“Cozinhar é só misturar um bocado de ingredientes juntos e meter no fogo!”
Pois é meu amigo. É isso aí! Aqui está um conceito que ouvi muitas vezes de um ou outro Chef de la Maison espertalhão, formado na finíssima escola do YouTube com pós doutorado em “site de culinária do Google” (e diversos artigos publicados em um app de culinária ou outro). Que preparar comida era apenas cortar o que quisesse fino o suficiente, juntar numa panela com gordura (“Quanto mais, melhor!”) e voiolá! Comida.
De maneira curiosa, este conceito se tangencia bastante com o que muita gente por aí vem achando que é escrever. Que no fim, para fazer uma história, é só você pegar todos os ingredientes que são top 10 nos mais vendidos, misturar tudo com um pano de fundo vindo chupinhado da jornada do herói (ou chupinhado de uma chupinhação) e apertar a auto correção do Word enquanto espera o resultado final brilhar nos seus olhos.
Afinal, bruxos estão em alta? Põe aí! Vampiros também? Que mal faz? Lobisomens, anjos? “Quanto mais, melhor!” Epa, mas distopia é o hype do momento. Tudo isso numa distopia, claro! Isso, sem esquecer que agora tem que ter assassinato, sexo (e certo incesto) toda hora. Pft. Óbvio, né?
Bem, vamos deixar logo isso claro: Eu NÃO SOU, nem pretendo me colocar como um escritor exemplar a ser seguido. Eu tenho problemas com prazos, questões emocionais fúteis que me abalam constantemente, sou inseguro quanto ao que produzo ou reproduzo, invariavelmente crio raciocínios que se tornam bem mais difíceis de ser seguidos/compreendidos do que deveriam ser. Não tenho um livro inteiro publicado (Só uma coletânea, aliás, é da editora Buriti, o nome é Desejos, se alguém quiser tenho aqui pra vender, baratinho viu? ;o), não sei se conseguirei publicar algum no que me sobra de vida, e acima de tudo, a questão que mais torna meus conselhos elementos fora deste Benevolente Organizador das Matérias, Sentidos e Empatias Necessárias à Sociedade Onipotente (Comumente chamada de B.O.M S.E.N.S.O) é: Eu sou chato pra c********.
Mas ainda assim, a duras penas, eu escrevo. E da mesma maneira, no entanto, com mais sucesso comercial, eu cozinho. É menos incongruente do que parece. E eu tenho umas palavrinhas para você que acredita nestas fórmulas recitadas acima, meu jovem aventureiro deste Admirável Mundo Novo das letras (ou da cozinha). E elas são:
- Você não está errado não.
- Pois é crianças. Isso é escrever. Isso é cozinhar.
- Eu só não disse que isso era fazer alguma destas duas coisas
Me aproveitando desta estranha tangente que existe entre os dois universos tão distintos, deixe-me explicar o óbvio dando uma volta do tamanho de um trem:
Hora do almoço. Sabadão. Você está faminto, trabalhou como uma mula na sexta, acordou tarde hoje, não comeu nada, sem planos de sair. Abre a geladeira: Bacon, calabresa, Picanha, Macarrão pra esquentar. Epa, o que é aquilo alí? Molho bolonhesa? Delícia. Paio? Um franguinho delícia sobrando? Ah, é isso aí mesmo. Com muito amor e carinho (e um pouco de trabalho da faca para preparar tudo nuns pedacinhos menores, ok?) você mistura absolutamente TUDO de uma vez só na panela. Não espera nem esfriar. Seu meio-assado-meio-ensopado-meio-cozido de sábado vai da panela para o prato por obrigação. Se você pudesse, ia mesmo direto é pra boca. Mastiga, mastiga, nem tanto por preguiça, Um gole de água (ou suco? Ou ****-Cola?) e plim! Tudo desceu pro seu estômago.
Ah, a satisfação!
Sim. Pode se visualizar, ali está você, estatelado no sofá, camisa levantada para não apertar a barriga, feliz da vida de comer aquela mistureba toda, e vai ficar com ela dentro de você até a próxima semana. Que delícia.
Bem, imagino que o problema já comece por aí.
Porque vai chegar a hora do jantar. E suas opções estão entre:
- Não comer nada porque você não está com fome ainda ou não quer comer (esta escolha não é lá muito saudável) ou;
- Comer alguma coisa, porque deu fome ou deu vontade de comer (dependendo de como estiver seu estômago, não é tão saudável assim do mesmo jeito.)
Isto, porque a única coisa que você tem para comer é aquela mistureba de mais cedo, lembra? O único problema é que ela está fria, um pouquinho passada e… Convenhamos… Você não aguenta comer aquilo de novo.
Este é o verdadeiro jogo, crianças. Na primeira vez que você experimenta uma gororoba, ou num momento de muita necessidade, você até pode apreciar um sabor nem tão apurado assim. Mistura o que tiver e manda brasa. O grande problema é que a maior parte da nossa vida NÃO É feita desses momentos. Pois salvo o começo de nossa vida, nós somos criaturas feitas de experiências, necessidades nutricionais e gostos. Portanto, cada vez mais nossas exigências básicas – e específicas – mudam exponencialmente.
Resumo do resumo: Você não aguentaria – e provavelmente nem gostaria – de viver comendo só um tipo de comida todo o dia, ainda mais um tipo onde você mal consegue sentir o sabor. Mesmo que fossem seus ingredientes favoritos, misturar todos eles de qualquer jeito na maioria das vezes apenas destruiria o sabor de todos.
Cozinhar – e aqui sublinho a referência óbvia a escrever – é mais do que a simples operação de pegar os melhores elementos e pôr tudo junto com uns nomes chamativos para enfatizar a ideia. É um ato que exige atenção, experimentação, carinho. Sim, você tem que ter um mínimo de sentimento por aquilo que está preparando. Cada momento exige um ingrediente diferente, cada resultado final precisa da sua combinação. Se em algum momento você pode pegar TUDO que é legal e por junto? Muito difícil, mas possível! No entanto, quanto mais elementos, mais vai precisar saber dosar cada adição, equilibrar cada experiência que aquele para quem você está servindo possa apreciar todos os sabores e emoções contidas ali, para que a experiência seja única, afetiva, real com a pessoa que foi servida e você, o autor desta delícia.
E aí? Estou falando de Escrever ou de Cozinhar?
Não importa, independe. Escrever uma coisa boa é dar ao leitor uma experiência que ele nunca teve daquela maneira que você quis passar para ele. Cozinhar mal é simplesmente criar um sabor confuso, onde quem tem contato com aquilo possa até ficar satisfeito momentaneamente, mas no fim não vai cativá-la ou motivá-la a pensar de nenhuma maneira.
Com carinho, dedicação, seriedade e muito estudo, você pode fazer ambos divinamente.