Por Vinícius Veríssimo
Ainda prefiro aquela minha antiga maquina fotográfica que imprimia a foto pouco depois dela ser tirada, eu fazia as anotações na parte traseira da foto, era muito mais prático, mas como elas já estão quase extintas o jeito vai ser usar essas tais “câmeras digitais”. Tenho que tirar a foto, copiar aquele nome/código esquisito e depois fazer as anotações numa folha separada, pensei que a evolução da tecnologia viria para ajudar e não para atrapalhar ainda mais.
Nikon_3_4_2012_ ph00124.jpg – 6:50 – Uma mãe negra, aproximadamente 1,70m de altura, cabelo liso, veste uma blusa branca, saia jeans e sapato laranja fluorescente (acho que não combina). Filho também negro, aproximadamente 1,20m de altura, cabelo raspado, veste um uniforme de escola, branco e azul. Carrega nas costas uma mochila do Batman e na mão direita, uma lancheira do Homem-Aranha. Ambos sobem a rua, do ângulo do meu apartamento.
Nikon_3_4_2012_ ph00126.jpg – 8:01 – Um homem caucasiano, aproximadamente 1,85m de altura, cabelo curto, veste um terno preto com uma gravata vermelha, carrega uma maleta na mão esquerda. Ele corre descendo a rua, do ângulo do meu apartamento. Provavelmente atrasado para o trabalho.
Não me arriscar muito no mundo exterior é uma tarefa difícil. Bem que eu queria sair mais, mas poderia ser perigoso para mim e para as outras pessoas.
Nikon_3_4_2012_ ph00130.jpg – 12:00 – Uma idosa de pele alva, não tem como saber a altura, cabelo totalmente grisalho e enrolado em um coque, veste um vestido branco e com flores azuis, verdes, vermelhas e uma laranja (provavelmente uma vermelha que desbotou), quebrando toda a simetria e harmonia. Está sentada num banco da praça e lê um livro: Dom Casmurro – Machado de Assis (não gostei muito quando o li na escola).
Minha família me deixou. Foi melhor para nós, disseram que iam trazer ajuda, mas isso já faz um tempo.
Alguém está batendo na porta, deve ser a ajuda. Não aparece alguém aqui há um ano.
Nikon_3_4_2012_ ph00133.jpg – 15:32 – Um homem branco, aproximadamente 1,80m de altura. Usava um chapéu antigo, mas provavelmente era careca. Vestia um terno totalmente preto. Ele disse que tinha um projeto do governo para me entregar. Foi aí que o excluí.
Eu acho que realmente preciso de ajuda.
Nikon_3_8_2012_ ph00140.jpg – 6:50 – A mesma mulher negra e seu filho apareceram. Já é a quinta vez que os vejo e no mesmo horário. Uma mulher não usa a mesma roupa por cinco dias seguidos, mesmo que seja para levar o filho à escola, além do mais, nunca os vi voltando. Excluídos.
Nikon_3_8_2012_ ph00145.jpg – 8:02 – O mesmo homem de terno corre descendo a rua. Poderia até ser um deles, mas dessa vez ele está com o terno todo amassado. Segura o celular numa mão e a maleta na outra e ainda tem uma mulher seminua correndo atrás dele para dar-lhe um último beijo, provavelmente passou a noite com a amante. Não está excluído por enquanto.
Eu até saio um pouco. Vou até o outro lado da rua. Compro pães na padaria e outras comidas no supermercado. Não trabalho. Ainda tenho um dinheiro que a minha família deixou.
Nikon_3_8_2012_ ph00147.jpg – 11:58 – A mesma idosa está sentada no mesmo banco, mas agora está com outra roupa e outro livro, Harry Potter, que velhinha eclética, adorei o primeiro livro, mas não gosto muito de sequencias, elas adiam muito o final. Não está excluída por enquanto.
A ajuda não chegou hoje, espero que chegue amanhã.
Nikon_3_9_2012_ ph00150.jpg – 6:50 – A mulher negra e seu filho apareceram, mas agora estão descendo a rua. Você não vai conseguir me enganar desse jeito.
Nikon_3_9_2012_ ph00158.jpg – 11:30 – O homem bem vestido está sendo chutado para fora do apartamento a tapas e pontapés por duas mulheres, a de vermelho já conheço, deve ser a amante, a outra, de preto, deve ser a mulher dele. Uma pessoa chamou a polícia e os médicos, daqui a pouco devem estar chegando.
Nikon_3_9_2012_ ph00163.jpg – 12:00 – Essa foi engraçada e em seguida trágica. A velhinha estava indo para o seu banco de sempre, mas lá havia dois namorados se pegando fortemente. A idosa parou no meio da rua, de tanta raiva que sentia, e foi atropelada pela ambulância que vinha socorrer o homem bem vestido. Realmente trágico. Nenhum deles está excluído.
Alguma coisa me diz que é hoje. Eu vi uns homens de branco rondando o prédio, devem ser médicos.
Alguém está batendo muito forte na porta, parece que vão arrom…
— Parado! Polícia!
— Ãham! Sei! Deixa-me só tirar uma foto? Prontinho!
— Prendam-no!
— Calma aí! Eu só…
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3…2…1… No ar!
Na tarde do último sábado um homem com graves problemas psicológicos foi encontrado no Bairro Sonhos, que está com ordem de destruição há três anos, por esse motivo todo o local está abandonado há dois anos.
Em uma coletiva de imprensa o Dr. Hermeto Braga, psicólogo forense, deu mais detalhes sobre o homem achado.
— Ele se chama Carlos Alberto e foi encontrado no Edifício Liceneu, vizinho à Praça Boa Esperança. O indivíduo em questão foi diagnosticado por mim como esquizofrênico. Em seu apartamento foram encontradas várias pilhas de lixo, a maior parte de pão estragado e mordido, além de várias fotos coladas pelas paredes do local, cada uma continha uma descrição detalhada de pessoas que estavam nas fotos, ou pelo menos deveriam estar, pois elas só apresentavam imagens da rua vazia ou do próprio apartamento, também vazio.
— José Goulart, do Globo Diário. Doutor, o individuo sabia que tinha a doença?
— Infelizmente não, mas ele já sabia que tinha algum problema. Ele desconfiava que as pessoas que via não eram reais, por isso as fotografias. Ele registrava várias pessoas em seu cotidiano e quando desconfiava que não eram reais as ignorava.
— Gustavo Severino, do Jornal Urgente. Há quanto tempo ele vem tirando essas fotografias?
— Os registros começaram há quatro anos.
— Leandro Laerte, do Psicoblog. Gostaria de saber como o individuo recebeu a notícia sobre a doença.
— Foi complicado. Até que ele se desse conta de que nunca houve ninguém em suas fotos e de que ele nunca foi casado ou teve um filho… Foi um processo lento e emocionalmente doloroso. Uma coisa difícil para um paciente esquizofrênico não é distinguir a realidade da ilusão, mas sim aceitar o fato de que as suas melhores lembranças nunca aconteceram… Fim da coletiva.
— Doutor! Doutor! Doutor! Doutor!