Um das vozes mais expressivas da poesia contemporânea lança luz sobre a matéria, o fazer poético e o que mais circunda essa arte. Paulo Leminski, poeta curitibano (24 de agosto de 1944 — Curitiba, 7 de junho de 1989), põe em cheque nossa velha mania cartesiana e burguesa – típica do pensamento racional contemporâneo – de mensurar e qualificar todas as coisas, inclusive na arte; mais especificamente na poesia.
Escrevo. E pronto.
Escrevo porque preciso,
preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece,
E as estrelas lá no céu
Lembram letras no papel,
Quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter por quê?(Paulo Leminski – Razão de Ser)
A poesia é expressão máxima do espírito primitivo humano, aquele que é livre em sua essência e raiz primeira – o mesmo espírito cantado pelos poetas beatniks, de forma quase bacante. Desse modo, não é preciso que se explique a poesia para que ela tenha um sentido intrínseco e completo, pois é ela liberdade – ou mais: libertinagem, anarquia pura. E anárquicos são nossos sentimentos, a linguagem do corpo e do coração – que foge às mais esquemáticas das racionalizações. Não se explica totalmente os sentidos do ser, pode-se chegar a uma aproximação, no máximo. E assim é a poesia – uma vez que é ela expressão máxima do sentir: inexplicável.
E para que a poesia soe pura e límpida em nosso íntimo é necessário que estejamos límpidos e puros, esterilizados contra os germes da mediocridade estéril que o mundo vomita sobre nossas pernas. A poesia brota e jorra com facilidade imensa ainda em nossos anos primeiros de existência, pois nossa condição interna a isso nos permite. Passado algum tempo, o mundo nos corrompe e a poesia se corrói junto a isso. Por isso a precisão de um status quo da alma.
esse medo de ser o que eles são:
mortos.pelo menos eles não estão na rua, eles
têm o cuidado de ficar dentro de casa, aqueles
malucos que se sentam sozinhos na frente de suas tvs,
suas vidas cheias de enlatados, riso mutilado.seu bairro ideal
de carros estacionados
de pequenos gramados
de pequenas casas
as pequenas portas que abrem e fecham
quando seus parentes os visitam
durante as férias
as portas se fechando
atrás do moribundo que morre tão devagar
atrás do morto que ainda está vivo
em seu tranquilo bairro de classe média
de ruas sinuosas
de agonia
de confusão
de horror
de medo
de ignorância.um cão parado atrás de uma cerca.
um homem silencioso na janela.
(Charles Bukowski – Olá, como você está?)
Uma atitude quase heroica e suicida nos nossos dias desleais ir na contramão da maré. Mas, é exatamente isso que vai nos salvar. É preciso continuar acreditando na força potencial dos versos assim como se acredita em milagres, a despeito da ciência. É preciso acreditar na poesia da vida inteira, para que ela se inteire à nossa vida. É preciso fazer poesia de alguma forma. Assim ela poderá sempre nos refazer.
Poetize!