DIÁRIO DE LEITURA: OUTUBRO DE 2011

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O que eu pretendia lerO que eu li
· “A Redoma de Vidro”, Sylvia Plath· “A Redoma de Vidro”, Sylvia Plath
· “Nove Histórias”, J.D.Salinger· “Nove Histórias”, J.D.Salinger
· “Um Marido Ideal”, Oscar Wilde· “Um Marido Ideal”, Oscar Wilde
· Poesia Completa”, Florbela Espanca (metade)· “Fama – um romance em nove histórias ”, Daniel Kehlmann

Mudança de planos

Mudei os planos em relação a livros de poesia. Dificilmente ia conseguir tratar de um livro inteiro, então resolvi simplesmente focar na prosa. Simples assim..

Uma história extremamente dolorosa

Sylvia Plath

Sempre tenho curiosidade de conhecer autores que se transformam em ícones para os leitores. Muitas vezes tenho a atenção despertada pela quantidade de tatuagens que eles inspiram (sério!). Sylvia Plath é um caso desses. Vocês não fazem idéia de quantas pessoas já tatuaram a célebre frase “I am, I am, I am, tirada do seu mais famoso livro, “A Redoma de Vidro”. Por isso, resolvi ler.

Ele conta a história, parcialmente autobiográfica, de uma jovem aspirante a escritora que acaba surtando e sendo internada em um sanatório. No final da edição que eu li há uma breve biografia da autora, e é assustador descobrir que muito daquilo realmente aconteceu.

No começo do romance a jovem Esther está em Nova Iorque trabalhando por algumas semanas em uma revista de moda. Ela ganhou o estágio em um concurso, e há várias meninas na mesma situação. Foi a parte do livro de que mais gostei, porque lembra muito o “Apanhador no Campo de Centeio”, do Salinger. Esther tem a mesma acidez de Holden Caufield, e perambula pela cidade por festas e caminhadas solitárias alternando entre o fastio típico da idade e dúvidas sobre o que fazer depois que o estágio terminasse.

Quando volta para casa, sua maior expectativa é ser aceita em um curso de literatura, mas ao ser rejeitada ela surta. Não sabe que rumo dar à sua vida, começa a não dormir e não consegue mais escrever. A situação vai se agravando, até ela tentar o suicídio e ser internada em um sanatório.

"A Redoma de Vidro", em uma das edições mais conhecidas

Essa parte da internação é muito triste, porque Sylvia Plath consegue exprimir muito bem a confusão mental pela qual passa uma pessoa com esse tipo de problema. O livro é escrito de maneira que o próprio leitor tem dificuldades de entender a realidade de maneira plena, e confesso que isso me angustiou.

Como todo clássico, é um livro que merece ser lido, desde que você consiga entrar no espírito da coisa, sem no entanto se perder demais.

Uma aula de como escrever contos

J. D. Salinger

Que Salinger é um dos maiores escritores de todos os tempos ninguém discorda. O problema é que quase todo mundo só conhece o atemporal “Apanhador no Campo de Centeio”. No entanto, o recluso autor norte-americano era um mestre dos contos, tendo escrito uma coletânea do gênero, além de alguns poucos contos em outros volumes.

“Nove histórias” tem alguns dos melhores contos que já li na vida. Logo de cara, “Um dia ideal para os peixes-banana”, que é uma aula de literatura. Curtíssimo, consegue contar uma história densa e complexa com apenas algumas sugestões muito bem montadas pelo autor. Começa com uma conversa telefônica entre uma mulher e a sua mãe, e dessa conversa já tiramos que o marido da personagem voltou da guerra e tem tido dificuldades de adaptação. O conto imediatamente corta para uma cena na praia, em que um homem brinca com uma menina. Rapidamente percebemos que é o tal marido problemático, mas ele parece tão normal que ficamos em dúvida sobre o que ouvimos na primeira cena. Aos poucos a conversa entre o homem e a menina vai se tornando estranha, e começamos a duvidar realmente da sanidade da personagem. O homem então volta ao hotel onde está hospedado com a mulher, e temos um final seco, impactante e inesperado. Uma história gigantesca, em pouquíssimas páginas!

A capa da minha surrada edição, diretamente de Tel-Aviv!

 

Outro conto espetacular é “O homem gargalhada”, que tem história dentro da história (algo que, a essa altura do campeonato, vocês já devem saber que eu adoro). Um jovem lidera uma espécie de grupo de escoteiros, sendo por eles venerado. Enquanto os leva de ônibus para jogar beisebol, conta as aventuras de um herói chamado “Homem Gargalhada”, e o garotos acompanham sofregamente cada história. A relação dos meninos com o chefe, a entrada no grupo da namorada dele e o final melancólico são perfeitos.

Todos os contos são excelentes, vale MUITO à pena a leitura.

Do tempo do teatro raiz, do teatro moleque

Oscar Wilde

A gente vê tanta coisa pretensiosa em teatro que às vezes dá vontade de ler um autor clássico. E clássico aqui no sentido lato, dizendo respeito às peças com estrutura tradicional, independentemente do período literário.

Oscar Wilde é um dos meus escritores preferidos, porque era um mestre da ironia e do sarcasmo. Sua obra pintou brilhantemente a sociedade inglesa do final do século XIX, através de romances, contos e peças teatrais. Como nunca tinha lido uma peça dele, resolvi começar por uma das mais famosas, “Um Marido Ideal”, de 1895.

O autor irlandês foi um dos maiores frasistas de todos os tempos, e é inútil tentar sublinhar as melhores passagens de qualquer livro seu. Todos os personagens são cínicos, debochados, e cada fala é um tapa no abominável politicamente correto. Nessa peça em especial, a condição da mulher como mera acompanhante do homem é o tempo todo realçada, mas com tanto humor que o leitor nem se aborrece. Ademais, ao mesmo tempo em que exprime a submissão feminina, ele faz questão de declarar a sua condição divina, de divindade a ser adorada.

Um Marido Ideal

Sobre a peça em si, tem a estrutura clássica da comédia, com inúmeras reviravoltas para deixar o espectador/leitor envolvido. Basicamente, é a história de uma dama da alta sociedade que chantageia um figurão político com um segredo do passado. No curso da peça a posição chantagista/chantageado se inverte, até o final em que, obviamente, tudo se revela.

Fazia tempo que não lia teatro, gênero que eu adoro. Essa peça me fez rir muito, e me deliciei com as idas e vindas dos personagens. Só achei que podia ser um pouquinho mais longa, porque deu pena de terminar tão rápido!

Um livro de contos, ou um romance em capítulos?

“Fama – um romance em nove histórias” nem estava na minha lista de to-read desse mês, mas uma resenha no Casmurros chamou a minha atenção e resolvi comprar. Eu estava mesmo animado para ler contos nas últimas semanas, e esse livro em especial parecia muito bom, porque, segundo as críticas, misturava um pouco as histórias.

Explico: são nove contos independentes, tratando de assuntos diversos e usando diferentes linguagens (há um inteiro escrito como postagem de fórum de discussão, muito interessante, mostrando como se escreve truncado na internet). No entanto, alguns personagens se repetem. Em um conto determinada pessoa é mencionada casualmente, em outro é a personagem principal. Em um alguém é obrigado a ir a um congresso repentinamente, e mais à frente lemos a história da pessoa que deveria ter ido originalmente para ele, e ficamos sabendo porque acabou desistindo.

Mas não pense o leitor que o livro traz um quebra-cabeças a ser montado. Os pontos de contato são superficiais, apenas curiosidades que deixam a leitura mais divertida. No fundo, o autor quer apenas brincar com as conexões improváveis que existem no mundo. Como diz um personagem em determinado momento (e que, não à toa, é escritor), “Nós estamos sempre em histórias. Histórias em histórias em histórias. Você nunca sabe onde uma termina e a outra começa! Na verdade, todas convergem umas para as outras. Só nos livros é que elas estão claramente divididas.”

Fama - um romance em nove histórias

Metalinguagem pura! Mas cada conto é delicioso em si próprio. O jovem autor alemão, multipremiado, consegue manter o leitor na sua mão, nos manipula, fazendo com que soframos as angústias e urgências dos personagens. E a cereja do bolo é que quase todos os finais são abertos, como se a solução não fosse o principal. Afinal, se nenhuma história termina para outra começar, não há necessidade de fechar nada. É maravilhoso ver um personagem passar um conto inteiro cogitando fazer ou não fazer alguma coisa, e a história terminar com um simples “E se”.

Adorei o livro. Certamente vou buscar outros do mesmo autor.

Onde conseguir?

“A Redoma de Vidro” foi editada pela Record. “Nove Histórias” possui edição da Editora do Autor, “Fama…” foi editada pela Companhia das Letras e “Um Marido Ideal” tem edição da Ediouro. Todos estão disponíveis na Livraria Cultura 😉

E no próximo mês…

Mês que vem pretendo ler: “O Grande Gatsby”, do F. Scott Fitzgerald, “Um lugar Incerto”, da Fred Vargas, e “The Sense of an Ending”, de Julian Barnes.

Será?