Tudo começou com uma porcaria de aposta.
O Zé um dia chegou em casa com uma garrafa de álcool estrangeira. Tinha uns adesivos vermelhos e um desenho estranho, uma bolinha amarela com três pás ao redor. Ele falou: te dou 100 reais se você tomar um gole. Eu tomei. Não era ruim. Aí ele disse: te dou milão se tomar tudo. É um álcool 0,2%, nem vai te dar nada. Tomei. O desgraçado até hoje não me pagou.
No dia seguinte quando acordei não tinha mais casa. Ela queimou e só sobrou eu caído na terra chamuscada, pelado. Descobri que conseguia pegar fogo. Era só pensar nisso e meu corpo entrava em combustão. Não podia mais passar perto de posto de gasolina. As pessoas se interessaram pela minha história, o pessoal da TV veio fazer matéria e atraiu a atenção de um circo búlgaro. Viajei pra lá. Ganhava horrores pegando fogo ao vivo, fazendo malabarismo e tudo. Mas o espetáculo era só pra maior de idade, porque a roupa durava cinco segundos. Um dia a contorcionista se engraçou pro meu lado. Na hora H eu não consegui me controlar, explodi de prazer, se isso faz algum sentido, acabei com o circo, com todo mundo. Foi um desastre, fiquei um caco. Fugi no caos, entrei num navio clandestino e voltei pro Brasil.
Me virei na rua. Os mendigos gostavam de ficar perto de mim nas noites frias, diziam que eu era quente. Às vezes eu fazia a alegria geral esquentando as colherzinhas de heroína com a ponta do dedo. Aprendi a controlar melhor o poder com o tempo. Mas era uma vida de merda. Comecei a beber. Passava fome e o pessoal brincava, dizia que eu podia viver sem a “quentinha”. Pensei em me matar várias vezes. Ninguém queria dormir perto de mim, e se eu tivesse um pesadelo?, diziam. Eu seguia, sozinho, amaldiçoado.
Achei que não podia piorar. Piorou.
Me deram uma roupa anti-inflamável e me chamaram pro Quarteto Podrástico.
by Ricardo Santiago