[Devaneios] Go Live

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Por Lucas Rafael Ferraz

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Mais um dia cheio. Sigo preso na sala de reuniões há mais de uma semana. O projeto errante vai e volta, avança para depois uma nova situação não prevista ser identificada e recuar novamente. Projeto tímido, com medo de ver a luz do dia. Go Live. Pode ser intimidante mesmo. Será que os bebês se encolhem no útero e tentam se esconder nas estranhas da mãe quando chega a hora do Go Live?

Possível. Não me lembro mais. Poucas coisas da infância antes de certa idade me são claras. Pouquíssimas, de fato. O que dizer da época quando tudo que conhecia era a escuridão mergulhada em líquido amniótico? Provavelmente usei muito da minha memória, desde tenra idade, com quadrinhos e livros e afins. Com um cérebro ainda em crescimento, algumas memórias tiveram que ir. E foram.

Fato é que paro bem rápido de pensar sobre essas coisas improváveis. Um ruído, seguido pelo leve tremor da mesa, me desperta por completo. Que raios acontece? Seguro a respiração e aguardo. Nada. Opa. Lá vem de novo, dessa vez mais forte. A superfície da água no copo descartável chacoalha, desenhando círculos concêntricos em movimento.

O barulho vem de cima, porém é como se o prédio todo balançasse. E o edifício em questão é novo. Novíssimo. A empresa na qual presto serviço foi a primeira a se mudar. E aqui está ele, tremendo. Penso em algum erro de projeto, alguma análise mal feita do solo, alicerce insuficiente ou qualquer coisa do gênero. Imagino o edifício se reacomodando no chão, rachaduras surgindo, e a coisa toda vindo abaixo. Seria um tremendo “Go Dead”.

Um tanto trágico, admito. Mas o que pensar ao sentir aquele improvável evento? Saio da sala, um pouco assustado, esperando ver mais pessoas com preocupação estampada no semblante, porém não é o que encontro. Todos parecem calmos. Trabalham como sempre, seguem na labuta sem preocupações alheias às obrigações diárias.

Não vêem o perigo? Se é que há perigo. A despeito do marasmo que se apresenta no escritório, eu ainda não estou satisfeito. São tantas construções, e tantas maracutaias que vazam na mídia. Prédios construídos em solo contaminado ou impróprio, com estrutura insuficiente, com falhas de projeto. Mesmo o melhor e mais moderno empreendimento de negócios pode sofrer as mazelas de construtoras apressadas prometendo prazos irreais a investidores, e entregando como podem, apesar de os problemas muitas vezes serem conhecidos até dos engenheiros.

Enfim, o episódio prova-se não ser nada além de uma empresa farmacêutica em mudança para o andar de cima. Arrastam móveis, me diz a moça de facilitiesOk, penso eu. Móveis pesados esses, para tremer o andar debaixo todo. Segundo ela me informa isso já vem acontecendo há alguns dias. Eu só notei agora.

Talvez também arrastem equipamentos. Modernas máquinas usadas para pesquisas e desenvolvimento de novos medicamentos. Possivelmente até mesmo drogas para gestantes e seus bebês. Algo completamente oposto ao cataclismo exagerado que eu imaginei, com morte e destruição. Retorno a sala de reunião considerando que talvez a empresa acima torne mais fácil o Go Live de muitos, menos do meu amedrontado projeto.

 

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