Fala galera!
Na Tirando da Letra de hoje eu queria apresentar para vocês uma das minhas letras favoritas no rock brasileiro e também umas das letras com a história mais surpreendente a seu respeito. Amor para recomeçar foi composta pelo Frejat em companhia do músico Maurício Barros e do letrista Mauro Santa Cecília em 2001 sendo a faixa título do primeiro álbum solo do cantor.
Amor Pra Recomeçar – Frejat
Eu te desejo
Não parar tão cedo
Pois toda idade tem
Prazer e medoE com os que erram
Feio e bastante
Que você consiga
Ser toleranteQuando você ficar triste
Que seja por um dia
E não o ano inteiro
E que você descubra
Que rir é bom
Mas que rir de tudo
É desesperoDesejo
Que você tenha a quem amar
E quando estiver bem cansado
Ainda exista amor
Pra recomeçar
Pra recomeçarEu te desejo muitos amigos
Mas que em um
Você possa confiar
E que tenha até
Inimigos
Pra você não deixar
De duvidarQuando você ficar triste
Que seja por um dia
E não o ano inteiro
E que você descubra
Que rir é bom
Mas que rir de tudo
É desesperoDesejo
Que você tenha a quem amar
E quando estiver bem cansado
Ainda exista amor
Pra recomeçar
Pra recomeçarEu desejo
Que você ganhe dinheiro
Pois é preciso
Viver também
E que você diga a ele
Pelo menos uma vez
Quem é mesmo
O dono de quemDesejo
Que você tenha a quem amar
E quando estiver bem cansado
Ainda exista amor
Pra recomeçarEu desejo
Que você tenha a quem amar
E quando estiver bem cansado
Ainda, exista amor
Pra recomeçar
Pra recomeçar
Pra recomeçar
A polêmica do plágio
Em um primeiro momento, os versos já pareciam familiares e facilmente se reconhecia um texto muito popular na Internet de outros tempos chamado Desejo, e creditado ao autor francês Victor Hugo. Segundo a imprensa, na época, processos por plágio foram ameaçados pelo crédito não haver sido dado ao autor. A segunda tiragem do disco corrigiu essa falha assim como o single promocional também. E com isso todo o mal entendido teria sido desfeito se não fosse por uma nova reviravolta digna dos melhores plot twists da literatura.
Desde o seu surgimento na internet eu gostava muito do texto Desejo e pela metade dos anos 2000, quando comecei a estudar francês, resolvi procurar o texto original. Não encontrei nada semelhante creditado ao autor. Teria sido utilizado algum sinônimo poético e obscuro? Eu realmente não tinha a base suficiente do idioma para expandir muito as minhas buscas, mas permaneci intrigado, Até descobrir a verdade…
O real autor do texto Desejo, na verdade “Os Votos” era o brasileiro Sérgio Jockymann e teve ele publicado no jornal Folha da Tarde de Porto Alegre em 30 de Dezembro de 1978 conforme figura abaixo.
Os Votos – Sérgio Jockymann
“Pois desejo primeiro que você ame e que amando, seja também amado.
E que se não o for, seja breve em esquecer e esquecendo não guarde mágoa.
Desejo depois que não seja só, mas que se for, saiba ser sem desesperar.
Desejo também que tenha amigos e que mesmo maus e inconseqüentes sejam corajosos e fiéis.
E que em pelo menos um deles você possa confiar e que confiando não duvide de sua confiança.
E porque a vida é assim, desejo ainda que você tenha inimigos, nem muitos nem poucos, mas na medida exata para que algumas vezes você interprele a respeito de suas próprias certezas.
E que entre eles, haja pelo menos um que seja justo para que você não se sinta demasiadamente seguro.
Desejo depois que você seja útil, não insubstituívelmente útil mas razoavelmente útil.
E que nos maus momentos, quando não restar mais nada, essa utilidade seja suficiente para manter você de pé.
Desejo ainda que você seja tolerante, não com que os que erram pouco, porque isso é fácil, mas com aqueles que erram muito e irremediavelmente.
E que essa tolerância nem se transforme em aplauso nem em permissividade, para que assim fazendo um bom uso dela, você dê também um exemplo para os outros.
Desejo que você sendo jovem não amadureça depressa demais,
e que sendo maduro não insista em rejuvenescer,
e que sendo velho não se dedique a desesperar.Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor e é preciso deixar que eles escorram dentro de nós.
Desejo por sinal que você seja triste, não o ano todo, nem um mês e muito menos uma semana,
mas um dia.Mas que nesse dia de tristeza, você descubra que o riso diário é bom, o riso habitual é insosso e o riso constante é insano.
Desejo que você descubra com o máximo de urgência, acima e a despeito de tudo, talvez agora mesmo, mas se for impossível amanhã de manhã, que existem oprimidos, injustiçados e infelizes.
E que estão estão à sua volta, porque seu pai aceitou conviver com eles.
E que eles continuarão à volta de seus filhos, se você achar a convivência inevitável.
Desejo ainda que você afague um gato, que alimente um cão e ouça pelo menos um João-de-barro erguer triunfante seu canto matinal.
Porque assim você se sentirá bom por nada.
Desejo também que você plante uma semente por mais ridículo que seja e acompanhe seu crescimento dia a dia, para que você saiba de quantas muitas vidas é feita uma árvore.
Desejo, outrossim, que você tenha dinheiro porque é preciso ser prático. E que pelo menos uma vez por ano você ponha uma porção dele na sua frente e diga: Isto é meu.
Só para que fique claro quem é o dono de quem.
Desejo ainda que você seja frugal, não inteiramente frugal, não obcecadamente frugal, mas apenas usualmente frugal.
Mas que essa frugalidade não impeça você de abusar quando o abuso se impor*.
Desejo também que nenhum de seus afetos morra, por ele e por você. Mas que se morrer, você possa chorar sem se culpar e sofrer sem se lamentar.
Desejo por fim que,
sendo mulher, você tenha um bom homem
e que sendo homem tenha uma boa mulher.E que se amem hoje, amanhã, depois, no dia seguinte, mais uma vez e novamente de agora até o próximo ano acabar.
E que quando estiverem exaustos e sorridentes, ainda tenham amor pra recomeçar.
E se isso só acontecer, não tenho mais nada para desejar”
Fonte: Folha da Tarde – Porto Alegre – 30 de Dezembro de 1978
É importante sempre questionarmos as fontes de material na internet. Outro caso conhecido é o texto “Instantes” creditado a Jorge Luis Borges que na verdade foi escrito por Nadine Stair. Temos também a profusão atual de frases feitas por Clarice Lispector e até uma frase “piada”, ilustrando essa preocupação, onde Machado de Assis mencionaria a Internet.
Depois de contar tudo isso e, possivelmente, ter explodido algumas cabeças por aí como a minha explodiu um dia, tudo que posso dizer é que desejo de todo meu coração que sejam felizes, se divirtam, aprendam e ensinem. Mudem o mundo um dia de cada vez e, se a internet deixar, ainda tenham a honra de assinar a obra no fim.
Até semana que vem comentando mais uma história rapidinha e não saiam do tom!
Rodrigo Fernandes.