
Em meio a viagem Maria compara o sertão que conhecia com o sertão de agora e além disso vemos relatos de outras terras que visitou: México, Paris, Argélia, dentre outras onde também presenciou costumes diferentes e aprendeu. O relato dessas viagens sempre tinha presente a visita de um rapaz que a olhava com olhar penetrante e sempre deixava uma lembrança que ela guarda em uma caixinha. Essas partes foram as únicas que achei que carregam um pouco de fantasia, onde Maria parece reconhecer em todos esses olhares apenas um, mas talvez seja somente a forma da autora de descrever a paixão.
Somente ao final do livro que vemos finalmente a palavra do vereador ser cumprida, a chegada dos materiais e também algo que situa o livro na linha do tempo: a ditadura. E assim gostaríamos de continuar, de vivenciar mais da vida de rica simplicidade do povo do sertão. Parece que um pouco mais de cem páginas é muito pouco.
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NOTA:
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Submarino
Autora: Maria Valéria Rezende
Origem: Brasileira
Edição: 1ª
Editora: Alfaguara
Ano: 2016
Páginas: 146
Sinopse: Numa travessia de ônibus pela noite, Maria, uma mulher que dedicou a vida à educação de base, entrelaça passado e presente para recompor uma longa jornada que nem mesmo a distância do tempo pode romper. Em uma escrita fluida, conhecemos personagens cativantes de diversos lugares do mundo e memórias que desfiam uma série de impossíveis amores, dos quais Maria guarda lembranças escondidas numa “caixinha dos patuás posta em sossego lá no fundo do baú”.
Com sutileza e domínio da narrativa, Maria Valéria Rezende vai compondo um retrato emocionante dessa mulher determinada, que sacrifica a própria vida em troca de algo maior. Outros cantos é um romance magistral, sobre as viagens movidas a sonhos.