No começo Ekahnin era tranqüila.
Na terra os Braher viviam. Dormiam em árvores e pareciam com elas, com longos cabelos de ramos, dedos que pareciam galhos e uma pele marrom de textura seca. Eles viviam da terra e a amavam.
Na água as Zinx reinavam. Com a cauda de peixe moviam-se com uma velocidade incrível. Os grandes olhos circundavam o ambiente. Comunicavam-se com sons agudos, parecidos com os das baleias. Caçavam com seus dedos rápidos, presos por finas membranas. Viviam na água e a protegiam.
Nas montanhas os Oxer nasceram. Do fundo delas, do fogo. As moldaram ao seu bel prazer com o fogo saído de suas narinas e viviam nos topos, onde somente suas grandes asas alcançavam.
O céu era vigiado pelas grandes aves. Elas tinham harmonia com todas as criaturas e conversavam com elas.
Ekahnin não conhecia a palavra Paz porque não existia a palavra Guerra.
Até que uma nova criatura surgiu.
Ela nasceu do barro, da lama e da sujeira. Tinha a pele lisa, sem a casca protetora dos Braher ou a mudança de cor para adaptar ao ambiente como os Zinx. Andava em duas pernas, como os Braher, porém era totalmente desengonçada. Na mata, fazia muito barulho e todos sabiam quando uma se aproximava. Na água, nadavam com muita dificuldade e vagareza. Não possuíam asas e olhavam as aves com inveja. A elas foi dado o nome de Humanos.
As outras criaturas então perceberam que os Humanos nasceram de cada uma delas. Veio do barro, união da terra e água. Foi secada pelo vento e moldada pelo fogo. Sentiram pena e a ensinaram.
Os Braher a ensinaram a tirar o alimento da terra. As aves os ensinaram a caçar. Os Oxer a usar o fogo para se aquecerem e assar a caça. Os Zinx os ensinaram a nadar e a pescar.
Alguns humanos ficaram melhores em algumas coisas do que outros.
Os que aprenderam com maestria a plantar e colher foram chamados de Brahcas. Os que conversavam com os pássaros e caçavam com excelência foram chamados de Mekás. Os que dominaram o fogo foram chamados de Oxins. E os que fizeram da água sua segunda casa foram chamados de Inzis.
Com o passar do tempo se tornaram um com aquilo que aprenderam. Os Brahcas tinham as melhores frutas e ramos e gostavam de cuidar de cada uma delas. As árvores ganharam nomes que eles chamavam com carinho. A terra se transformou em uma extensão de seus próprios corpos. Eles conversavam com as plantas quando o vendo batia em suas folhas.
Os Mekás foram além da caça e usaram os animais para outros fins. Alguns usaram como proteção e outros como montaria. E os tratavam e amavam como a si mesmos. Outros serviam como alimento e usavam a pele como vestimenta. E esse eles tratavam com respeito. Podiam chamar e conversar com os pássaros e assim lhes era dito o que acontecia por toda Ekahnin.
Os Oxins aprenderam a moldar o que os Oxer não utilizavam. A saliva quando secava, virava arma. A pele quando trocava, virava couro. E o fogo os ajudou a moldá-los. Tinham total resistência contra aquilo que os outros tinham medo. O fogo não os afetava, não os queimava.
Os Inzis começaram a pescar com a ajuda de outras criaturas do mar. Com o passar do tempo não precisavam mais de ajuda. Usavam armas criadas com ferrões e foram cada vez mais fundo. Podiam ficar na água durante horas.
Mas os Humanos então ficaram egoístas em suas habilidades. Se plantavam, não dividiam sua colheita. Se pescavam, o peixe pertencia somente ao pescador. Se conseguiam fazer fogo mesmo em meio a uma tempestade, somente a eles esse conhecimento pertencia. Se respiravam durante bastante tempo debaixo d’água, não diziam como.
Elas queriam mais e mais, porém não gostavam de dividir.
As demais criaturas tentaram ensiná-las, mas elas não queriam mais aprender. Aprenderam somente mais uma coisa: a palavra Guerra.
E destruíram, queimaram e mataram.
E se voltaram contra aqueles que lhe deram conhecimento e os mataram também.
As criaturas, tristes pelo que criaram, os abandonaram, mas antes disso viram em uma criança a esperança.
Ela era inocente e em seu coração não encontraram maldade.
A ela foi dado todo o conhecimento: o da terra, o do fogo, o do ar e da água. E as criaturas a protegeram. Apesar de os Braher se esconderem nas mais altas árvores, dos Zinxs viverem no mais fundo dos oceanos, os Oxins se esconderem no fogo da montanha e dos Mekás terem mudado sua forma para pássaros comuns, a criança sempre podia encontrá-los. Instruíram-na a liberar seu conhecimento aos Humanos quando eles estivessem prontos novamente.
Os Humanos então esqueceram o que aprenderam, mas isso não trouxe a paz, ficaram nervosos e houve mais guerra. Não abandonaram o nome nem a profissão que ganharam, mas decaíram desde então.
Alguns dos Humanos encontravam a criança de vez em quando, mas nenhum deles estava pronto.
A lenda de uma criança que vivia nas montanhas se espalhou e alguns a chamavam de Feiticeira, outros de Bruxa e alguns de Deusa.
Priscilla Rúbia