Em 1932, Aldous Huxley dava vida ao que seria um dos livros mais influentes da história da literatura distópica. Em seu Admirável Mundo Novo, Huxley foi capaz de tecer finamente todas suas críticas possíveis à sua época, e não só isso, foi capaz também de fazer muitas previsões em função do rumo político e do progresso da ciência, como atesta em seu outro livro, de 1959, Regresso ao Admirável Mundo Novo.
Na Sociedade imaginada por Huxley, erigida sobre o lema “Comunidade, Identidade, Estabilidade” as pessoas não são mais concebidas de forma natural, pois agora são “produzidas” em massa em laboratórios, como numa linha de produção. E a massa é muito mais importante que o indivíduo.
É preferível o sacrifício de um à corrupção de muitos. (pág. 32)
Um tipo de sociedade homogênea, que despreza o individualismo, que viria a ser muito bem abordada e criticada, com conceitos intercambiáveis de “sociedade de massas” e “indústria cultural”, teorizada e desenvolvida pelos sociólogos Theodor Adorno e Max Horkheimer, ambos expoentes da célebre Escola de Frankfurt. Não é à toa que muitos professores de sociologia e mesmo de psicologia social abordem em sala não só Admirável Mundo Novo, como outras obras influentes do gênero como 1984 e A Revolução dos Bichos – ambas do escritor George Orwell.
Nesse tipo de sociedade os interesses dos indivíduos são produzidos em larga escala e o consumo desenfreado é estimulado. Entretanto, Huxley vai um pouco além e hipotetiza um mundo onde para que enfim a felicidade final fosse alcançada, os indivíduos tivessem que abrir mão do seu livre-arbítrio.
Já nos primeiros capítulos, por exemplo, o autor nos dá um banho de água fria ao tratar como normal o novo sistema de “produção de pessoas”. Sim, produção, pois é exatamente isso o que é feito. Os indivíduos são pré-determinados biologicamente e psicologicamente condicionados a adotarem um padrão de vida e perspectiva de vida que entre em conformidade com as leis e normas sociais da época. Normas e leis que estão muito distantes do que temos como padrão ético, moral e religioso hoje. Um exemplo disso é a exploração do autor sobre o tema da sexualidade infantil, neste livro, onde ela não só é privilegiada como é tida como norma padrão. O amor e a monogamia estão terminantemente proibidos, pois levaria os indivíduos a experimentarem sentimentos violentos, e pessoas nesse estado facilmente cairiam em instabilidade e ameaçariam o bem-estar social. É por isso que “cada um pertence a todos”, evidenciando que a sexualidade é liberada a ponto de o padrão normal ser uma mulher dormir com vários homens e nunca se apegar a apenas um, pois seria indecoroso.
E é aí – disse sentenciosamente o Diretor, à guisa de contribuição ao que estava a ser dito – que está o segredo da felicidade e da virtude: gostar daquilo que se é obrigado a fazer. Tal é o fim de todo o condicionamento: fazer as pessoas apreciarem o destino social a que não podem escapar. (pág. 12)
E quando o indivíduo consegue fugir a todo esse controle social? Para esses casos existe o Soma. Uma droga alucinógena que une, como dito por um dos personagens, todas as qualidades do cristianismo e do álcool – mas sem seus prejuízos. Basta meio grama de Soma para que o indivíduo deixe de se estressar e entre num torpor maravilhoso onde os pensamentos ruins jamais podem alcançá-lo.
E dentro desse mundo, que acompanhamos então Bernard Marx (não, o sobrenome igual ao de Karl Marx, o economista e também teórico insatisfeito com a ordem social vigente de seu tempo, não foi mero acaso), um psicólogo Alfa-Mais, especialista em hipnopedia (a ciência de condicionar pensamentos, às crianças, durante o sono) e sua desilusão com o mundo em que vive. Desde muito cedo recusa-se à fuga pelo Soma e aos poucos percebe e começa a questionar o mundo à sua volta. Sente-se um pária, mesmo estando dentre as castas privilegiadas, por divergir dos seus semelhantes: possui baixa estatura e é esteticamente feio; todas as características das classes mais baixas, mais especificamente Gamas ou Ípsilons, em contraponto com o condicionamento dos Alfa-Mais, que fazem deles nitidamente mais altos, mais bonitos e mais fortes.
Ps:. Correm boatos que alguém teria acidentalmente misturado álcool em seu sangue artificial, o que teria causado os “efeitos colaterais” de parecer-se com um membro de castas inferiores. Mas tudo fica no campo da especulação, nada é confirmado.
Bernard, então, consegue a aprovação de seus semelhantes (não tão semelhantes assim, como já visto) e o apreço de sua tão amada Lenina, quando consegue trazer de uma espécie de Reserva Histórica, para a civilização (para fins de estudo), um “Selvagem”. Que seria alguém mantido no que hoje seriam nossas reservas indígenas, onde ainda se preservariam os velhos costumes. Costumes pré-históricos e indecorosos para a nova sociedade, pois ainda há casamento, amor e concepção natural.
E é com a chegada de John, O Selvagem, à civilização de Admirável Mundo Novo, que o livro torna a despontar – depois de passar por um momento bem arrastado da narrativa. É nesse momento que os leitores mais incautos, que por ventura já haviam se habituado ao mundo, levam uma rasteira e por detrás dos olhos do Selvagem são colocados novamente entre o “novo” e o “velho”, e todas as suas discrepâncias. John, O Selvagem, passa a ser o elo (mais ainda que Bernard) que nos liga à sociedade distópica idealizada por Aldous Huxley. Uma vez que ele é o “filho de dois mundos”, passando a ser um “homem pré-histórico” vivendo num “mundo moderno”.
John é leitor de Shakespeare (desconhecido na sociedade civilizada, pois os livros são terminantemente proibidos por estimular pensamentos questionadores) e é completamente diferente de todos os personagens que já havíamos visto desde então. O Selvagem é mais humano, poético e completamente dramático. Seu discurso mescla-se com passagens e trechos da obra de Shakespeare e aos poucos vamos mais uma vez, desta vez juntos com ele, redescobrindo o Admirável Mundo Novo e questionando-o.
O livro, como ficção especulativa, como forma de predizer uma nova configuração política e cultural em torno do progresso científico, cumpre seu papel. Entretanto, há algumas falhas nos quesitos trama e desenvolvimento da história, mas não vou entrar nesse mérito. Como o próprio Huxley justifica, em seu prefácio escrito em 1946:
A má qualidade deve ser identificada, reconhecida e, se possível, evitada no futuro. Esmiuçar as deficiências de uma obra literária de vinte anos atrás, tentar remendar uma obra defeituosa para leva-la à perfeição que não teve em sua primeira forma, passar a nossa meia-idade procurando remediar os pecados artísticos cometidos e legados por aquela outra pessoa que éramos na juventude – tudo isso, certamente é vão e infrutífero. Eis por que este Admirável Mundo Novo sai igual ao antigo. (pág. 7)
São “defeitos”, claro, que particularmente identifiquei e que nem por isso necessariamente podem refletir a realidade. Muitos podem concordar comigo, muitos podem discordar. Paciência.
Por fim, acredito que o que Huxley mais quis enfatizar foi: até onde a ciência e a tecnologia, nas mãos dos governantes, podem ter a palavra final sobre a vida dos homens? O condicionamento psicológico e biológico, no ápice da sua precisão, entretanto, falha diversas vezes – como é atestado no livro. E quando falha, uma vez que esses destoantes (por seus motivos pessoais) escapam desses condicionamentos, conseguindo ver por trás de toda essa maquiagem, indo em direção contrária à do rebanho começam questionar tudo e todos. O que nos indica que Huxley, pelo menos àquela altura, acreditava que por trás de tudo aquilo (e tudo isso) existia (e existe), à parte, uma natureza humana. Talvez até indomável.
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NOTA:
Ficha Técnica:
Título: Admirável Mundo Novo
Título Original: Brave New World
Autor: Aldous Huxley
Tradução: Lino Vallandro e Vidal Serrano
Edição: 23ª
Editora: Globo de Bolso
ISBN: 9788525057358
Idioma: Português
Ano: 2014
Páginas: 312