O armário

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quarto escuroJoel abre as portas e confere se está tudo em bom estado. Não tem dúvidas de que acertara com o presente. Tinha muita sorte, pois o pouco dinheiro que guardará nos últimos três meses fora o suficiente para presentear sua mulher.

A peça era exatamente como Tereza queria, grande e espaçosa. Sem contar que o estilo rústico, que lembrava muito móveis artesanais e peças do século XIX davam um ar de luxúria, para aquele que era um velho armário comprado em uma simples loja de usados.

Seus olhos percorrem com calma as prateleiras e a surpresa vem escondida em um canto, atrás do suporte de uma das superfícies do antigo móvel. A surpresa vem com palavras.

“Pode soar como o resultado de uma mente desequilibrada, e digo que isso não deixa de ser verdade. Mas pergunte a si mesmo, se não é, desde o início dos tempos, o desiquilíbrio uma caraterística do comportamento humano. Sim ou não?

Eu acredito que sim. Acredito que um dia, todo homem fica um pouco louco. Mas o ato que agora início, também tem uma grande carga de sanidade, pois escrevo para me salvar e loucos nunca se preocupam com isso. Então me vejo perdido em um paradoxo. É realmente, estou me perdendo.

Mesmo sabendo que essa carta pode nunca ser encontrada, há algo que me diz que preciso deixar registrado isso que vêm me afligindo. Ah, pensar que nunca me imaginei nessa situação! Pensar que nunca fui de escrever! Mas agora há essa necessidade e tudo isso é culpa do medo, e do desiquilíbrio que esse traz! Já não aguento guardar isso dentro de mim, não mesmo. Confesso que até tenho vergonha do que narrarei, uma vergonha que só não me impede de ficar quieto por que o medo é maior.

Preciso narrar para liberar-me de tudo isso que venho sentido, para explicar o motivo de minhas noites dormindo no sofá e acima de tudo para deixar de ser escravo desse pesadelo que me priva de seguir em frente.

Espero que com palavras a dor seja amenizada. Sim, ter medo dói.

Juro que sempre fui um homem cético e até agora me vejo perdido em um abismo, onde o que é real está em confronto com aquilo que eu sempre achei ser obra da imaginação. Mas já são tantas dúvidas e anseios que prefiro não pensar nisso. Acabei aceitando isso tudo como uma paranoia só para não fugir daqui, só para não ser obrigado a pregar uma bala em minha cabeça. Acabei encontrando, como uma solução para amenizar o que sinto, a oportunidade de contar minha história. A chance de passar tudo para o papel. Sim, estou dando voltas e não indo a lugar nenhum, mas me perdoe, não sou escritor, e já disse estou perdido.

Queria deixar mais claro que o que vem acontecendo não é tão simples assim, pelo menos para mim. Mas me faltam palavras agora, quem sabe se eu deixar meus pensamentos fluírem esse problema se resolva, quem sabe.

Vou seguir e me transformar em leitor. Um escritor leitor escreve muito melhor, ouvi isso a muito tempo atrás, são palavras de minha falecida avó, essa sim escrevia, e muito.

A partir de agora, vou ser você, você que não está aqui agora. E peço que você quando ler, também se torne eu e viva comigo meus tormentos.

Não se incomode, nem ria de minha desgraça, mesmo que tudo soe de uma forma quase que banal, mesmo que pareça que essa é uma daquelas histórias para crianças não dormir à noite. Te garanto, não é um conto de horror, mesmo não faltando horror em tudo que será expressado.

Há algo ruim em meu quarto, mais precisamente em meu armário. Algo mal, algo que só se dará por satisfeito quando eu estiver morto.

Não disse que ia parecer loucura! Sim, é loucura, mas ao mesmo tempo é real. No começo eram pesadelos, meros pesadelos.

Começou no dia em que eu herdei o armário. Foi mais ou menos assim:”

Joel para a leitura. A indecisão toma o controle se seus atos, prossegui com os olhos por aquelas letras tortas agora é uma dúvida.

“Não, isso não é certo, é loucura” Fala para si.

Dobra o papel já amarelado pelo tempo, que parecia estar a anos escondido naquele armário. Encara o móvel novamente, percebe que ele não é mais dono de tanta beleza.

Guarda o estranho relato no bolso e fecha as portas do armário. Desce para a sala e lá aguarda a chegada da esposa.

Quando Tereza entra, Joel nada fala. O ânimo que sentia em presentear sua amada fora embora e algumas das palavras daquela maldita carta encontrada no armário ecoavam em sua cabeça.

“Há algo ruim em meu quarto, mais precisamente em meu armário. Algo mal, algo que só se dará por satisfeito quando eu estiver morto.”

– Só pode ser loucura, isso não é possível. Diz Joel encarando o nada, mas novamente aquele estranho da carta, aquele desconhecido, volta a falar em sua cabeça. Fala com sua própria voz, mostrando que agora ele é autor, leitor. Mostrando que agora parte da dor já foi compartilhada.

“Acredito que um dia, todo homem fica um pouco louco… Todo homem fica louco, pelo menos um pouco… Todo homem fica…”

Os devaneios são cortados pelo abraço de Tereza, que agarra Joel por trás e lhe aplica um beijo no rosto.

– Eu adorei meu amor. São as palavras da mulher.

– O que? Diz Joel perdido, como se não estivesse ali.

– Ora, o armário, é maravilhoso!

Encara o sorriso da esposa, um sorriso lindo. Mesmo completando 49 anos ela continua bela. Ainda lembra muito aquela garotinha de dezenove com quem Joel se casou a tanto tempo atrás. Pouca coisa tinha mudado, efeito do tempo é claro. Mas havia algo que misteriosamente ficara preservado, era o sorriso. É difícil de manter o mesmo sorriso com o passar dos anos, geralmente a rotina da vida o destrói, geralmente as pessoas se esquecem de sorrir, e tudo que se perde o costume, perde também em essência. Mas Tereza ainda sabia como o fazer, sim, ela sabia.

– Fico feliz que tenha gostado. Fala o homem.

Os dois beijam-se, e começam uma conversa. Que vem na hora certa, pois faz Joel se esquecer da maldita carta, faz da realidade que lhe aflige, algo vago.

Mas o tempo passa e a noite chega, trazendo com ela alguns problemas. Problemas que antes não existiam.

– Você não vai se arrumar para o trabalho? Pergunta Tereza enquanto lava a louça.

Joel que ajudava guardando os talheres, havia esquecido de suas obrigações. O trabalho de vigilante noturno nunca lhe incomodara, mas naquele momento, ao entender que em poucos minutos teria de deixar Tereza sozinha em casa, sozinha com o novo armário, o homem se assusta. Chega até em pensar na possibilidade de faltar, afinal era aniversário de sua mulher. Mas a ideia não era correta, faltava dinheiro na casa, trabalhar era necessário. Joel não podia se deixar levar pelas palavras de um estranho, de um louco, não mesmo.

– Vou fazer isso agora. Comenta o homem se dirigindo ao quarto.

Entra, fita outra vez o armário. Ele parece desconexo, parece não pertencer aquela casa.

“Como diabos eu fui comprar essa coisa!” Pensa Joel enquanto se veste.

Enfim pronto, vê no chão a calça, na qual no fundo de um dos bolsos está a carta. Se agacha e tira ela dali. Não quer que Tereza encontre, não quer que a mulher se assuste.

Guarda o papel na jaqueta e volta para cozinha.

– Eu te amo, tenha um bom trabalho. Diz Tereza e dá um beijo leve em Joel.

Ele reponde com um beijo ardente, aperta a mão da esposa e sai da casa. Pensativo, carregado de receio. Com medo do que pode acontecer.

Ao chegar no trabalho não consegue tirar Tereza da cabeça. As palavras da carta martelam sua mente, pregando pensamentos de que sua mulher não ficara bem, e reforçando a ideia de que foi um erro lhe deixar sozinha na casa.

Toma seu lugar na guarita da fábrica e leva as mãos à cabeça. Nunca havia se sentido tão angustiado. Na procura por um solução, tira aquela velha folha do bolso, procurar pelas últimas palavras que leu e aos poucos mergulha no mundo da carta. Mergulha aceitando tudo aquilo como a mais pura verdade.

“Acordei no meio da noite após ouvir um barulho. Abri os olhos em vão, pois estava cercado por uma completa escuridão, não havia como enxergar nada.

O som continuava e já desperto, tentei entender que barulho era aquele, foi ai que descobri que o que eu ouvia era o som da porta do armário se abrindo. Aquilo nunca havia acontecido, nem em sonhos, nem na realidade. Acendi a luz do abajur que ficava logo ao lado de minha cama, iluminei parte do quarto e então eu vi, lá estava, me espiando de dentro armário.

Não consigo explicar o que era, mas uma pequena descrição da aparência física vai lhe servir para que entenda o porquê de meu pavor. Tinha o tamanho de uma criança de aproximadamente doze anos, era pálida como mármore, com os lábios negros, desproporcionais ao restante da face. E os olhos, ah os olhos, eram de um vermelho sangue. Um rubro assustador, que me causou um calafrio.

A criatura do armário me encarava e sorria. Ao ver que eu estava acordado a mesma falou, mas sua voz não saia da boca. Não houve nenhuma mudança na expressão facial, o sorriso permaneceu e mesmo assim eu ouvi a voz. Telepatia, acho que essa é a melhor descrição.

 “Venha comigo, me dê a mão…”

E então eu levantava da cama contra minha vontade. Em minha cabeça era um desespero total, mas meu corpo obedecia as ordens do monstro como uma marionete, ignorando minha necessidade de fugir, de gritar.

“Venha comigo, o preço a pagar é a morte, mas a diversão é garantida.”

As palavras ecoavam forte em minha mente.

No momento em que eu chegava na porta do armário, o monstro pegava em minha mão e com uma suavidade e delicadeza sem sentido, levava-me para dentro de sua casa, o armário. Felizmente nesse momento eu conseguia gritar e então acordava. Acordava suando, com a respiração disparada.

Ao final do primeiro pesadelo eu ri, mas depois quando isso começou a se repetir, quando a cada noite durante o sonho ruim o monstro parecia me levar cada vez mais para dentro do armário, a preocupação tomou conta de meu coração. Passei ir dormir na sala e também a notar que toda a noite, de alguma forma, a porta do armário se abria.

É mais ou menos isso que vêm acontecendo.

Segunda-feira passada foi o pior dia. Tentei voltar para o quarto, coloquei na minha cabeça que aquilo era só uma crise, devia ser efeito da morte de minha esposa ao algo assim. Deitei na cama e rezei, coisa que nunca fui de fazer.  E dormi torcendo para que minha vida voltasse ao normal. Não foi isso que aconteceu.”

Joel para de ler, olha no relógio. Ainda falta um bom tempo para voltar para a casa, mas ficar lendo a carta não era mais uma opção. A cada linha sentia que afundava mais naquele relato sobrenatural, a cada linha algo era reforçado dentro de sua cabeça. O medo do desconhecido, o pior dos medos.

Preocupado, ele levanta, caminha até a sala de seu chefe e lá explica parte da situação.

A dor de cabeça, o aniversário da esposa, o esforço que vinha fazendo nos últimos meses para fazer tudo da forma mais correta. Se seu patrão não fosse um bom amigo, com certeza não teria lhe liberado. Mas foi isso que aconteceu. E após fazer apenas duas horas, do expediente que era composto por oito, Joel Pereira volta para casa, faz isso às pressas.

Chega e abre a porta. Caminha direto para o quarto, esperando com todas as suas forças encontrar Tereza bem, deitada na cama, dormindo como um anjo. Mas não é essa a cena que contempla ao entrar no quarto.

Vê a cama vazia e o quarto silencioso. Olha para o armário e lá está ele, com a porta entre aberta.

Correndo o homem vai em direção ao móvel, escancara as duas portas e procura pela esposa lá dentro. As únicas coisas que vê são suas roupas e as roupas de Tereza.

Então lembra do monstro da carta. O desespero começa a tomar conta de sua alma. Não é possível, Tereza não pode ser sido vítima da criatura do armário.

“O preço a pagar é a morte…”

– O que você está fazendo aqui Joel? A voz chega ao seus ouvidos e lhe tira do transe.

Joel encara a mulher na porta com uma caneca de café na mão.

Empurra as portas escancaradas para seu devido lugar e corre em direção à Tereza. Lhe abraça forte.

– Graças a Deus você está bem! Fala o homem beijando o pescoço da esposa.

– Como assim, querido? Você não devia estar trabalhando?

– Não importa, quero ficar com você, só isso.

Os dois vão até a sala, Tereza pede licença para pegar um café para Joel e nesse instante, enquanto fica sozinho no sofá. O homem tira do bolso aquela carta que parece ter surgido para lhe destruir, e mesmo sem ter terminado sua leitura, lhe atira na antiga lareira que a tempos não é acessa. Depois trata de criar o fogo, o faz com cuidado e volta para o sofá esperar a mulher.

– Nossa, acho que a última vez que você acendeu isso ai foi a uns três anos. Fala Tereza lhe entregando o café.

Bebem juntos e ficam ali, no sofá.

A mulher feliz por estar com o homem de sua vida.

O homem feliz por ver a carta queimando.

Quando o relógio de parede marca a meia-noite, para Tereza a hora de dormir já havia passado. Ela pede para Joel apagar o fogo e depois ir para cama.

Ele faz isso e junto da mulher volta ao quarto. Os dois deitam na cama e Tereza logo pega no sono, faz isso abraçada à seu esposo, que por um tempo fica acordado.

Se passam dez, vinte minutos e então o sono que é algo que já não atingi Joel durante a noite, tudo graças aos mais de cinco anos trabalhando como vigia noturno, começa a aflorar.

Aos poucos seus olhos vão fechando.

Joel agora já nem se importa mais com o armário. Afinal a carta fora queimada, o passado estava destruído.

De repente um som chega a seus ouvidos, é o som das portas se abrindo. Ele insiste que tudo é fruto de sua imaginação e aperta os olhos achando que aquilo lhe fara dormir. Mas isso não acontece e o que vêm na sequência é uma voz desconhecida, que sussurra dentro de sua cabeça as palavras:

“Venha comigo, me dê a mão…”

O homem Grita, grita por que não é justo que tudo aquilo aconteça com ele. Grita e então é abraçado por Tereza.

– Foi só um pesadelo amor, fica calmo. – Diz a mulher acariciando o cabelo de Joel. – Sabe, não lembro de quando foi a última vez que vi você ter um sonho assim.

Ele encosta a cabeça no peito de Tereza e respira fundo aliviado.

A luz do sol já invade o quarto representando que um novo dia nascera.

E a tranquilidade de Joel só vai embora quando ele vira a cabeça e vê que o armário ainda está ali e que há uma fresta entre as duas portas.

“Eu preciso me livrar dessa merda.” Pensa o homem, com a mente confusa, desequilibrado.

– Será que você podia fechar aquela maldita porta. Ele fala para Tereza.

A mulher estranha o vocabulário do marido, não é acostumada a ver ele falando assim. Ela levanta, empurra as portas e volta para cama.

– Não vai me dizer que sonhou com esse armário? Ela questiona, adivinhando tudo.

– Não quero falar sobre isso.

– Eu lembro que quando era criança, durante muitos anos achei que um monstro morava dentro do meu guarda-roupas. Continuou Tereza, ignorando a fala do marido.

– Eu disse que não quero falar disso, porra!

Joel joga os cobertores no chão sai do quarto bufando.

O casal só volta a conversar quando Tereza vai se despedir do marido. Ela trabalhava como professora no turno da manhã e tarde, em uma escola no centro da cidade.

– Você vai ficar bem? Pergunta ela à Joel.

– Vou sim, não se preocupe.

– Tudo bem, até a tarde, eu te amo.

– …

Minutos se passam, e Joel se vê em uma situação muito parecida com a do dia anterior. A mulher trabalhando, ele sozinho na casa, no quarto, encarando o antigo móvel. Agora só faltava ele abrir as portas e encontrar outra carta.

Ao fazer isso, nota que o armário está mais cheio do que o dia anterior. Todas as prateleiras completas, os cabides do guarda roupa antigo agora tinham um novo lugar e até mesmo algumas caixas que antes ficavam embaixo da cama, também haviam ganhado uma nova morada.

– Seu filho da puta, você não vai ficar aqui não, não mesmo. Fala Joel com uma voz baixa, intimidadora.

Sai do quarto e desce até o porão, só volta ao quarto depois de ter encontrado uma velha machadinha.

Antes de iniciar seu trabalho de destruição esvazia todo o armário. Faz isso com calma, com um sorriso no rosto. Como uma criança que sabe que falta pouco para ganhar seu presente.

Termina e olha outra vez para o presente da esposa.

Vazio parece que ele não é mais o mesmo que Joel comprou. Ao encara-lo o homem lembra de um esqueleto. A alusão só fez sentido pois em um dia o armário passou a virar uma parte da casa. E agora, vazio, sem as calças e camisas, os vestidos e os sapatos. O armário lembrava um esqueleto, um resto mortal.

Sentou-se na cama e ficou pensando. Seria certo fazer aquilo? Que explicação daria para Tereza?

Sua cabeça explodia em um misto de dúvidas, medo e raiva. Deixou a machadinha na cama e correu em direção ao armário. Aplicou a cabeçada mais forte de toda a sua vida. Um golpe para descontar tudo que sentia, a testa ricocheteou na porta.

Um baque, Um choque.

Em vez de diminuir sua raiva, a pancada só serve para alimentar ainda mais a fome de destruição que nascera do dia para a noite no coração de Joel Pereira. Para ele o monstro está lá dentro, rindo de sua cara.

A ferramenta sobe e quando desce arranca uma das prateleiras do armário, a segunda machadada derruba uma porta.

Aos poucos ele se desconstrói.

Os golpes convertem a maldição e o homem em um só. Era a força das palavras fazendo efeito.

Joel quebra o presente da esposa, mostrando que dentro de si, também mora um monstro.

Termina o trabalho e deita na cama. Só não tem pesadelos, pois já está sonhando.

Tereza entra na casa. Se surpreende com o silêncio. Afinal na maioria das vezes o marido assistia televisão naquele horário.

Procura pela sala e cozinha, nenhum sinal de Joel.

“Ele deve estar deitado”.

Sobe as escadas e quando entra no quarto, tem uma surpresa.

Vê Joel atirado no chão, inconsciente. Um trilha de sangue seco grudada na sua testa e espalhada pelo chão. Mas o que mais assusta Tereza é a machadinha em cima da cama.

– Meu amor, o que houve? Acorde por favor!

Aos poucos o homem abre os olhos. Sua visão ainda distorcida. Foram mais de seis horas apagado, era quase que um coma instantâneo.

Com ajuda da esposa ele levanta. Lembra-se da cabeçada, lembrasse da força de destruição que tomou conta de seu coração. E enfim agradece por ter acabado com todo aquele pesadelo. Mas antes que comemorasse, Tereza lhe senta na cama o deixando de frente para o armário. Armário que está intacto e que aos olhos de Joel já parece maior.

 – Não é possível…

São as palavras que saem da boca do infeliz.

– Você tem muito o que me explicar amor, o que isso faz aqui? Pergunta Tereza segurando a machadinha. – E por que você está machucado?

Uma onda de raiva ainda maior domina Joel Pereira que arranca a machadinha da mão de Tereza e parte gritando para cima do armário.

– Dessa vez eu acabo com você seu desgraçado.

O golpe só é evitado pela intervenção de Tereza.

– Não Joel, o que diabos você está fazendo? Grita a mulher empurrando aquele que já não parece mais seu marido.

“Ela não está do seu lado, ela pertence ao armário!” Diz uma voz dentro da cabeça do homem, que não hesita e com um instinto animal desce o machado na cabeça da mulher.

Ela vai ao chão e lá fica, imóvel, silenciosa, com a cabeça dividida.

Paralisado Joel encara a esposa, não acredita no que fez. Se agacha em direção a Tereza e começa a chorar, mas não adianta mais, lágrimas não farão diferença.

Olha para o armário e vê esse reinando no quarto, o mais forte, o único em pé. A peça de madeira encara a desgraça de Joel, a porta entre aberta sorri diante aos olhos do assassino.

Em prantos ele rasteja até a escrivaninha, pega o telefone e disca.

– Polícia militar, boa noite.

Joel confessa seu crime, conta toda sua história enquanto os olhos percorrem o corpo de Tereza.

Solta o telefone, que fica balançando, de um lado para o outro, com seu fio esticado. Joel ainda consegue escutar o desespero do policial, perguntando qual é o interesso da casa onde o crime foi cometido.

Se agacha no chão e com a cabeça entre as pernas chora. Chora pois está com medo do monstro do armário. Chora por que está louco.

– Foi o armário, foi o armário, o monstro do armário. Sussurra para si.

O pobre homem não entendia que os verdadeiros monstros, não vivem em móveis velhos ou lugares vazios, mas sim dentro de nós mesmos. Forças medonhas que dormem nas camas do nosso inconsciente, e que a qualquer momento podem acordar.

Basta algumas palavras e pronto, está feita a desgraça.

by Felipe T. S.