Diante do caos que a gente está vivendo há quase dois anos, juntando a problemas antigos, como o descaso com o meio ambiente, a pergunta que fica é: o que falta acontecer no Brasil? Um apocalipse zumbi? Bom, agora não falta mais, pois o livro “Corpos secos” o imaginou – e de forma bem realista.
Atenção: esse livro tem uma cena de estupro que pode ser sensível para quem tem gatilho com o tema. Ela não é descrita ou comentada nessa resenha.
Escrito em conjunto por Luisa Geisler, Samir Machado de Machado, Natalia Borges Polesso e Marcelo Ferroni, o livro – que é vencedor do Prêmio Jabuti 2021 – já começa seis meses depois do primeiro caso de contágio. A epidemia dos corpos secos já tomou conta do país e há poucos sobreviventes, assim como pouca esperança. Alternando os pontos de vista, acompanhamos o desenrolar da narrativa pelas vivências de quatro personagens: Mateus, um jovem aparentemente imune à doença; Murilo, uma criança que vê a mãe tentar de tudo para salvar a família; Regina, uma dona de casa que vive numa fazenda no interior e se vê sozinha; e Constância, uma engenheira de alimentos que percebe que seus conhecimentos não conseguem explicar o que acontece.
Um aspecto que chama a atenção logo de cara é justamente a fragmentação da narrativa entre esses quatro personagens. É uma maneira inteligente de mostrar os conflitos em diferentes “frentes”, dando para o leitor uma dimensão melhor do que está acontecendo.
E, mesmo com diferentes pontos de vista e escrita por quatro autores, a obra consegue manter uma coesão que ajuda na fluidez da leitura. O estilo de escrita de cada autor, perceptível nos capítulos, só ajuda a enriquecer a trama e trazer complexidade para os personagens.
Conexão com a atualidade
“Conforme o país ao redor vai morrendo, tudo o que há pela frente é o passado.”
Mesmo que, à primeira vista, um apocalipse zumbi pareça algo distante da realidade, “Corpos secos” apresenta uma causa bem conhecida para a doença: a transformação das pessoas em espectros humanos sem atividade cerebral e com sede de sangue foi causada por um agrotóxico.
O uso ou não dessas substâncias é motivo de discussões há bastante tempo e muitas delas tiveram o uso proibido justamente pelo risco de causar mal aos seres humanos. De forma muito original, o livro traz à tona um tema de extrema relevância e ainda mostra que, mesmo em momentos de crises extremas, sempre há quem saia ganhando.
O final
Para quem não gosta de finais abertos, o livro pode incomodar nesse aspecto. Porém, para mim, o desfecho funcionou bem, pois entendi que essa narrativa é muito mais importante pelo caminho que percorre do que para onde chega.
Do jeito que terminou, abriu espaço para uma possível continuação. Mas, se ela não vier, não prejudicará em nada a experiência.
Forte e viciante, “Corpos secos” é daqueles livros em que é muito fácil mergulhar na narrativa e se envolver com os dramas dos personagens tão bem construídos. É o relato de um Brasil que pode parecer absurdo, mas que alerta que tudo pode dar muito errado se não levarmos a sério a importância de como tratamos a questão ambiental.
Nota
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Ficha Técnica
Nome: Corpos secos
Autores: Luisa Geisler, Samir Machado de Machado, Natalia Borges Polesso e Marcelo Ferroni
Edição: 1ª
Editora: Alfaguara
Ano: 2020
Páginas: 192
ISBN: 9788556521026
Sinopse: Uma doença fatal assola o Brasil e o transforma em uma terra pós-apocalíptica: sem governo, sem leis e sem esperanças. Os sobreviventes tentam cruzar o país em busca de um porto seguro. Primeiro, o uso de novos agrotóxicos sem os devidos testes. Depois, a reação inesperada com as larvas que eles deveriam dizimar. Não se sabe quem foi o primeiro infectado, apenas que o surto começou no Mato Grosso do Sul. São os chamados corpos secos: espectros humanos que não possuem mais atividade cerebral. Mas seus corpos ainda funcionam e anseiam por sangue.
Seis meses depois, há poucos sobreviventes. Um jovem aparentemente imune à doença está sendo estudado por uma equipe médica e precisa ser protegido a qualquer custo; uma dona de casa vive em uma fazenda no interior do Brasil e se encontra sozinha precisando reagir para sair de seu isolamento; uma criança vê a mãe tentar de tudo para salvar a família e fugir do contágio; uma engenheira de alimentos percebe que seus conhecimentos técnicos talvez não sejam suficientes para explicar o terror que assola o país. Juntos, eles vão narrar suas jornadas, em busca do último refúgio ao sul do país. Escrito em conjunto por quatro autores, Corpos secos não é só um thriller, nem um romance-catástrofe. É uma narrativa sobre os limites da maldade humana, e as chances de redenção em meio ao caos.