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jardim-futuro-destaqueO dia estava realmente quente. Em uma velha casa no topo de uma pequena colina, um velho de 60 anos, pele branca, usando grandes óculos e uma roupa de jardinagem irrigava a sua horta de plástico. A horta continha meia dúzia de cenouras, três alfaces e duas abóboras. A imitação era quase perfeita, com exceção do cheiro e o brilho das hortaliças.

O homem não precisava irrigá-las, mas fazia isso para lembrar dos velhos tempos. Os tempos quando corria por grandes plantações, guiava o gado e podia nadar o dia inteiro no lago de água doce.

“—Ahh… Como sinto falta das pequenas coisas.” suspirou o velho homem.

A brisa acariciava o seu rosto enrugado, fazendo-o viajar em seus pensamentos. Seus devaneios foram quebrados por um acontecimento inesperado. Uma nave acabava de romper os céus, e se preparava para pousar num descampado a alguns metros da casa.

A nave era pequena, com a ponta em seta, e estava armada com canhões de raio laser e protegida por escudos de energia. Na sua lateral esquerda fora pintado um triângulo vermelho. Ao ver aquela espaçonave o velho entrou em pânico, deixou o regador cair no chão e correu para dentro da casa.

Ele sabia que tinha pouco tempo, por isso se dirigiu ao deposito, pegou suas ferramentas, alguns pedaços de sucata e voltou para a sala. Colocou tudo sobre a mesa e começou a mexer nos pedaços de ferro retorcido como se estivesse trabalhando.

Em poucos instantes, a porta emitiu um brilho e depois desapareceu. Ela foi desmaterializada. De frente ao vazio da porta, um homem de altura mediana e usando um sobretudo branco estava parado. De olhar vazio e sem qualquer tipo de expressão.

Ele tem cabelos loiros, olhos azuis sem pupilas, rosto pálido, uma medalha de triangulo vermelho no peito e não portava armas ou qualquer tipo de objeto. Ao ver aquele sujeito, o velho gelou a espinha. Ele sabia que estava diante de um “Servo”.

O Servo caminhou para dentro da sala e disse:

– Venho em nome da “Máquina”, sou um representante do Estado e procuro por Franz Anton.

O velho respondeu:

– Eu sou Franz Anton… Você podia ter batido na porta que eu abriria, ironizou Franz.

O Servo parou em frente à mesa de jantar e olhou para Franz por longos segundos. Recomeçou a falar no mesmo tom de uma máquina:                                                                     

– Os seus registros estão desatualizados. Você mudou muito desde a sua ultima inspeção.                                                                            

Franz pareceu se entristecer ao lembrar do fato e respondeu:

– Estou velho, tenho uma prótese no lugar de minha perna esquerda, e meu raciocínio não é mais o mesmo. Precisava morar em um lugar calmo e sossegado.

Franz indignou-se:

-E o que traz aqui? Por que vem à minha casa desse jeito? Por que não deixam esse homem senil em paz?

Era como conversar com a parede. Franz estava preocupado, seu rosto começou a suar. Notando sua hesitação, o Servo continuou

– Quem faz as perguntas sou eu… Recebi uma denúncia que o senhor esta utilizando e praticando tecnologia proibida.

Franz disparou:

– Como isso é possível? Eu não sou mais um PROGRAMADOR. Tudo o que eu faço é pegar as sucatas que caem no vale e levá-las para minha casa. Sou um velho mecânico industrial que tenta consertar coisas sem utilidade. Sou um fiel cidadão da “Máquina”.

O Servo nada respondeu e começou a caminhar pela sala, olhando para a parede metro por metro. Então recomeçou a falar:

– De acordo com os meus relatórios, o senhor foi o líder de um grupo seleto de engenheiros. Esse grupo foi o responsável pelo projeto Gênesis, um componente importantíssimo para criar o mundo que conhecemos hoje. Estou certo?

– Sim. Totalmente correto, retrucou Franz.

– O senhor era considerado brilhante, tinha influência e a consideração de todos dentro da organização. Falava enquanto andava em volta da sala.

– Por que fugiu de tudo isso e se isolou nessa terra medíocre?

Com o tom de remorso, Franz respondeu:

– Eu não FUGI! Afastei-me da cidade para ficar com o meu remorso. Eu era um jovem tolo e não sabia o que estava fazendo. Quando percebi o que estava acontecendo já era tarde demais.

– Você fala como se tivesse destruído o mundo, disse o Servo.

– E não foi isso que aconteceu? As pessoas pararam de viver, e agora estão presas a um mundo de fantasia.

O Servo parou de andar quando se deparou com um quadro, a pintura era de um castelo com uma ponte que passava por cima de um rio negro. Ele tocou na borda do quadro e a sala começou a se transformar. A maioria dos móveis, tapetes e outros objetos na sala sumiram. Relógios cucos apareceram aos montes, cobrindo todas as paredes. Pássaros feitos de engrenagens e cordas emergiam dos relógios. Com cores vibrantes e de tamanhos variados, eles voavam em círculos pela sala e cantavam uma linda melodia.

O Servo, ao ver aquela cena se sentiu enojado. E disse:

– Imundície! Eu soube de sua traição assim que entrei nesta casa. Você achou mesmo que podia me enganar com uma tecnologia tão ultrapassada?!

– Não. Sempre soube que um dia seria pego, respondeu Franz, olhando para baixo.

– Em nome da “Máquina” eu, o terceiro “Servo”, condeno Franz Anton pelos crimes de traição, utilização e manipulação de tecnologia proibida. Como punição, você será condenado à prisão perpétua, e será reprogramado, falou o Servo.

– O que aconteceu com a liberdade? Não éramos livres? O que aconteceu com o mundo? Protestou Franz.

– Liberdade é o preceito para o caos. Por anos a humanidade seguiu ideologias e culturas falhas e inúteis. A Máquina é perfeita e divina. A unificação de todos os povos sob seu comando é a única forma de salvar esse planeta.

– Você realmente acredita nessa tolice? Ironizou Franz.

Respondeu o Servo:

– “Falado uma vez, executado em qualquer lugar”. Seu olhar brilhou ao dizer isso.

Aquele era o principal dogma da “Máquina”. E significava que ela podia estar em qualquer lugar.

– Só existe um ser onipresente nesse mundo, e ele não é feito de ferro e placas eletrônicas. Sinto lhe informar, mas eu não vou a lugar nenhum, respondeu Franz.

– Então você sabe o resultado, respondeu calmamente o Servo.

Um longo silencio se fez na sala, até os pássaros se calaram. De repente, Franz jogou a mesa pra cima, e de sua mão surgiu um canhão de plasma. Ele apontou para o Servo e se preparou para atirar.

Quando ia disparar, seu braço e peito explodiram. Franz deu um grito e caiu no chão. Seu sangue se espalhou pelo piso, formando uma poça. Ele tentou falar alguma coisa, mas nada saía.

O Servo caminhou a passos lentos até ele e disse:

– Como ousa me atacar com uma tecnologia tão ultrapassada? Por que aceita a morte dessa forma quando é oferecida a salvação? Isso é ilógico!

Franz vomitava sangue e, com muito esforço, disse:

– Você não entenderia… você.. é um servo… Não foi… dado… a você o poder de… criar, imaginar e sonhar.. . você foi … criado… para… obedecer e seguir ordens.

Ao terminar aquelas palavras Franz morreu. O Servo olhou para o corpo sem vida e disse:
– O seu legado morre com você.

Ele caminhou para fora da casa, mas antes de sair olhou para trás por uma última vez. Viu todos aqueles pássaros voando, alegres e cantantes.

E pensou:

“-Inútil, ilógico e falho”.

O Servo entrou em sua espaçonave, que se preparava para decolar. A casa sobre a colina foi engolida pela terra, por um repentino terremoto. Os motores ligaram e a subiu aos céus.

by Allan Cavalcante Teixeira.