Até bem pouco tempo, quando eu pensava em livros que me deixavam tensa, o nome Stephen King era o primeiro a flutuar na minha cabeça. Mesmo hoje, eu não consigo ler dois livros do Mestre em sequência. Preciso de algumas semanas entre uma história e outra para me recuperar dos baques e das intensas “tiradas de fôlego”. Atualmente, ele divide o espaço dos “melhores momentos de tensão da Soraya” com outra pessoa. Ironicamente, essa pessoa é filho dele. Joe Hill me fisgou com A Estrada da Noite, manteve meu respeito com O Pacto, mas conquistou meu coração por completo em Nosferatu. E é sobre a protagonista desse livro – Victoria McQueen – que falarei hoje.
Para escapar do tumulto que era a relação de seus pais, Victoria costumava dar longos passeios em sua bicicleta. E foi em um desses passeios que ela descobriu seu dom: ao desejar intensamente encontrar a pulseira perdida da mãe, Vic atravessou uma velha ponte – o “Atalho” – e foi parar exatamente onde desejava. Foi também desejando conhecer alguém que explicasse o ocorrido que ela conheceu a bibliotecária Margareth Leigh, por quem soube da existência de outras pessoas com o mesmo dom. Entre elas o antagonista da história, Charlie Manx, cujo principal objetivo é recolher crianças e levá-las para a Terra do Natal, um lugar de aparente alegria eterna, onde as crianças vivem enquanto são lentamente sugadas por Manx.
Sem querer ver mais nada, fechou os olhos, ficou em pé sobre os pedais e acelerou até o outro lado. Tentou entoar uma espécie de prece cantada – quase lá, quase lá –, mas estava ofegante e enjoada demais para manter um pensamento por muito tempo. Tudo que havia era sua própria respiração e aquela estática alta e furiosa, aquela cascata interminável de som, cujo volume aumentou até uma intensidade enlouquecedora e depois aumentou mais um pouco até ela querer gritar chega, a palavra subiu até a ponta a sua língua, chega, para com isso, seus pulmões se inflaram para gritar (…)
A caótica relação dos pais e o terrível confronto de Vic com Charlie Manx, ainda na infância, deixou nela profundas marcas. Sua vida adulta é marcada por internações psiquiátricas, reabilitações para viciados e pela confusa relação com o filho (e com o ex-marido). E é justamente o filho o pilar do reencontro entre Vic e Manx. Eu poderia dizer que Nosferatu conta a história de uma mulher perturbada, viciada, de certo modo uma personagem antipática… Mas Nosferatu narra a jornada de uma mãe para se redimir com o seu filho.
– Todo mundo aqui é maluco? – perguntou Wayne, sem qualquer vergonha; aliás, ele nunca fora tímido.
– Alcoólatra – corrigiu Vic. – Os malucos eram na outra clínica.
– Então isto é uma melhora?
– Uma ascensão – interveio Lou Carmody. – Esta família é especialista em ascensão.
Vicki não tinha mais a intenção de se envolver com algum problema que envolvesse o carro de placa NOS4A2 (e, na verdade, com nenhum outro problema, se fosse possível). Mas ela sabia que tinha um filho e sentia que devia a ele algumas horas de normalidade na vida. De início, ninguém espera muito dela como mãe: sua imagem lembra muito mais a de uma irmã mais velha e briguenta. Mas quando Wayne precisa dela, quando ela é a única capaz de ajudá-lo, Victória McQueen luta com unhas e dentes para reaver o garoto, para mantê-lo em segurança.
Nessa busca ela redescobre sua própria força e confiança. Como sempre, Joe Hill não poupa seus personagens e Vicki passa por situações que testam seus limites. Ela os ultrapassa na esperança cega de impedir que Manx transforme o filho em mais uma das crianças da Terra do Natal. E, de súbito, você se pega não mais torcendo o nariz para Vicki e seus defeitos, mas roendo as unhas em desespero, desejando que dê tudo certo por favor-por favor-por favor (vocês conhecem a sensação né?). Esses dois extremos – a menina cheia de esperanças e a mulher de comportamento borderline – são muito bem desenvolvidos e fazem de Vicki uma personagem crível em um universo fantasioso. Enquanto figura materna, ela acaba remetendo a todas as boas mães do mundo: imperfeita, com pensamentos díspares sobre seu filho e sua própria capacidade em criá-lo e educá-lo, mas além e acima de tudo, uma guerreira incansável. Vale a pena dar um voto de confiança para Vic e sua moto veloz.
– Mamãe, o que houve com a moto? – perguntou Wayne com sua voz nova e suave de menino pequeno.
Vic sacudiu a moto entre as pernas para a frente e para trás; a Triumph apenas emitiu um leve rangido. Ela então entendeu e deu uma risada seca, fraca, mas sincera.
– Acabou a gasolina.