ENTREVISTA COM O FÃ – COM VALENTINA SILVA FERREIRA

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Valentina Silva Ferreira
Valentina Silva Ferreira

Quem é Valentina Silva Ferreira?

Valentina Silva Ferreira, natural de Portugal, nasceu no Funchal – Ilha da Madeira, perto do Natal de 1988. Aos 15 anos meteu na cabeça que queria ser advogada. Aos 17, e já com o sonho em seguir magistratura, entrou em Direito (Coimbra) e desiludiu-se com o curso. Mesmo assim, licenciou-se. Descobriu que a área da criminologia e do profiling criminal é a que quer para si.

Estuda para isso. No entanto, tudo isto é passatempo: um passatempo que lhe pagará as contas no futuro. A verdadeira profissão – pelo menos de coração – é a escrita. Começou na Revista Magazon. “Cursed City”; “VII Demónios”; Le Monde Bizarre; “PsyVamp”; “Lugares Distantes”; “Eu acredito” e “A polémica Vida do Amor” são algumas das antologias em que participa. Já escreveu os romances Distúrbioe, mais recentemente, A Morte é Uma Serial Killer. Escreve mensalmente para a Infektion Magazine, Comunidade Literária Benfazeja e Revista JA.

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Oi, Valentina! Sinta-se à vontade, pode puxar qualquer uma das cadeiras imaginárias e acomodar-se, sempre gosto de construir a imagem de um lugar quando vou entrevistar alguém. É um prazer lhe entrevistar, pois já conheço um pouco do seu trabalho como escritora e isso com certeza lhe garante a minha admiração como leitor e às vezes escritor. Vamos às perguntas…

1 – Qual foi o contexto em que você conheceu os livros de José Saramago?

Olá. Antes de mais, quero agradecer pelo privilégio de falar sobre um dos meus autores favoritos.

Eu ouço falar de Saramago desde que me conheço como leitora. Na escola, no agrupamento de Ciências e Tecnologias, uma das obras dele – Memorial do Convento (1982) – é de leitura obrigatória mas, como eu estava em Letras e Humanidades, outros autores e outros livros passaram pelas minhas mãos. No entanto, os meus amigos que o estudaram diziam que era muito chato, que o homem não utilizava pontuação, que “se fôssemos nós a escrever assim, estava tudo errado mas, como é um famoso, é arte”. Eu achava piada até porque tudo o que eles achavam chato, eu gostava. Eça de Queiroz, por exemplo. Então, decidi experimentar. Ensaio sobre a Cegueira foi a escolha. E que escolha acertada. Apaixonei-me. Pouco tempo depois, Saramago morreu. E fiquei com aquela sensação: o que vou ler quando todos os livros dele acabarem?

2 – Dos livros do autor qual é o seu favorito e o que você menos gosta?

O Evangelho segundo Jesus Cristo (1991) é o meu favorito. É cru e delirante. Coloca-nos diante de um Jesus e, até de um Deus, igual a qualquer um de nós, que se questiona sobre a sua missão, que é incapaz de perdoar a família pela falta de apoio, que, com toda a insegurança inerente ao ser humano, conclui as incumbências do Pai mas sem se preocupar com a melhor forma de o fazer. O livro que menos gosto é O ano da morte de Ricardo Reis (1984). E, provavelmente, a culpa é minha. Ricardo Reis é, dos heterónimos de Pessoa, aquele que eu mais me distancio. Confesso que li o livro com um pé atrás e não me deixei seduzir. Sei que um dia destes volto a ele.

3 – Dentre as adaptações (filmes) que foram feitas dos livros dele, qual você mais gostou e qual não apreciou tanto ou achou ruim?

Acho que só vi um filme adaptado de um livro dele (Ensaio sobre a Cegueira). Gostei mas não adorei. E adoro o livro. A beleza dos livros de Saramago está na sua capacidade de questionamento que, inevitavelmente, nos leva a refletir. Há toda uma fusão de sentidos: é possível ao leitor observar cada detalhe, entrar na ação, ser ele próprio uma das personagens e, ao longo da narrativa, sentir um desconforto dentro de si. É uma leitura emocional mas, também, física. O filme é mais visual. As imagens chocam, é certo, mas falta ali Saramago. Falta a forma perfeita de como ele diz as coisas sem se preocupar com o sofrimento do leitor.

4 – Você possui algum relato curioso envolvendo um livro de José Saramago?

Depois de ler três ou quatro livros do autor, decidi experimentar escrever ao seu estilo. Fi-lo com dois contos, se não estou em erro. Corri riscos ao mostrá-los a pessoas. Todas disseram: mas isso é igual à escrita de Saramago. Guardei-os, claro, e nunca mais o fiz. Pergunto-me sempre se, algum dia, serei capaz de ter uma escrita que, se imitada, as pessoas digam: mas essa é a escrita da Valentina. Já pensaram quão fantástico isso é?

5 – O que lhe cativou nos textos dele?

Como disse anteriormente, os textos de Saramago não são simples histórias de entretenimento. Elas sufocam porque mostram a podridão da sociedade e as hipocrisias. Saramago é exímio em humanizar. Fê-lo perigosamente em O Evangelho segundo Jesus Cristo. Fê-lo deliciosamente em As Intermitências da Morte (2005). Saramago arrisca e concretiza. Só um ótimo escritor é capaz de arriscar. Eu não o sou capaz. Tenho medo de várias coisas. Ele não. É impossível não admirar essa coragem e esse desligamento das críticas. Saramago diz o que tem a dizer, na sua forma muito peculiar, quase egoísta de não se preocupar com as sensações transmitidas ao leitor. Nos seus textos, as coisas não são suavizadas, pelo contrário.

6 – Se o autor fosse vivo, o que você acha que ele diria sobre o mundo agora?

Deveríamos ter vergonha de nos considerarmos humanos ainda.

7 – Qual presente você daria a ele?

Uma casa no campo, com computador, sossego, a sua Pilar e um pedido: escreva mais um.

8 – Como o escritor lhe influenciou? Qual o significado dele para você?

Sempre que escrevo, questiono-me se acrescentarei alguma coisa necessária ao mundo – ao meu pequeno mundo, claro. Estarei a mudar nem que seja uma pessoa? Farei alguém refletir? Levantarei algum questionamento? Causarei sensações ao leitor? Saramago abala os leitores e faz-me, enquanto autora, pensar nisso tudo antes de começar um texto. Escrever por escrever é bom para praticar e guardar em casa. Mas quando o objetivo é mostrar para fora, tem que haver uma boa razão para o fazer. Claro que não temos todos que escrever com esse propósito. Claro que os motivos pelos quais cada um escreve, dizem respeito apenas ao próprio autor. No meu caso, não vejo lógica em escrever se não for para apontar o dedo a alguma coisa que me incomoda. Saramago fez-me perceber quão pequena sou. Mas isso não é mau. Tenho uma vida toda para aprender e escrever.

9 – Você poderia nos citar uma frase do autor que tenha lhe marcado?

Os inícios dos romances de Saramago são sublimes. Sei quase todos de cor, mas o meu favorito é: “No dia seguinte ninguém morreu” – As Intermitências da Morte.

Não posso citar apenas uma frase. Deixo algumas para que, quem nunca tenha lido Saramago, se apaixone por ele.

“Por que foi que cegámos, Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, Queres que te diga o que penso, Diz, Penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que, vendo, não vêem” – Ensaio sobre a Cegueira.

“ Pode no entanto acontecer, embora, para falar verdade, não seja do que mais se vê, que um desses prestimosos funcionários públicos, por azares da vida e quando nada o faria esperar, se encontre entalado entre a cruz e a caldeirinha, isto é, entre aquilo que deveria ser e aquilo que não quereria ser.” – Ensaio sobre a Lucidez (2004).

“Primeiramente, pois tudo precisa de ter um princípio, mesmo sendo esse princípio aquele ponto de fim que dele se não pode separar (…)” – Conto  “Refluxo”, Objecto Quase (1978).

A equipe do Leitor Cabuloso agradece a entrevista cedida! Abraços, Valentina! Muito sucesso com as suas histórias e venha logo visitar o nosso país!

Obrigada, mais uma vez. Boas leituras e sucesso para o blog.

P.S: A Valentina estará em um evento em São Paulo no dia 25 deste mês! Informações: AQUI!