CONTOS: Crônicas de Dragonia – O Conto Arrematado

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Quanto não seria doce e prazeroso para uma criança ouvir uma história fantástica, melhor ainda sobre dragões, enquanto o sono não o abraçava à noite? Pena que a voz do narrador inibia esse deleite. Enquanto que com a mãe, que era quem normalmente lhe contava essas histórias, Sef Dragomir sentia-se voando no dorso de um dragão como se ele próprio fosse o personagem, com o tio ele ainda percebia o colchão macio da cama.

Além disso, o estilo das histórias do tio Waldeck era sempre o mesmo: dragões que gostavam de devorar mulheres. Parecia ter um protuberante gosto por esses dragões malvados, claramente evidenciado quando chegava a hora de narrar as refeições, pois tio Waldeck proferia de uma forma tão maliciosa que até parecia ele mesmo quem estava comendo a pobre donzela. E o mais estranho de tudo era que sempre quando chegava a hora do guerreiro aparecer para derrotar o dragão, tio Waldeck encerrava a narração com a desculpa de que já estava muito tarde e precisava dormir para acordar cedo na manhã seguinte.

Adormecer revolvendo na mente as imagens triunfantes de um vilão feroz certamente não é um final desejável para uma criança. Mas, felizmente, Sef era um menino de oito anos. O potencial imaginativo de uma criança é infinito e divertido. Por isso, ele mesmo resolveu continuar a historinha em sua cabeça.

Mas aqueles tempos de maldade acabariam. Eis que um herói disfarçado entra na toca do dragão…

A boca alargou-se deixando suas presas à mostra. As narinas expeliram um ar excitado. A cauda sinuosa movia-se de um lado a outro em ansiedade. E os olhos saboreavam a pureza na forma de uma mulher vindo ao seu encontro.

 Uma vez por semestre, os moradores do vilarejo de Paleon deveriam ofertar uma jovem virgem entre 15 e 25 anos ao dragão que residia na montanha próxima para que a fera não descesse de lá e queimasse o lugar. Um andarilho que passasse pela cidade pensaria que os vilões não ousavam enfrentar o dragão por medo de morrerem e verem o lar destruído. Porém, quem disse que os habitantes realmente desejavam a morte do dragão? Muito pelo contrário. Desde que a criatura surgira na aldeia há alguns anos, reavivando assim as lendas de outrora envolvendo Paleon e os dragões, o vilarejo tornou-se afortunado. Quem tinha pouco ou quase nada na mesa passou a se enfartar devido à melhora no gado e na agricultura. Quem estava de frente à porta aberta para a morte natural ganhou, além de uma extensão de vida, uma vitalidade de alguém próximo dos quarenta anos. Quem sofria de alguma doença grave ou pequena alegrou-se com uma existência salutar e livre de quaisquer enfermidades (até mesmo impotência sexual era curada). Eram dádivas de deus, mais especificamente, de um dragão. Por esse motivo, a criatura chamada Josex era vista com respeito pelos habitantes, que não se importavam em pagar um pequeno preço por esses milagres.

— Hm, que corpo saboroso — antegozou o dragão com sua voz cavernosa, avaliando a beldade achegando-se timidamente.

A identidade da jovem, porém, era indiscernível. Uma extensa cabeleira avermelhada lhe cobria o rosto, revelado apenas pelas mãos do dragão quando este desejasse. Sim, exatamente. Mãos. Porque as garras da criatura, assim como todas as outras partes de seu corpo, regrediram para uma forma humana. Nenhuma vítima imaginaria estar diante de um homem de compleição vigorosa e desnudo em vez de um dragão prestes a comê-la.

As mãos então puxaram as mechas do cabelo que ocultavam o rosto da donzela. Surpresa! Nunca aquelas feições pertenceriam a uma jovem e inocente senhorita. Muito pelo contrário, a fisionomia era masculina e desprendia agressividade. O dragão em forma de homem recuou dois passos, assustado, não por ser enganando pelos habitantes que lhe mandaram um homem ao invés de uma mulher, pois se assim fosse ele sopraria sua fúria chamuscante sobre a cidade. O que lhe deixou enraivecido foi a identidade daquela pessoa; um rosto familiar de uma época em que a divina imponência ainda era um sonho.

— Você… mas como? — O tom não era o de um dragão e sim de um humano chamado Waldeck.

A súbita presença daquela pessoa exigiria uma forma mais altiva. Por isso a pele ganhava escamas e se esverdeava, os olhos retomavam a íris vertical e fendida, a mandíbula alargava-se para conter os dentes afiados, o rabo crescia, e muitos outros aspectos de dragão se manifestavam um atrás do outro.

Enquanto essa transformação ocorria, um vestido branco foi brevemente erguido. Um movimento ágil desembainhou uma espada e a girou na direção do inimigo, que só percebeu relances prateados no ar de tão rápido que foi o ataque. A lâmina atravessou o pescoço da criatura, fazendo o sangue jorrar e a cabeça que parecia um meio termo entre dragão e humano rolar pelo chão da caverna.

— Agora eu sei porque você nunca me contava a parte em que o herói matava o dragão — disse Sef Dragomir para a cabeça decepada do tio.

Luiz Teodósio