ENTREVISTA: CIRILO S. LEMOS, AUTOR DE “O ALIENADO”

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Saudações, caros leitores! Recentemente foi publicada a resenha de “O Alienado” do escritor Cirilo S. Lemos – você pode lê-la aqui – no Leitor Cabuloso e agora vocês podem ler a entrevista que o autor concedeu. Entretanto, vamos saber mais um pouco acerca do entrevistado antes?

Quem é Cirilo S. Lemos? Nasceu em Nova Iguaçu, Baixada Fluminense, em 1982. Foi ajudante de marceneiro, de pedreiro, de sorveteiro, de marmorista, de astronauta. Fritou hambúrgueres, vendeu flores, criou peixes briguentos, estudou História. Desde então se dedica a escrever, dar aulas e preparar os filhos para a inevitável rebelião das máquinas. Gosta de sonhos horríveis, realidades previsíveis e fotos de família. Publicou em Imaginários v. 3 (2010) e Dieselpunk (2011), pode ser encontrado em @CiriloSL.

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Olá, Cirilo. Quero dizer que “O Alienado” foi uma viagem literária tão surreal que tive de me esforçar um pouco para colocar os pés no chão novamente e escrever a resenha, mas aqui estou, sem os Metafilósofos em meu encalço, para entrevista-lo. Sinta-se à vontade nas respostas…

Fico feliz que tenha gostado.

1 – Com tanto surrealismo presente em seu livro, a primeira pergunta não poderia ser outra: como surgiu a ideia de escrever “O Alienado”?

Pode parecer brincadeira, mas a origem de O Alienado, aquele ponto que pode ser definido como o marco zero da ideia, está meio nebuloso na minha memória. Da primeira palavra rabiscada num caderno velho até a publicação pela editora Draco, vão aí uns sete ou oito anos muito agitados da minha vida, o que ajuda a tornar a origem do romance algo meio incerto. Lembro de algumas conversas com amigos, pouco tempo depois do encerramento da trilogia Matrix, que começaram a me guiar para a filosofia, primeiro com alguma desconfiança, depois como um interesse genuíno (não que faça sentido). 2004, ano em que realmente meti a mão na massa e comecei a escrever as versões iniciais, foi também o ano em que li A Metamorfose e O Processo pela primeira vez, devorei os contos estranhos de autores estranhos e livros de filosofia para estudantes de ensino médio, e um monte de acontecimentos novos, bons e ruins, se sucederam na minha vida. Isso deve ter se misturado de alguma forma. Em um dia entediante na loja onde trabalhava, rabisquei o roteiro inteiro do livro (do qual pouco foi aproveitado) em algumas horas. Não sei de onde isso surgiu, mas nosso cérebro é engraçado, e tudo isso deve ter fermentado em algum lugar. E então emergiu.

2 – O romance é como um quebra-cabeça, algo que comentei na análise, logo gostaria de saber como foi o processo de escrita.

Quebra-cabeça é a palavra que eu tinha em mente enquanto escrevia. Queria que fosse uma espécie de labirinto para o Cosmo, mas não para quem lesse um dia (eu não tinha esperanças de um dia publicar coisa alguma). Minha maior preocupação era justamente essa, seria a história palatável? Não foi algo fácil de lidar. A sensação de que estava gastando uns bons anos nisso também assustava bastante. Cara, foi um processo bem estranho. A história se recusava a seguir o roteiro, como se tivesse indo em outra direção por vontade própria. E a cada mínima mudança, uma frase que fosse, exigia que a estrutura inteira fosse revista, e isso levava semanas, meses. Todas as formas de interpretar o que realmente estava acontecendo no livro foram pesadas, medidas, checadas. Cheguei a abandonar o livro duas vezes, fazer uma pausa de um ano. Sou impaciente, não consigo ter paz de espírito enquanto não terminar o que estou fazendo. E O Alienado era um pântano de anotações e direções diferentes em que eu me sufocava e afundava cada vez mais, sem ver a luz no final. Acho que isso se refletiu no Cosmo, o personagem principal do romance. Enfim, foi duro pra mim e para o Sr. Kant. Prometo que meu próximo romance não vai me matar.

3 – Qual foi o seu intuito em inserir três intervenções de quadrinhos no livro? Normalmente as ilustrações tem a função mais de ornamentar mesmo, mas nesse caso o sentido é obviamente outro.

Foi algo que me ocorreu bem mais tarde. Originalmente, aqueles trechos eram em prosa. Passagens que, por mais que eu escrevesse e reescrevesse, ainda me pareciam faltar algo. Jim Anotsu me indicou uns livros esquisitos dos quais ele gostava. Um desses foi o romance japonês Sayonara, Gangster, do qual gostei bastante. Um ou dois trechinhos da história é contado em forma de mangá. Como há um personagem em O Alienado que gosta de desenhar, decidi que seria legal se algumas passagens seguissem o formato de HQ. Como não sou desenhista, imagine que desenhar todas aquelas páginas foi uma experiência bem interessante, como pilotar moto sem nem saber andar de bicicleta.

4 – Como está sendo o feedback que você está recebendo de seus livros? Essa foi uma história que me deixou inquieto demais.

Acho que as pessoas estão gostando das desventuras do Sr. Cosmo Kant, o que me deixa orgulhoso e ansioso. Muita gente tem me procurado pelo Facebook e Twitter para falar coisas gentis sobre o livro. É uma coisa bem legal saber que há uma história sua por aí, e que tem gente curtindo e refletindo sobre ela. Só isso já compensa o tempo em que quase fui parar num sanatório.

5 – No livro é possível perceber referências à músicas, filmes, quadrinhos, livros etc. Portanto, você pode me falar um pouco sobre o que você gosta nestas áreas?

Sou um imã de influências. Quase tudo que eu vejo, escuto ou leio acaba me influenciando, se eu permitir. O Alienado tem muito dessa minha promiscuidade com influências. Gosto de muita coisa. Leio de tudo, de Lima Barreto e Asimov a China Mieville e Juan Marsé. Na música, acho que já é de conhecimento geral minha predileção pelo Pearl Jam. Ouço o tempo todo, tenho todos os discos, aprendi a tocar ukulele por causa dos caras. Mas, ó, gosto de outros artistas também. Cresci lendo quadrinhos. Marvel, DC. Conan me enchia de encantamento. Conforme ia crescendo, passei a me interessar por coisas como Blueberry, Incal, Hellblazer, Sandman, Invisíveis. Mantenho o hábito, e continuo lendo assiduamente até o desgastado gênero de super-heróis. Quanto a filmes e séries, não tenho um gênero específico, mas evito coisas como Jogos Mortais, acho meio sem graça. E não poderia deixar de mencionar duas séries, completamente opostas, mas que moram no meu coração: Breaking Bad, com seu protagonista complexo que lentamente vai caminhando para o lado sombrio da força; e Doctor Who, porque gravatas borboleta são legais e, minha teoria (só minha teoria), é a grande inspiração do Sandman de Neil Gaiman.

6 – Você possui algum romance a caminho? Em caso positivo, pode nos falar um pouco sobre isso?

Tem algumas coisas novas a caminho em 2013, algumas noveletas e contos. Mas é improvável que meu próximo romance saia antes de 2014 ou 2015. Ainda está nos estágios iniciais, no processo longo de delinear os personagens, traçar os rumos da trama, esse tipo de coisa. Mas acho que posso adiantar que vai ser uma mistura de História Alternativa, Antígona, Sergio Leone, Dieselpunk e Abril Despedaçado. É uma história de pais e filhos, escolhas erradas e como nem sempre é possível escapar dos sentimentos sombrios, por mais que se tente. E, claro, tem um pouquinho de robôs de combate, amigos imaginários que prevêem o futuro e tiroteios.

7 – Já que você produziu um livro com trechos em quadrinhos, não tem planos de futuramente roteirizar uma HQ?

Ah, vontade eu sempre tive, mas me falta o talento. Os desenhos funcionam em O Alienado porque, de certa forma, o autor deles é o Virgílio. Mas uma HQ exige um domínio de arte que, infelizmente, não está em mim. Não sou desenhista, uma das minhas frustrações. Mas não descarto um dia escrever um roteiro. Vamos ver. Ia ser bem legal.

8 – O Virgílio me pareceu um símbolo em defesa da leitura como meio de libertação da mente, então você pode comentar em que pontos você e esse personagem se encontram?

De certa forma, acho que os livros, as HQs, me fizeram uma pessoa melhor do que eu seria. Não sei se isso aconteceu com Virgílio. Mas compartilhamos de outras coisas: ser um leitor num ambiente onde isso é desvalorizado, e a ideia de que aprendemos mais com os livros que escolhemos que com a escola.

9 – Por último, lhe cedo um espaço para dizer o que quiser, contato que não chame os Metafilósofos…

Isso é o mais perto que chegarei do discurso do Oscar: agradeço ao Erick Santos, editor da Draco, por acreditar no João, e depois por acreditar no Cosmo, e continuar acreditando nas ideias que despejo em cima dele semanalmente. Leandra, Diego, Érico e Jorge, por não me deixarem enlouquecer demais. E aos leitores. Valeu, pessoal.

Cirilo, obrigado por conceder essa entrevista ao Leitor Cabuloso! Sucesso na carreira como escritor! Abraços!

Eu agradeço pela oportunidade.