Saudações, caros leitores! Como todos sabemos, escritores costumam manter vários projetos em suas mentes e a autora Julianna Costa divulgou o prólogo de “Infestação”, livro que está desenvolvendo paralelamente à continuação de Idade do Sangue.
Prólogo:
Todo o acampamento estava ao redor do Coronel e do frágil corpo morto da pobre menina. Ela ainda não tinha dez anos. O corpo lívido e enrijecido tinha sido lavado diversas vezes antes do funeral. Blake não se lembrava de qualquer corpo ter sido limpo tantas vezes e com tanta dedicação. Mas acho que aquela era a primeira morte estranha que o acampamento teve de lidar nos últimos anos. Pessoas eram assassinadas por zumbis e sabe-se lá mais o quê, morriam de fome, de frio, de medo… Morriam tentando defender suas poucas posses, ou tentando roubar as posses dos outros. Tudo aquilo era comum nos dias de hoje. Comum até demais.
Mas a jovem Alice não tinha dez anos. Estava morando no coração do acampamento, protegida das criaturas que habitavam o escuro e os pesadelos. Só esqueceram-se de protegê-la contra as criaturas do dia. As que caminham debaixo do sol de meio dia como se fossem seres humanos normais. As que falam e conversam e comem e brincam e riem. E estupram garotinhas de nove anos, fazendo-as cometer suicídio quando o trauma se torna insuportável.
Moe Urso tinha adotado Alice há muito tempo. Logo depois que a desgraça desceu sobre a terra. Ele se certificava que ela tinha comida e cobertores e que não precisaria sair do acampamento para nada. Mas aí veio ele. E ele tomou as mulheres que quis. E não importava o quanto as pessoas gritassem para o Coronel, os gritos sempre encontravam seus ouvidos militares surdos. Ele tinha problemas piores para lidar do que um estuprador no acampamento. E nada foi feito. E Alice morreu. E, agora, nada conseguia conter as lágrimas de Urso.
— É sempre triste quando Deus resolve levar alguém tão jovem. – o Coronel falava com palavras abafadas. Metade das pessoas que o ouviam, o culpavam. A outra metade culpava Alpha. Ela também não tinha feito nada. – Ao resto de nós, resta apenas continuar. Como já temos feito há tanto tempo. Continuar apesar dos problemas, apesar das dores e do medo. É só o que nos resta.
Blake observava o Coronel com olhos apáticos. O acampamento ia continuar a seguí-lo por falta de opção e a obedecê-lo por falta de colhões. Ninguém queria questioná-lo.
— Problemas, dores e medo. – as palavras roucas foram pronunciadas por alguém atrás da multidão. – Uma criança foi estuprada e morta e essas são as palavras que você usa em seu funeral?
Era Alpha. Ela tinha chegado não se sabia de onde. O coração de Blake sufocou no peito. Ela estava coberta de sangue. “Ah, menina… O que foi que você fez?”
— Resolveu se juntar a nós? – o coronel perguntou com nojo – Estava começando a me perguntar onde você tinha se escondido. – ele mantinha os olhos no chão. Na cova aberta e ainda vazia. Ele não tinha notado o estado em que Alpha se encontrava.
— Problemas, dores e medo. É só isso que nos sobrou, Coronel. – cuspiu as palavras com asco – Porque é só isso que você nos dá.
— Ela se matou, sua imbecil arrogante. Não foi um assassinato. – ele levantou os olhos para ela e travou em pânico. – Mas o quê…
— Esse é o seu problema, seu ANIMAL? Não ter sido um assassinato?
Blake a conhecia bem demais. Ela queria chorar, queria muito. Mas não faria isso.
O Coronel ainda estava boquiaberto e as palavras lhe faltaram. A multidão abria passagem para Alpha e se mantinha em um silêncio sagrado.
— Todo mundo baixa a cabeça pra sua imbecilidade, porque todo mundo tem medo de tentar sobreviver sozinho e não conseguir. É mais fácil deixar a responsabilidade nas mãos de outras pes…
— Você quer guiar essas pessoas? Fique a vontade.
— Cala essa boca que eu ainda estou falando!
Ela tinha algo na mão esquerda. Algo que ela apertava como se sua vida dependesse disso.
— O que é que você era mesmo? Sua vadiazinha? Você dava em cima de um excelente militar para que ele te protegesse e…
O cruzado de direita pegou o Coronel bem no maxilar e o levou ao chão. Em segundos, armas tinham sido sacadas de todos os lados. Lobos e Militares apontavam as armas uns para os outros. Mas Alpha estava coberta de sangue. E apesar de estar em menor número, os Lobos sabiam o que aquilo significava, e iam morrer duas vezes cada, antes de deixar alguém tocar na líder de seu bando. Blake sacou sua arma e a apontou para o Coronel: se fosse necessário ia matá-lo antes que ele tomasse fôlego para mandar matar a mulher que ele amava.
“A mulher que amo”. O olhar de Blake foi do Coronel para Alpha. Suja e maltrapilha, banhada no sangue dele. No que ela tinha se tornado? A garota doce e meiga. Frágil, que precisava de instruções para fazer qualquer coisa. Ela tinha se tornado um monstro. Um monstro coberto de sangue de estuprador, apertando algo em sua mão trêmula de fúria.
Urso tinha os olhos no chão. Alpha ignorou os xingamentos do Coronel e os avisos dos Militares e parou de frente para o amigo com lágrimas nos olhos.
— Desculpa, Urso. – sussurrou. Abriu sua mão e espremeu contra ela o que trazia consigo. Só então Blake percebeu o que seria.
Alpha se abaixou e beijou Alice na testa. “Nunca mais”. Era isso que ela estava pensando. Exatamente como naquele dia. “Nunca mais”. Nunca mais ia deixar ninguém pra trás. Nunca mais ia deixar ninguém morrer por sua negligência.
Ela se afastou. Não ia ficar pro enterro. Alpha nunca enterrava ninguém.
Se os Militares pensaram em atirar, foi só por um momento que rapidamente se foi. Alpha ignorou todos eles no seu caminho de volta para o acampamento. Atrás dela seus Lobos batiam os punhos fechados nos peitos e a saltavam com um “a-uh” baixo e respeitoso. O Coronel continuava de joelhos em um grito mudo, vendo um Urso, que não chorava mais, segurar os testículos do estuprador morto para quem quisesse ver.
Fonte: Site – Outros Deuses.