[Resenha] On the Road – Jack Kerouac

Capa do livro. Um fundo amarelo com um mapa de estradas de alguns estados dos EUA. Em primeiro plano, no topo o nome do autor. No centro à esquerda um recorte de uma foto preta e branca e antiga de um homem de camiseta e calça jeans. Mais à direita o título do livro em letras grandes com aspecto de ferrugem, e logo abaixo o texto
Capa do livro. Um fundo amarelo com um mapa de estradas de alguns estados dos EUA. Em primeiro plano, no topo o nome do autor. No centro à esquerda um recorte de uma foto preta e branca e antiga de um homem de camiseta e calça jeans. Mais à direita o título do livro em letras grandes com aspecto de ferrugem, e logo abaixo o texto "Pé na Estrada". Mais abaixo um carro vermelho conversivel semelhante a um cadillac antigo. À direita o texto "Introdução e posfácio de Eduardo Bueno"

Um clássico da literatura que foi a inspiração para a geração beat. E não posso deixar de mencionar que influenciou o Bebop, Rock, Pop, os hippies e o movimento punk. Como um livro pode fazer tudo isso? Qual o segredo ou grande inovação contida nos capítulos, nas palavras? Ao final de On The Road de Jack Kerouac pude entender não só o fascínio como também uma época muito diferente da atual.

Entender o contexto

O livro todo é narrado pelo ponto de vista de Sal Paradise, mas é um mergulhar sobre o amigo dele, Dean Moriarty (ambos de New Jersey). Abri o livro o encarando como uma ficção. Bastou ler algumas páginas para notar o tom biográfico. Com uma rápida pesquisa descobri que trata-se de uma semi-autobiografia de Jack Kerouac. Ter a ciência deste contexto dá peso à história. Em toda a leitura imaginei como o final dos anos 40 contrasta com o presente. Para ser exato, o modo como Sal e Dean encaravam a vida faz a comparação ser inevitável.

Narrativa e linguagem

Um livro biográfico ou semi-biográfico depende muito da linguagem. A escrita precisa levar o leitor para o passado e a voz do narrador deve transmitir uma verdade. Desta maneira qualquer loucura será encarada como um fato. Neste ponto On The Road acerta ao relatar as viagens do protagonista.

Sal tem como princípio viajar, conhecer pessoas e lugares. Este viver a vida sem um local para chamar de casa, um trabalho fixo e relacionamento duradouro não se relaciona bem com planejamento. Porém, qualquer alma, mesmo a mais desprendida das amarras sociais, precisa de um mínimo de organização. Sendo assim, durante o livro Sal Paradise possui  pequenos objetivos. Nada muito mais complexo do que ir de uma cidade à outra. É neste viajar que deve-se elogiar o controle que o autor tem da narrativa.

Em boa parte o livro tem um ritmo veloz. A voz de Sal é forte e senti que ele me contava tudo de forma animada. Ele não estava com pressa porque não esquecia dos detalhes ao mesmo tempo que falava com paixão, querendo contar tudo aos poucos e com velocidade para não deixar de falar de nenhum local. Neste ritmo contava sobre as caronas, as paisagens, as lanchonetes, a estrada e os bicos para conseguir algum dinheiro. Assim a narrativa seguia até encontrar um personagem.

Personagens ou velhos amigos?

Quando o jovem que largou tudo encontrava alguém marcante, longe de ser só um rosto parado em uma fotografia, o ritmo desacelerava e o relato transformava-se em prosa. O estudante, e também escritor que protagoniza o livro, não ficava somente à mercê de desconhecidos. Durante a viagem encontrou e fez diversos amigos. Nestes pontos só posso acreditar que amizades reais foram inseridas no livro.

Remi, Old Bull, Terry, Roy Johnson, Frankie e outros personagens são muito bem descritos. Não falo das características físicas. Cada um tem uma personalidade bem nítida. Consegui imaginar como cada um deles pensaria a respeito de qualquer assunto. Como falei, isso só pode ser fruto da convivência e não totalmente fruto da imaginação. E não considero esse representar um demérito, muito pelo contrário.

Origem do “Sexo, drogas e rock’n’roll”

Se falei dos amigos, não posso esquecer de enfatizar Dean, o grande astro da obra. A história é conduzida por Sal, mas o ponto intrigante e que representa o viver a vida em total desprendimento é o Dean Moriarty.

Durante a leitura não existe um aprofundar na história pregressa de Sal. Ele é um estudante, possui uma tia que o ajuda com um dinheiro de vez em quando e tem um relacionamento com uma garota. Ele tem uma vida comum e decide sair em viagem pelos Estados Unidos para conhecer lugares, se envolver com garotas, beber, curtir as festas… enfim, viver experiências. Existe coragem e desapego nesta decisão em um mundo pós-guerra, em 1947 para ser mais preciso.

Nota-se a vontade de fazer sexo, de amar sem medo ao se relacionar e até mesmo se apaixonar por garotas recém conhecidas. É fácil notar o desapego ao material quando o personagem comete pequenos furtos e gasta todo o dinheiro que possui. E também não há nenhuma preocupação estética porque usa roupas emprestadas e por várias vezes fica bêbado em locais públicos. Na figura de Sal existe uma rebeldia aos valores tradicionais; a vida familiar e a segurança. Entretanto, ele não vive este novo viver. O grande amigo é quem atinge o extremo.

Diferente, muito diferente

O protagonista admira Dean porque é encantador ver alguém sem nenhum receio. A figura que gera influência no protagonista brilha ao conhecer as pessoas, se apaixona e quer se casar com cada mulher que surge e não tem nenhum apego ao dinheiro. O que é tão sedutor neste passado, e que me fez pensar muito no Brasil atual, é o fluxo incentivador a este “viva e deixe viver”.

Sempre existe alguém disposto a dar carona, é possível conseguir um trabalho de dinheiro rápido facilmente e sem muito esforço, uma casa para dormir ou hotéis baratos. É tão diferente de hoje em dia na realidade brasileira. E um detalhe interessante é que muitas pessoas estão neste movimentar. Sal não é o único e encontra outros desbravadores. Mas ninguém é como o companheiro de New Jersey.

Existe limite para a liberdade?

Dean representa a total liberdade e o perigo contido nela. Ao se aprofundar neste personagem o contraste do mundo de Kerouac e o atual acentua-se. O companheiro de Sal é péssimo com as mulheres (para dizer o mínimo), não tem nenhum senso de responsabilidade e é instável emocionalmente. E este comportamento destrutivo intensifica-se conforme o final se aproximava. Este destruir relações em prol de uma liberdade chega ao extremo. Neste ponto a obra desperta curiosidade porque não se sabe qual será o limite de Dean. Há uma ausência paterna e anos na prisão que de alguma forma tenta “justificar” as atitudes dele.

Sal admira o homem capaz de fazer um grande músico de Jazz sair em uma noitada com eles; de se envolver com uma garçonete e amar ela sem nenhum receio de esquecer os compromissos já estabelecidos e de viajar para qualquer lugar do mundo. Porém, esta total liberdade é uma máscara para um completo egoísmo. O jovem escritor só percebe isso no final do livro em uma atitude de Dean.

Ficou no passado

Quanto mais eu penso em On The Road, mais tenho a certeza que a obra não envelheceu bem. Só pelas posturas machistas e os termos homofóbicos eu poderia embasar o meu pensamento. Além deste ponto eu me pergunto se aquela época já passou. Penso no contexto social e econômico e tenho certeza que sim. O clássico pode ser lido pela escrita, pela riqueza dos personagens e para entender os desejos de liberdade do pós-guerra. Também pode ser encarado como um registro de alguns erros do passado.

Nota

Três selos cabulosos. A nota mais alta são 5 selos cabulosos.
Três selos cabulosos. A nota mais alta são 5 selos cabulosos.

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Ficha Técnica

Título: On the Road (Pé na Estrada)
Autor: Jack Kerouac
Tradutor: Eduardo Bueno
Editora: L&PM
Páginas: 384
Ano:  2004
ISBN: 9788525413208
Sinopse: Responsável por uma das maiores revoluções culturais do século XX, On the Road, traduzido por Eduardo Bueno, mantém intacta sua aura de transgressão, lirismo e loucura.

Como o gemido lancinante e dolorido de Uivo, de Allen Ginsberg, o brado irreverente e drogado de Almoço Nu, de William Burroughs, ou a lírica emocionada e emocionante de Lawrence Ferlinghetti, On the Road escancarou ao mundo o lado sombrio do sonho americano. A partir da trip de dois jovens – Sal Paradise e Dean Moriarty –, de Paterson, New Jersey, até a costa oeste dos Estados Unidos, atravessando literalmente o país inteiro a partir da lendária Rota 66, Jack Kerouac inaugurou uma nova forma de narrar.

Em abril de 1951, entorpecido por benzedrina e café, inspirado pelo jazz, Kerouac escreveu em três semanas a primeira versão do que viria a ser “On the Road”. Uma prosa espontânea, como ele mesmo chamava: uma técnica parecida com a do fluxo de consciência. Mas o manuscrito foi rejeitado por diversos editores e o livro foi publicado somente em 1957, após alterações exigidas pelos editores.

A obra-prima de Kerouac foi escrita fundindo ação, emoção, sonho, reflexão e ambiente. Nesta nova literatura, o autor procurou captar a sonoridade das ruas, das planícies e das estradas americanas para criar um livro que transformaria milhares de cabeças, influenciando definitivamente todos os movimentos de vanguarda, do bebop ao rock, o pop, os hippies, o movimento punk e tudo o mais que sacudiu a arte e o comportamento da juventude na segunda metade do século XX.