Para aqueles que olharam com estranhamento o título do post algumas informações prévias: a editora Tarja foi uma das editoras independes que nasceram ali no início dos anos 2.000 junto com a chamada terceira onda da ficção científica nacional, depois dela outras editoras que conhecemos hoje começaram a aparecer pelo país como a Draco, Ornitorrinco, Lry entre outras. Essa mudança aconteceu pela própria possibilidade do mercado de fazer impressão de livros por demanda e das próprias livrarias de não necessitar do livro físico na sua loja (como bem deixou claro o Erick Santos editor da Draco numa entrevista aqui no CabulosoCast).
Neste sábado, 02 de novembro, Richard Diegues, editor da editora Tarja, declarou o fim da sua editora. O susto de muitos pelo acontecido repentino, foi acometido pela cautela, pois a falência da Tarja abriu uma ferida e expôs mazelas e fragilidades do mercado editoral nacional.
[…] também deixo meus votos de que continuem aparecendo “autores” e publicações de grande nível profissional, tais como os que temos visto ultimamente no mercado; e, por fim, que as “livrarias” continuem nesse trabalho digno e honrado, onde não se vendem (e baixam as calças) às grandes casas editoriais, e ainda valorizam os autores que tudo fazem para divulgar seus trabalhos dentro de seus ambientes, atraindo público e gerando boas repercussões para cada loja (que por sua vez tem sido maravilhosas com seus pagamentos aos editores que deles dependem).
Assim, declarou ironicamente Diegues, na sua página do Facebook. E pouco tempo depois Marcelo Amado da editora Estronho postou isto no seu próprio facebook:
Infelizmente muitos, mas muitos autores (em alguns casos, nem podemos chamá-los de autores) acham que são especiais e que as negativas recebidas são uma afronta, uma injustiça. Em alguns casos, até pode ser… ninguém é dono da verdade, ninguém é perfeito e as editoras também podem errar, mas a verdade é que a maioria dos casos é de gente com boa vontade para escrever, mas sem criatividade ou originalidade, ou que apenas precisam melhorar um pouco mais.
Muitos autores nem fazem por mal, mas por ingenuidade, pela ansiedade em ver seus trabalhos publicados para mostrar para os amigos e família. Grande parte nem sabe das cachorradas que rolam nos bastidores, de editor tentando pegar autores das maneiras mais sujas, ou das falsidades nos eventos… nego sorri para você, e quando vc vira as costas, detona seu trabalho e até a sua pessoa. Depois vem, na cara de pau, te chamar para participar de seus eventos literários, para ganhar uma graninha em cima dos seus livros.
Ao ler isto, fiquei pensando como pouco conhecemos o mercado literário no Brasil. A Tarja foi uma editora pioneira no mercado nacional de literatura fantástica. Ela foi responsável por trazer novos temas da ficção especulativa para o mercado como o Steampunk e o New Weird; além disso também trouxe novos autores antes conhecido no restrito universo do fandom para o grande público, nas palavras de Ana Cristina Rodrigues em seu facebook:
[…] Lançou principalmente novos autores – se forem ver, o grosso da sua produção foi centrada na assim chamada ””””’Terceira Onda””””””, e trouxe temas novos, como o New Weird e o Steampunk. Foi pioneira, entre as pequenas e médias surgidas do fandom, em trazer autores estrangeiros, sendo responsável pelas publicações de Ekaterina Sedia, China Mieville e Jeff VanderMeer no Brasil.
Desconhecia que havia autores que ainda ficam sentados a espera dos números e do sucesso. Desconhecia que as livrarias não honravam seus contratos com estas editoras. Desconhecia que enquanto há um grupo de pessoas trabalhando para transformar isto num mercado, exista um outro que parece trabalhar arduamente para que ele continue a ser um nicho. Por uma fonte que não posso nomear ainda, pois seu conteúdo não está no ar, fiquei conhecendo um pouco mais sobre esse universo das livrarias onde muitas delas ficam com 50% do preço de capa, enquanto os demais 50% ficam para a editora não como lucro, mas para custear os demais processos para a produção do livro dentre eles a impressão e o marketing (só para mostrar dois dados bem paralelos um do início e o outro do fim da feitura de um livro).
Neste anos trabalhando no LC, através do contato com autores já soubemos de outras mazelas como editoras que não entregam os livros comprados – já aconteceu comigo -, autores que não recebem sua ínfima parte da venda dos livros… e é de uma ironia sublime que exatamente quem consegue honrar seus compromissos é quem fecha as portas? Não só parece injusto como acaba soando como uma piada de mal-gosto. Faço das minhas palavras mais uma vez as palavras de Amado:
E por que pode acontecer, se elas fazem um trabalho bom e honesto?
Na boa? Porque elas não passam por cima de ninguém com um trator para publicar suas obras. Porque elas não prometem um mundo mágico aos seus autores e sempre mostram a real para cada pessoa que tenta publicar. Mostram aos autores que seus textos ainda precisam melhorar, precisam ler mais, estudar mais, antes de serem publicados. Dizem NÃO quando precisam dizer. Porque não publicam autores apenas porque eles possuem um grande número de amigos e podem vender para garantir os custos e quem sabe, até um lucrozinho no final.
Como disse mais acima não conhecia o mercado nacional e fiquei até com medo de uma avalanche de editoras independentes fechando. Uma ferida mesmo que cicatrizada fica visível é uma marca que não se apaga com o tempo. O fechamento da Tarja tem o mesmo efeito. Expõe uma ferida que muitos julgavam não existir e que mesmo ao fechar será um incômodo permanente, já que sempre que alguém lembrar do nome da editora Tarja lembrará também destes pontos que foram apontados, como uma cicatriz.