[Coluna] A bomba debaixo da mesa: Carrie!

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Montagem com uma pelicula de filme na horizontal, mostrando dois frames, o da esquerda mostra um recorte de um cena do filme
Montagem com uma pelicula de filme na horizontal, mostrando dois frames, o da esquerda mostra um recorte de um cena do filme "Carrie, A Estranha" de 1976, onde está a personagem Carrie, vista do busto pra cima, ela está coberta de sangue, e com olhar assustador, em um fundo azul escuro. No frame da direita está um recorte da capa do livro Carrie, edição da Suma das Letras, em tom rosa, a capa mostra o rosto de Carrie, no topo o nome do autor "Stephen King" em branco, e sangue vermelho escorre pela capa.

Recebi recentemente a nova edição de “Carrie”, primeiro romance escrito pelo grande mestre do horror Stephen King, lançado pela coleção Biblioteca Stephen King da Editora Suma de Letras. Nunca havia lido o livro, apesar de amar de paixão a obra de King. 

Ler o livro foi o motivo que eu estava procurando para fazer uma revisão na adaptação para o cinema que Brian De Palma dirigiu em 1976. O filme continua tão bom sendo visto nos dias de hoje e para mim, o melhor trabalho de De Palma. 

É interessante que tanto no livro quanto no filme podemos enxergar elementos que ambos os autores – cada um no seu campo – iriam desenvolver ao decorrer da sua carreira. Basicamente boa parte do que fazem as obras de King serem tão boas e nós gostamos tanto dos filmes dirigidos por De Palma podem já ser reparados e identificados em “Carrie”. 

A bomba debaixo da mesa

No cinema muito se fala sobre a influência que Brian De Palma tem da obra de Alfred Hitchcock e “Carrie – A Estranha” é um ótimo exemplo dessa influência. Podemos lembrar de uma fala de Hitchcock na sua antológica entrevista com François Truffaut onde ele explica a sua noção de suspense. Em linhas gerais: se estamos assistindo um filme em que duas pessoas estão conversando em um restaurante e uma bomba explode matando aquelas pessoas temos aqui, enquanto público, uma sensação de susto. Mas, e se, primeiro for mostrado a bomba, depois as duas pessoas chegando ao restaurante, se sentam à mesa e conversam. Nós sabemos que existe uma bomba ali, sabemos que em algum momento ela pode explodir, que o tempo de vida das duas pessoas está chegando ao fim. Mas quando? Aí é que tá. Esse é o suspense, algo que Hitchcock valorizava muito. 

Indo para o livro, Stephen King tem uma prática na sua escrita que parece um pouco com essa ideia de suspense que eu comentei ali em cima.  Muitas vezes nos seus livros ele descreve algum personagem e, pouco antes de fechar aquela parte, ele escreve que aquela foi a última vez que tal personagem fez isto ou aquilo – ou seja, ele vai morrer. No livro “Carrie” ele faz isso, mas vai além, ele mistura a narrativa da história com reportagens que saíram após o fatídico baile em que Carrie não aguentou mais as tantas agressões e bullying que sofria e “explodiu”. King nos mostra as pessoas, nos mostra a bomba, nos mostra que ela vai explodir e trabalha o livro inteiro dentro desse suspense. 

Brian De Palma usa desse suspense em boa parte do filme, mas é sobretudo na cena do baile que isso se sobrepõe. Vamos a cena: De Palma nos mostra o baile; sabemos os planos de jogar sangue de porco em Carrie quando ela for coroada rainha do baile (explosão); Sue, uma das alunas que cometeu bullying com Carrie e que para se redimir convenceu seu namorado a convidá-la para o baile, chega e fica feliz observando o quanto Carrie está contente, enquanto isso, a câmera fica indo para debaixo do palco que é onde dois alunos estão segurando uma corda que derrubará os baldes de sangue em cima de Carrie (bomba!). O diretor brinca prolongando esse tempo, sabemos o que vai acontecer, sentimos que o momento está próximo, mas ele demora. A bomba vai explodir, sabemos, não queremos, mas ela vai. É uma das cenas mais interessantes do cinema. 

A explosão de Carrie

E é claro que a bomba explode, Carrie é encharcada de sangue de porco, mas o que ninguém ali sabia era que ela tinha um poder telecinético que foi ainda mais desenvolvido naquele momento em que ela estava entrando na puberdade. E a partir daí a destruição começa.

No livro Carrie passa pela cidade destruindo tudo e causando um impacto enorme na vida das pessoas que moram ali, já no filme é algo um pouco mais contido e centralizado na figura e nas pessoas que estão no baile.

O pensamento que eu tive lendo o livro foi “eu deveria ter lido isso aqui antes!” e o pensamento que eu tive revendo o filme foi “eu preciso ver esse filme com mais frequência”. Esse é um daqueles casos em que o filme e o livro são bons – cada um à sua maneira – e o tempo só faz esse valor artístico aumentar ainda mais.