Paulo olhava atentamente para Rafael como se a vida do amigo dependesse disso e buscava consolá-lo com os clichês mais conhecidos do mundo literário, mas isso não parecia o bastante e procurou encontrar outro caminho:
– Mate-se.
– Como?
– Mate-se.
– Mas, eu não o entendo. Os amigos não deveriam ajudar quem pretende atentar contra a própria vida? Sei lá, convencê-lo de alguma forma, provar que vale a pena estar vivo e mostrar fatos que sustentem essa sentença? Era para você lutar por mim.
– Não quero.
– Err, mas, mas…
– Por que você iria querer viver?
– Ora, há muito para o que ser feliz.
– Ué, como o quê?
– Vai dizer que nunca percebeu como é a sensação de consolar uma pessoa que está na pior? O flerte com a colega no trabalho que você mais aprecia? A finalização de uma matéria ou pauta que você lutou muito? O sábado ao lado do casal de amigos que você não imaginava vivendo sem ou o grupo de pessoas que o ajuda a passar pelos momentos conturbados que você enfrenta no decorrer da semana só por você estar com eles em uma rodinha de bebida durante uma noite despretensiosa?
– Continue…
– Quando você consegue descobrir alguém que quer ficar com você, eliminar o vazio sentido durante meses, o primeiro momento em que se vê apaixonado, o sexo, as conversas sobre o mundo com pessoas próximas, os contornos alaranjados que o dia vai ganhando no momento em que olha o sol se pôr da sacada de sua casa!?
– O que mais?
– Sei lá. Aquela amiga que você sentia que não gostava de você, mas que agora passaria horas apenas olhando para os contornos de seus cabelos. Os amigos da faculdade. A primeira vez que você conhece a pessoa que você sempre admirou e surpreendentemente começa a ter um relacionamento com ela. Trocam e-mails, comentários, elogios e críticas construtivas. Conservam os belos momentos que tiveram juntos, antes de se separar. A sensação jovial de viajar para algum lugar sem muito no bolso e experimentar coisas novas, desconhecidas, que beneficiam ainda mais nossa formação. O abraço de quem ama você. A sensação de ver uma criança perdida reencontrando o pai. O garoto que volta a acreditar em contos de fadas por alguns minutos. O pai que não contém o choro de orgulho de um filho. Há várias coisas que faz valer a pena estar vivo. Confio que sabemos quais são, e que elas ofuscam os maiores males.
– Então, obviamente você deve ter um belo motivo para ter iniciado essa conversa, correto? Não seria apenas pelo relacionamento entre você e Soraia não ter dado certo.
– Apesar de médico, não conheces os anseios e temores de cada coração, Paulo. Você lembra o que Machado dizia? “O coração é o relógio da vida, quem não o consulta, naturalmente, anda fora do tempo”.
– Tem razão. O que pretende fazer? Usar um revólver?
– Por que está fazendo isso?
– Não, muito caro – persistiu Paulo. – Talvez nem tanto, mas teria que fazer testes, o período é de desarmamento e arranjaria somente de forma ilegal. Outra: a forma como morrer. Na banheira seria um pouco cruel demais. Já vi casos de pessoas eletrocutadas e não é agradável. Sensação bem indigesta. Caso a arma não tivesse sido descartada, um tiro no coração seria bem simbólico, não?! Lembraria Vargas. “Lutei enquanto pude, mas dessa situação não consegui me afastar. Os inimigos finalmente me venceram!”. Hein?!
– Não estou entendendo, Paulo.
– Espere! Uma corda talvez seja a grande solução. Fácil de achar, barata e só se preocuparia com o bilhete para deixar. Ou não quer bilhete? Sem bilhete? Uma saída fácil e rápida?
– Deve ser o pior amigo para quem eu fui trocar essas confidências.
– Só estou tentando ajudar. Nem sugeri para você pular de algum lugar alto, por exemplo, pois há chances de paralisia posteriormente.
– Ok, esquece o que lhe falei. Estou bem. Não vou me matar. A lucidez voltará com a vivência de mais horas. Se não passar, volto a falar contigo e preparamos o grande evento.
– Fechado – finalizou Paulo.
***
Após uma vida, Paulo Telles contemplava aquele grande complexo celestial suspirando um sorriso emocionado. Admirava cada extensão que via: os pilares gigantescos, os círculos de amigos e pensadores que discutiam histórias passadas, uma grande fonte que ficava na região central do local, onde as pessoas se serviam à vontade. Lá encontrou um velho conhecido.
– Rafael, grande amigo. Há quanto tempo?
– Mais de vinte anos.
– Pois é. Saudades de você. Como estás, tudo bem?
– Sim. É bom o reencontrar. Porque realmente preciso de sua ajuda: estou tentando voltar.