Por Andrey Lehnemann
Um dos momentos mais significativos que tive na faculdade de jornalismo foi a discussão sobre o papel da mulher na mídia. Não era algo ligado ao curso, entretanto, mas uma trivial discussão de amigos. De um lado, eu afirmava que o papel da mulher, ainda dividida em gêneros no jornalismo, era bastante escasso em horário nobre e seu valor era na maioria das vezes interpretado por sua aparência; noutro, o amigo insistia que elas ganharam o espaço pretendido por tantos anos e a luta deveria parar.
Antes de crucificar o jovem com poucas palavras, vamos aos argumentos.
Com poucas exceções, as jornalistas que hoje são apresentadoras de jornais de canais da televisão aberta apresentam certo protótipo. São “produzidas” para serem assim. Há algum tempo, por exemplo, uma apresentadora necessitou perder peso e se adequar ao que o “público” esperava: era isso ou nada. Ela se submeteu ao duro processo estético que os chefões – homens, claro – requisitavam por não haver outra alternativa na realidade imediata. Isso não é incomum. Não à toa, alguns anos atrás, uma apresentadora de uma grande rede de televisão foi colocada para escanteio por não ter o perfil jovem que o programa queria. Outra jornalista menos experiente e carente de talento (como inúmeras entrevistas já apontaram), mas jovem e bonita, serviu como apelo sexual para ganhar o público adolescente, culminando no auge da mulher utilizada como objeto sexual em horário nobre. E não é exclusividade de um canal ou outro, mas algo que está intrínseco ao cultural brasileiro e se tenta apagar com seletivos e indiscretos elogios, que apenas acabam apontando para o machismo. Dias atrás, um familiar tratou de ridicularizar uma jornalista pela falta de maquiagem e por sua face, segundo ele, lembrar a de um esquilo. Uma das jornalistas mais talentosas do país, mas denegrida por não corresponder as expectativas masculinas, onde já vimos esse filme antes?! Ou, melhor, quando utilizamos isso para atacar a imagem de algum âncora da televisão brasileira? Quando o ridicularizamos por estar acima do peso, calvo ou sem maquiagem o suficiente? Rebaixamos a mulher, novamente, ao que o homem espera ou necessita dele. E, assim, tornamos a sua luta mais pertinente do que nunca.
É doloroso, mas não surpreendente, observarmos que há quem trata o dia internacional da mulher como uma data em comemoração ao gênero. Que se esquecem do massacre de 130 tecelãs que foram queimadas durante uma greve. Claro que muitas coisas mudaram de 1857 para cá, mas o bastante? Como deixar de esquecer as dicas para evitar estupro que alguns políticos propuseram? Lembrando-nos que as mulheres ainda são tratadas como diferentes ou estranhas na nossa sociedade e que, vejam só, precisam saber como se comportar. Onde está a evolução? Nas nossas leis ou nos nossos pensamentos e corações? E que leis? Precisou ser criada uma lei com o nome de uma mulher vítima de violência doméstica para impor limites. O estupro ainda é olhado com desconfiança. E há aqueles que ainda veem com maus olhos ou com gracejos a vida sexual de alguma popstar do momento.
Vivemos um período estranho e perigoso. Um instante em que a Espanha realiza filmes nostálgicos quanto aos seus velhos “heróis” e conquistadores, onde uma atmosfera de guerra entre a Rússia e os EUA volta a nos amedrontar, período em que uma grande crise ronda a União Européia pronta para soprar o castelo de cartas fragilizado que segura os dois extremos. Época em que a agressão a bandidos no meio da rua é vista com bons olhos por uma sociedade que se diz de “bem”. Ou em que grupos homofóbicos e misóginos continuam a tentar ceifar o direito de outros seres humanos. E em que marchas a prol de famílias específicas, pelo orgulho hétero (!?) e contra um golpe comunista inundam nossas ruas. Pensem bem antes de proclamar uma grande evolução dos nossos tempos mais sombrios, pois não é o que vemos em nosso dia a dia.