por Allan Cavalcante Teixeira
O teto era totalmente branco e detalhado com desenhos de cavaleiros que lutavam contra monstros. A luz do sol atravessava os vitrais de frente a mim, dando vida aos muitos anjos e guerreiros, como se protegessem cada canto daquele lugar. Meu pai me disse que nunca tinha visto aquela catedral ficar tão cheia. O lugar é tão vasto que meu olhar se perde no meio da multidão. Todos estavam lá, desde os mais nobres até os mais humildes. Sentei logo à frente, no lugar de honra junto de meu pai e de meu tio Garnet.
Papai estava usando uma bela armadura pesada, com uma capa branca e uma espada longa na bainha. Garnet veio de longe só para acompanhar essa cerimônia. Como ele era um padre, veio trajado como tal. Do meu lugar eu podia ver o altar e, nele, cinco jovens estavam de pé, enfileirados um ao lado do outro, com roupas bordados em vermelho e dourado.
– Eles são mais velhos e mais altos que eu, mas sou muito mais rápido que todos eles” pensei, olhando para eles.
A curiosidade era muito grande, então perguntei a meu pai:
– Pai, por que eu não estou lá na frente? apontei para o altar.
Ele riu, colocou a mão sobre minha cabeça, e disse:
– Porque você é muito pequeno para entrar na Ordem.
Fiquei desapontado e abaixei a cabeça. Meu pai percebeu minha atitude e disse:
-Não se preocupe meu filho. Sua hora vai chegar quando você estiver preparado.
Um velho homem saiu da capela acompanhado de dois coroinhas. Ele segurava um livro em uma mão e, na outra, um bastão. O homem se aproximou do altar e colocou o livro e o bastão sobre a mesa. Ele ergueu as mãos, e todas as pessoas sentaram. E os jovens, de frente ao altar, ajoelharam-se. O senhor começou a oratória:
– Levantem-se escudeiros. Hoje é um dia de grande júbilo e orgulho para todos aqui presentes, pois estes jovens se tornarão cavaleiros e farão parte da Ordem como homens honrados que são.
O capelão abriu o livro sobre o altar e disse:
– Vamos à oração do Império.
Naquele instante todos colocaram a mão sobre o peito e começaram a orar. Como eu não conhecia nada sobre aquilo, apenas fiquei olhando.
O coro começou:
“Salve o Império.
Salve o Sagrado Imperador.
Que nos proteje de todo o mal.
Que a minha lança,
seja inquebrável.
Que o meu escudo,
suporte o fogo.
Que a minha armadura,
seja uma fortaleza.
Não temo o fogo
Não temo a espada
Nem a seta e nem o sopro da morte.
Sou filho de Jorge, o matador de dragões.
Libertador da tirania.
Viva a supremacia dos homens.
Morte às serpentes aladas.
Morte aos inimigos do Império.
Punição aos injustos.
Glória aos justos.
Não descansarei até o mundo estar livre de todo o mal.
Salve o Império.
Salve o Sagrado Imperador.
Salve… Salve…”
Ao término daquele coro, o capelão recebeu o turibulo de seu assistente. Ele se aproximou dos jovens e começou a passar o turibulo em volta deles. O velho então disse:
– Agora eu os nomeio cava—
A luz da catedral desapareceu, dando lugar a uma enorme sombra. Quando um estrondo abalou toda a estrutura, os vitrais de trás do altar foram quebrados, junto da parede e parte do teto, que vieram abaixo. Algumas pessoas foram jogadas para longe. Uma criatura colossal, com grossas escamas cinzentas, garras maiores que vinte homens juntos, olhos vermelhos como a brasa do fogo, bafo de enxofre e uma aparência horripilante apareceu.
Na mesma hora, o caos tomou conta do lugar. As pessoas saíram correndo, apavoradas, gritando coisas como “demônio, monstro, dragão”. Naquele momento, todos eram iguais, eles estavam se acotovelando, empurrando e pisando nos caídos no chão. O volume de pessoas tentando sair ao mesmo pelas portas, era tão grande que ninguém conseguia sair.
Eu nunca tinha visto um dragão de verdade. Apenas vi algumas ilustrações nos livros, e elas não eram nada parecidas com aquilo. Um medo irracional tomou conta de mim. Eu não conseguia mexer um músculo sequer, e fiquei parado olhando tudo. No meio dessa confusão toda, o capelão apareceu no meio dos escombros e caminhou até o dragão. Ele estendeu os braços e berrou:
– Criatura imunda! COMO OUSA INVADIR ESSE SOLO SAGRADO?!
O dragão parou por um momento e olhou para o homem, sem nenhum tipo de reação. O capelão continuou a esbravejar, e disse:
– Eu sou filho de Jorge, o matador de —
Naquela hora, a besta abriu a gigantesca boca e soprou um fogo infernal que incinerou o capelão e todos que estavam ali presentes. Meu pai me agarrou pela cintura e me levou para longe, antes das chamas me atingirem. Ele me escondeu atrás de uma pilastra junto do meu tio, enquanto o dragão começava a destruir toda a catedral.
Garnet estava transtornado e, como se dissesse para si mesmo, falou:
– Dragão!? Como isso é possível? Eles não estão extintos?
Meu pai respondeu:
– Você realmente acredita no que o Imperador diz?
Um grupo de guardas e jovens recém-formados deram combate ao dragão. Mas, foi como tentar apagar o fogo com papel. Todos foram aniquilados.
Garnet retrucou:
–Isso é loucura… Atacar a capital dessa forma!? O lugar mais protegido de todo o Império. Por quê?
Papai não respondeu às inúmeras perguntas, apenas parou e ficou olhando para mim. Meu tio parecia ter entendido a resposta, o que o deixou mais atormentado ainda.
Sem entender nada eu disse:
– Pai, estou com medo…
Meu pai ajoelhou, colocou a mão na minha cabeça, olhou nos meus olhos e disse:
– Meu filho, todos nós sentimos medo, mas aquilo que fazemos dele é o que nos define.
E continuou:
– Escute, meu filho. Talvez você não entenda o que eu vou dizer agora, mas não importa o que digam ou que façam, você sempre será o meu filho, e nada vai mudar isso. Quando tudo na vida lhe abandonar, quando as coisas parecerem impossíveis e quando a morte for inevitável, não desista. Eu acredito em você, e sempre vou estar ao seu lado. Nunca esqueça disso!
Naquele instante, todo o meu medo desapareceu e, por um momento, eu me vi cavalgando junto a meu pai.
A catedral não iria suportar por muito tempo. Enquanto as chamas se espalhavam, as pessoas gritavam e morriam. Então, o dragão urrou, a sua fúria estridente podia ser sentida e ouvida por todos.
Garnet, interrompendo a conversa, disse:
– Não temos tempo para isso Eric. Temos que sair daqui agora!
Eric levantou, olhou para o meu tio e disse:
– Eu agradeço aos céus, por ter ficado uma temporada nesta catedral. Conheço todas as passagens desse lugar. Siga por aquele corredor até o final, vai ter uma passagem que leva direto para a muralha externa. Chegando lá, vão estar os cavalos da guarda. Pegue o mais rápido e parta para a cidade de Bradon. Apontou para o caminho certo.
Garnet respondeu:
– Enquanto a você? Não me diga que vai ficar aqui e lutar?
Eric retrucou:
– Os reforços vão demorar a chegar. Eu vou tentar ganhar o maior tempo possível. Prometa que vai proteger meu filho Garnet? Colocando a mão sobre o ombro do meu tio.
Garnet, conhecia o seu irmão melhor do que qualquer um, e sabia que não poderia mudar sua decisão. Por isso ele disse com um pesar no coração:
– Vou protegê-lo com a minha vida, meu irmão. Que o sagrado o ilumine e o proteja de todo mal.
Eric disse, sem mais delongas:
– Então vá depressa. Vai ficar tudo bem meu filho. Concluiu, olhando para mim.
Meu tio me levou correndo para o corredor. Eu pude ver meu pai desembainhar sua espada, sair de trás da pilastra e correr em direção ao dragão. Gritei e chorei por ele inúmeras vezes, mas em vão. Aquela foi a última vez que eu vi o meu pai.