Autora: Georgette Silen
Editora: Giz Editorial
Origem: Brasileira
Edição: 1ª
Ano: 2013
Páginas: 632
Skoob
Sinopse: As surpresas de Lázarus não terminaram com as incríveis revelações ou com a fuga alucinada de Laura, obrigada a se separar daqueles que ama e sacrificar sua felicidade. Ao contrário, em Panaceia a história ganha um fôlego intenso, repleto de enfrentamentos, conflitos e decisões dramáticas. Nesta emocionante continuação da saga, descobrimos como o sangue pode conter tanto vida quanto maldição e que a busca pela cura é ao mesmo tempo arma e bênção. A narrativa saborosa faz de Panaceia uma história que vai acelerar a pulsação daqueles que ainda a possuem, enquanto os conduz a uma viagem por lugares fantásticos e paisagens deslumbrantes. Uma incursão deleitosa por mitos e crenças diferentes que envolverão o leitor, prendendo–o numa verdadeira teia de ações e palavras, aliada a personagens envolventes e cheios de mistérios.
Onde comprar? Loja – Giz Editorial.
Análise:
O romance resenhado é o volume dois de uma saga, portanto recomendo a leitura da análise do volume um: clique aqui.
Mantendo a mesma estrutura de enredo usada em “Lázarus”, Georgette Silen não deixa a intriga perder força no Livro II da saga e engradece a narração com um tratamento mais minucioso do texto, algo que pede uma atenção maior do leitor às entrelinhas. Há algumas reflexões subjacentes à história de “Panaceia” que mostram a nobreza de que é capaz a fantasia, o que lança por terra os argumentos falaciosos daqueles que bradam que ela é uma manifestação infantil ou de baixa qualidade da literatura. A sensação desde o começo da leitura é a de que não houve qualquer espécie de corte entre “Lázarus” e esta sequência, pois a contagem das partes (livros) prossegue: Livro Quatro (Jornada), Livro Cinco (Encruzilhada) e Livros Seis (Destino). Além disso, o fio da trama não é perdido e os seus movimentos tecem novos horizontes surpreendentes que complementam e expandem tudo o que foi feito anteriormente, ou seja, a escritora preza pela verossimilhança.
O prólogo é um golpe pungente de suspense na mente do leitor e ótimo aperitivo para a fome literária, curtíssimo e intenso. Depois, embarcamos rumo ao cerne do livro. No começo, relembramos um pouco a Laura hesitante de “Lázarus” que relutava em aceitar o mundo fantástico do qual progressivamente ganhava conhecimento, contudo esse primeiro contato com ela é brevíssimo. Em seguida, ocorre um retrocesso no tempo e conhecemos Nelson, um novo personagem que terá uma importância bastante significativa nesse volume da saga. Nelson é um mestiço (meio-vampiro) que desconhece a sua real natureza e origem e parte em uma jornada à procura de sua identidade e nesse processo acaba enamorando-se. Esse desdobramento do personagem foi muito positivo, uma vez que passou de um molde clichê (a personagem que desconhece a “face do pai”, uma espécie de metáfora para a razão de sua vida) para um estado mais próximo do que nós mesmos vivenciamos. Quantas vezes não nos confrontamos com situações inusitadas que nos jogaram em um contexto completamente imprevisível? Essa é a característica que torna Nelson um dos personagens mais cativantes de “Panaceia”. Além desse e outros personagens novos, um já conhecido reaparece. Estou falando do Doutor Jarvis Poincello que, ao contrário de antes, agora é mais interventivo nos eventos de que participa. O seu jeito bem-humorado e curioso (sempre fazendo anotações em seu bloquinho) é um ponto de alívio que ajuda a marcar as oscilações de tensão ao longo da narração. A veia propositalmente cômica desse personagem manifesta-se em sua fala com um acentuado sotaque italiano, enquanto os demais personagens não possuem sotaque, ao menos expresso graficamente.
Avelar assume a configuração de um ótimo vilão, passando longe dos megalomaníacos que desejam conquistar o mundo e fazem questão de deixar o fato bem claro em discursos longos e entediantes que os tornam risíveis. Ele nos pasma a cada uma de suas cenas que permitem apenas vislumbrar os contornos de algo tão tenebroso que poderá causar a ruína do mundo como estamos familiarizados, levando a um horror incalculável, tanto para humanos quanto para não-humanos. O seu jeito cruel e soturno nos suscita o questionamento do que efetivamente constitui a humanidade, visto que o comportamento dele é praticamente o sumo de tudo o que costumamos abominar. Avelar fica ainda mais repugnante quando a narração passa para um dos personagens vampiros que em sua maioria carregam um forte senso de honra, mas que no imaginário popular são geralmente associados à bestialidade.
Com a sociedade vampírica caminhando para um catastrófico desequilíbrio, ocasionado por disputas de poder, antigas rixas e “informações plantadas”, as sequências de ação são em maior número do que em “Lázarus”, o que com certeza agradará os leitores mais sedentos por adrenalina. O detalhamento nas lutas é estupendo, garantia de um virar de páginas frenético. Como no primeiro livro da saga, nesse as subtramas ajudam também a estabelecer o clima de desconfiança e especulações no leitor, aumentando as surpresas causadas pelos pontos de virada.
Por estar afastado de Laura, aquela que despertou todo o fulgor da humanidade que havia em si, Robert fica numa constante tensão que o coloca numa corda-bamba entre a fera que habita em seu coração e clama por sangue e a lucidez. Nesse cabo-guerra, Robert é como uma síntese da impetuosidade dos desejos que, por mais nocivos que sejam, suplantam frequentemente a razão e turvam os nossos julgamentos se não soubermos administrá-los. Essa é uma prova de como o amor pode ser abordado em literatura, entreter e ainda não cair na mesmice do roteiro enjoativo e óbvio do “felizes para sempre”.
Como normalmente uma saga que fica estagnada em uma disposição de fatores (personagens, mistérios etc) não vai adiante (não continua na graça dos leitores), a autora amplia o mundo criado por ela inserindo novas criaturas e com isso nos faz pensar o quão vasto é esse cenário e o que podemos aguardar no próximo volume (“Nênia”). Não duvido de que aquilo que observei até aqui é apenas a ponta do Iceberg ou menos.
O controle de todos os núcleos dramáticos, evidenciado pela administração de novas informações acerca de personagens secundários que nos são disponibilizadas de forma pertinente para a trama, auxiliando na construção da história sem quebras abruptas e inverossímeis no roteiro, ajuda a traçar um quadro de toda a história na mente do leitor.
O que fez “Panaceia” galgar o patamar de uma ótima leitura foi o seu grau metaliterário, ou seja, o seu grau de autorreflexão. A literatura, com as suas especificidades técnicas, é passível de ser objeto de avaliação dela mesma. Na fantasia, com a possibilidade de produção de símbolos maravilhosos, o teor alegórico pode atingir níveis elevadíssimos. Particularmente, duas cenas em “Panaceia” remetem a questões importantes.
Uma dessas questões é o quanto o escritor está no texto ou como é a relação entre narrador e escritor. Um equívoco recorrente é a automática identificação entre escritor e narrador, porém o narrador não representa o escritor, visto que o narrador é uma construção verbal arquitetada pelo escritor. Na cena que traz esse problema, uma personagem se vê diante de uma entidade que, paradoxalmente, está e não está presente diante dela e cuja voz enche um silêncio sombrio. A comparação com a situação do escritor com o seu texto (narração) foi inevitável, uma vez que o autor pode dar vida ao texto, mas ele depois de finalizado é uma peça autônoma por não representar necessariamente o seu demiurgo.
A outra questão é a relação entre os leitores e os livros. Em uma determinada cena, Laura tem uma visão, contudo ela não pode interferir em nada, pois é como uma presença etérea que unicamente testemunha um acontecimento. Essa ideia do leitor como uma presença etérea que amiúde envolve-se emocionalmente com a história é um enquadramento genuíno do leitor. Mesmo aqueles que procuram conduzir a leitura sem exacerbações afetivas, não negariam que personagens possuem também uma esfera emocional, mas racionalmente “parida” pela mente do autor. Enfim, para tentarmos interpretar uma personagem é necessário que busquemos memórias emocionais em nós mesmos, do contrário não teríamos como falar com pelo menos uma rasa propriedade.
Concluindo, digo que a Georgette conseguiu fazer um espetáculo ao pegar o que parecia uma clássica história de amor e transformá-la em um romance onde o amor é apenas o ponto de partida para um debate sobre destino, humanidade, poder, amizade, entre outros assuntos. O desfecho é arrebatador, posso apenas dizer que o que começou com um simples ser vivo no planeta terra, repercutiu no cosmos. Minha nota é cinco selos cabulosos!
P.S: A Giz Editorial continuou com o trabalho primoroso feito em “Lázarus”, não tenho qualquer ponto negativo a comentar.
Nota:
Degustação: