Saudações, caros leitores! Dando continuidade ao especial sobre Stephenie Meyer, trago a resenha feita pela Cristine Tellier! O livro? A Hospedeira! Antes, vamos conhecer mais a fã que escreveu a análise.
Bio: Meu nome é Cristine, moro em São Paulo, sou analista de sistemas, dando os primeiros passos na área editorial como preparadora/revisora de textos. Mantenho o blog printStackTrace(), em que escrevo sobre meus principais interesses – ou vícios: livros, cinema e corrida. Tenho também um outro blog, Hora do pão(horadopao.blogspot.com), no qual publico algumas das receitas mais consumidas aqui em casa.
Que me desculpem os fãs de Crepúsculo, mas o “modelo” de vampiro para mim ainda é o Conde Vlad – comentei sobre isso na resenha anterior, sobre Drácula, de Bram Stoker. Admito ter lido a saga, porém mais por curiosidade de saber o desfecho do que por apreciar muito a obra. Sendo assim, ao topar escrever esta resenha, obviamente minha escolha não recaiu sobre nenhum dos livros da saga.
Aos que resolvem ler A hospedeira esperando que seja outro livro no mesmo estilo da saga, certamente têm suas expectativas frustradas. A capa avisa: da “autora da série Crepúsculo”, o que pode levar a um erro de interpretação, pois definitivamente este não é mais um livro YA. Isso, para os leitores que não se tornaram fãs incondicionais da estória de Edward e Bella é uma vantagem. E, para os demais, vencida a resistência (ou decepção) inicial, persistir na leitura revela que a capacidade narrativa de Meyer vai muito além de estórias de vampiros que brilham ao sol. Posso afirmar que fiquei surpresa ao perceber que era uma trama de ficção científica, motivo mais que suficiente para me incentivar a continuar lendo.
Sinopse:Nosso planeta foi dominado por um inimigo que não pode ser detectado. Os humanos se tornaram hospedeiros dos invasores: suas mentes são extraídas, enquanto seus corpos permanecem intactos e prosseguem suas vidas aparentemente sem alteração. A maior parte da humanidade sucumbiu a tal processo. Quando Melanie, um dos humanos “selvagens” que ainda restam, é capturada, ela tem certeza de que será seu fim. Peregrina, a “alma” invasora designada para o corpo de Melanie, foi alertada sobre os desafios de viver dentro de um ser humano: as emoções irresistíveis, o excesso de sensações, a persistência das lembranças e das memórias vívidas. Mas há uma dificuldade que Peregrina não esperava: a antiga ocupante de seu corpo se recusa a desistir da posse de sua mente. Peregrina investiga os pensamentos de Melanie com o objetivo de descobrir o paradeiro dos remanescentes da resistência humana.
A estória é narrada em 1 a. pessoa. Narrativas assim costumam me agradar, por haver nelas um problema intrínseco: o leitor enxerga os eventos através dos olhos de apenas um personagem. E, caso o autor não seja hábil para usar isso a seu favor, o problema se torna uma falha e pode chegar a prejudicar o desenrolar da estória. Porém, neste livro, há mais de um narrador. Melanie e Peregrina alternam-se e este é um recurso que garante à trama um bom atrativo. Ao leitor é dada a oportunidade de acompanhar os eventos a partir de pontos de vista não apenas diferentes, mas quase opostos. E mesmo quando Peregrina está narrando, o que acontece na maior parte do livro, ainda assim Melanie está presente pois elas “conversam” muito entre si – apesar de parecer estranho que um invasor interaja tanto com um invadido. Contudo, acredito que a autora poderia ter explorado mais a alternância entre as narradoras, dando mais dinamismo ao texto. Se Melanie “assumisse” a narrativa também no presente, e não apenas nos flashbacks, o antagonismo, o conflito entre elas ficaria ainda mais evidente.
Diferente de vários outros livros com temática semelhante, o enfoque deste não é o início da invasão alienígena, os primeiros humanos “infectados”, a percepção dos demais sobre o que está ocorrendo e a luta contra os invasores. Neste, os alienígenas já estão entre os humanos ou, mais especificamente, dentro deles, assumindo o controle do corpo e sobrepujando a mente, tomando o lugar do “eu” de cada um. E o que decorre disso é o questionamento sobre como reagem ou devem reagir os 100% humanos ao se deparar com um hospedeiro conhecido. O corpo é o da pessoa que se conhecia. Suas feições, seu modo de andar, seu jeito de falar continuam os mesmos. Ainda é a pessoa com que se convivia. Mas ao mesmo tempo, não é mais, ao menos na maioria dos casos. Melanie é uma hospedeira que resiste à invasão. E daí decorre mais um conflito, além do cabo de guerra entre Peregrina e Melanie pelo controle de suas palavras e atos. Como explicar e provar isso aos que a conheceram antes de ser invadida sem fazer parecer que é um estratagema da invasora para se infiltrar entre os humanos reminiscentes?
Um aspecto interessante, que ganha destaque com a narrativa de Peregrina, é observar a inserção das almas pelo ponto de vista dos invasores. Diferente do que possa parecer do ponto de vista dos humanos, a invasão não é motivada por uma ânsia de domínio sobre outras espécies ou mesmo por uma necessidade de povoar outros mundos. Aos olhos dos invasores, suas ações se justificam por visarem o bem-estar da Terra, “tão árida, tão variada e cheia de ocupantes violentos e destrutivos que mal podíamos imaginar”. Mesmo sendo alienígena, Peregrina apresenta características bem humanas. Na verdade, qualidades: compaixão, honestidade, lealdade, comprometimento, persistência e mesmo amor. Enquanto isso, os humanos surgem à primeira vista exibindo características negativas: ira, preconceito, desejo de vingança, egoísmo, incapacidade de perdoar. O leitor que, naturalmente, a priori toma partido dos humanos, vê-se num dilema ao começar a se questionar sobre “o melhor” lado. A aversão inicial pelas almas, pelo modo como são inseridas nos humanos, vai dando lugar ao entendimento. E quem lê passa a ter dúvidas sobre qual delas – Melanie ou Peregrina – merece tomar posse total do corpo.
Como não poderia deixar de ser, há romance permeando a estória. A própria autora afirma na contracapa que se trata de um “triângulo amoroso com apenas dois corpos”. Não é bem isso, mas esclarecer seria um spoiler, então me atenho às palavras de Meyer. O sentimento amoroso é abordado de forma bem menos adolescente e menos insípida que em Crepúsculo e, apesar de inicialmente parecer apenas ser um complemento à trama, acaba por tornar-se parte decisiva no desenrolar dos acontecimentos, no clímax da estória e no desenlace final.
Apesar de o prólogo ser eficiente ao jogar o leitor no universo da estória, o primeiro terço do livro é bem arrastado, o ritmo é bastante lento. É preciso persistência. A narrativa prende a atenção do leitor, mas certamente muitos detalhes desnecessários poderiam ter sido suprimidos. Um texto mais enxuto deixaria a leitura mais ágil e bem mais interessante. Porém, passadas essas primeiras cento e poucas páginas, o texto adquire ritmo suficiente para ficar difícil abandonar a leitura – o típico “ah, só mais um capítulo”.
A edição brasileira, apesar da capa caprichada e da impressão em papel pólen (super confortável para a leitura), deixa muito a desejar. A revisão está péssima, há erros de ortografia e de digitação em quantidade bem acima do tolerável. Um ou outro, numa obra extensa, são aceitáveis. Mas não é este o caso, infelizmente. Tomara que, com a estreia do filme, o livro seja reeditado sem tantos erros grosseiros.
Enfim, apesar das falhas da edição nacional e de alguns problemas no desenvolvimento da trama, é uma boa leitura para fãs e não-fãs da saga Crepúsculo.