por Andrey Lehnemann
Diferente de qualquer assombro kafkiano, o medo de Otávio era acordar algum dia com Verinha não sabendo porquê teria se apaixonado por ele. Nenhum amigo do casal ainda conseguia assimilar a idéia de pessoas tão diferentes soarem tão deslumbradas um com outro. Nem Otávio. Verinha era o tipo de mulher que ele imaginava nos sonhos mais loucos, porém muito longe da realidade. Mas a atração é irracional. E lá estavam os dois completando um ano juntos.
Foi ele quem tocou no assunto.
– Você já pensou que estaríamos completando um ano de namoro?
– Nunca pensei dessa forma.
– E como pensou?
– Sei lá. Aconteceu. Você me encantou.
– Mas como? Eu, por quê?
– Você deixava minhas mãos suadas…
– Falar em público também lhe deixa assim
– Não é a mesma coisa – Verinha respondeu dando risadas. Naquele momento, Otávio se lembrou porquê havia se apaixonado: o sorriso. – Você é inteligente, sensível e me faz rir. Eu precisava disso. E você estava lá. A química veio naturalmente.
Foi ela quem rompeu o silêncio.
– Por que isso agora?
– Às vezes não acredito na minha sorte. Encontrei meu oxigênio na mulher mais linda que já vi. – Verinha segurou a mão dele, observou-lhe e acrescentou: – Seus olhos. Foram eles.
Ambos seguraram aquele momento como se o tempo pertencesse a eles, fazendo com que os amigos entendessem ainda menos. Uma coisa era certa, todavia: Otávio nunca mais foi o mesmo escritor.
***
É engraçado, mas um escritor tende a ser mais incisivo, honesto e existencial quando se encontra na lama. Profissional ou pessoal. Alguns dos melhores escritores foram conhecidíssimos por quadros depressivos, maníaco-suicidas, entre outras esferas. Lima Barreto escreveu uma de suas obras-primas no manicômio. Bukowski trazia sua solidão, insegurança e aparência vulgar para seus escritos. Como seria um Nietzsche otimista? Simpatizo com que o grande Mario Quintana escreveu sobre quem passeia entre diferentes momentos existenciais: “O poeta canta a si mesmo porque de si mesmo é diverso“.