[Resenha] O Castelo Animado – Diana Wynne Jones

Capa do livro. Uma ilustração bem colorida mostra um castelo cinza-azulado voando em um céu esverdedao com nuvens ao fundo. O castelo sobrevoa um local cheio de flores rosas, vermelhas e laranjas.
Capa do livro. Uma ilustração bem colorida mostra um castelo cinza-azulado voando em um céu esverdedao com nuvens ao fundo. O castelo sobrevoa um local cheio de flores rosas, vermelhas e laranjas.

Começar a falar sobre o Castelo Animado e não estar em companhia da sinceridade é trair a si mesmo. Tomado por esta qualidade associada à pureza conto que procurei no livro uma forma de reproduzir o filme de Hayao Miyazaki. O meu desejo era simples: reviver as cores e os traços da animação através das palavras de Diana Wynne Jones. A autora, que carinhosamente apelidei de “avó da fantasia”, me fez mergulhar nos elementos que compõe a história (principalmente o personagem principal) e não apenas “reassistí-la” lendo.

Um lar

No filme me senti como a mais importante das visitas. Foi-me apresentado cada canto, conheci cada pedaço daquele castelo aconchegante. No livro a experiência foi diferente. Não fui um viajante que tinha um determinado tempo para desfrutar das dependências de Howl. Por meio das descrições e do tom narrativo, Diana Wynne Jones transformou um leitor em mais um morador do castelo animado. Ver um livro tornar-se um lar, um local em que saio e já começo a sentir saudade, é apaixonante.

Em meio a narrativa sobre uma mulher perdida na vida e amaldiçoada com a velhice a autora descreve cada cômodo com sensibilidade e carinho. Algo interessante, é que o descrever não é estático e sempre está associado ao ato de cuidar, por exemplo: a lareira de Calcifer é descrita nos momentos de limpeza, no oferecer lenha ao demônio do fogo e no ato de cozinhar. Por muitos momentos senti que estava ao lado de Howl, Michael e Sophie ouvindo o estalar do ovo na frigideira e o cheiro gorduroso do bacon frito. Sem conseguir ocultar o ronco do estômago olhava, só por um momento, para a porta mágica e pensava que ela iria abrir trazendo um vento de Ingary e alguém precisando de um feitiço.

Um relembrar pode ser replicado sobre a bancada bagunçada com o crânio amarelado misterioso; o banheiro cheio de uma nuvem perfumada; o armário de vassouras com a bota de sete léguas e as escadas para os quartos que fiquei por muitas páginas curioso para conhecer. Restringir boa parte da história a um local tornou-o aconchegante. E o mais incrível é que cada descrição, mesmo que seja feita  várias vezes para um mesmo objeto, passa a sensação de descoberta, de conhecer um novo detalhe.

A magia do narrar

A sensação de deslumbramento não está só associada a escrita descritiva com diálogos envolventes. Na trama também colecionei surpresas. Com calma e paciência os mistérios são introduzidos. Busquei respostas enquanto morava no Castelo Animado e Diana Wynne Jones, usando toda a maestria de um ritmo sereno só visto nas canções sobre amor, mostrou-me que todos eles circulam o mago Howl. Nota-se desde o início que o livro é sobre o feiticeiro com muitos nomes. Quem ele é? Qual é a maldição que possui? Onde aprendeu magia? O poder dele tem uma origem? Por que age daquela maneira? Tem uma família? Uma biografia não contaria o mesmo que o livro contou. Respostas e narrativa vivem em meio a um bailar que não cansa pois a autora sabe prender o leitor entregando sempre alguma informação enquanto o narrar cativa.

Diana Wynne Jones usa uma linguagem infantil. Logo informo que ela não utiliza palavras simples, diminutivos e textos curtos que costumam ser artifícios para agradar as crianças. Na voz literária existe um trejeito de conto de fadas. Por muitas vezes imaginei a autora escrevendo capítulo após capítulo em uma janela com vista para um belo jardim. Nas pausas ela sentia conforto ao pensar nas noites de autógrafos e eventos literários? Não a imagino assim. Penso nela reunindo as páginas em uma capa e contracapa de couro a espera da visita dos netos e dizendo: “Quando os pequenos e travessos chegarem, vou logo levá-los para a lareira e contar a minha história”. Mais uma vez não consegui mandar a minha imaginação ficar quieta em algum canto da minha mente. A escrita, a magia contida nas palavras, é usada tão bem no Castelo Animado que provoca este estímulo criativo e infantil.

Encantado

Comecei a falar do fazer magia, então não vou parar. Na obra, o elemento fantástico está sempre presente de forma contida. Porém, em breves momentos, ele é liberto e chega a saltar das páginas. Só que logo em seguida volta a conter-se. A magia no livro é algo curto, rápido…é um deslumbramento para arregalar os olhos. Ver este artifício em um mundo Pop cheio de bolas de fogo e criaturas fantásticas cada vez mais comum foi uma experiência diferente e encantadora.

Diante do contar falado e não cinematográfico e da linguagem infantil e não infantilizada, há espaço para o poético. No coração da grande revelação sobre Howl a autora usa uma pitada do metafórico em um caldeirão cheio da essência do poético. Não é aquele poético indecifrável que exige uma década de estudos sobre estruturas de estrofes para compreensão. É algo simples, capaz de explicar para a criança o que é ser poético.

Voltei a ser menino neste livro e acredito que nele há uma porta que sempre será capaz de me levar para a época da inocência. Instantes após o encerramento da leitura pensei em fazer a resenha. Entretanto, uma voz séria dentro de mim pediu um tempo para que a crítica maturasse. Passaram mais de meia dúzia de dias e em meio a um acumulo de doces elogios brotou uma dúvida:

(trecho com spoiler)

O desfecho

No final Howl e Sophie viram um casal. A adaptação cinematográfica é um romance construído do começo ao fim. No livro de Diana Wynne Jones não senti o mesmo. Há uma amizade e não notei uma construção de um amor romântico. Posso ter me distraído com o viver no Castelo e não ter notado as pequenas sutilezas que constroem uma história de amor. Você notou? Se sim, me ajuda.

(fim do trecho com spoiler)

Vou e já penso em voltar

Por várias páginas vivi em um local encantado e aconchegante. Li cada página tendo a certeza que não teria um fim e, caso tivesse, seria um novo recomeço. Uma casa é feita de pessoas ou quem sabe de personagens. Não havia em mim um desejo de mudar e sim de ver alguns cômodos reformados, novos visitantes e o surgimento de novos mistérios em um universo que circula um Castelo Animado. Porém, no final, já conhecia a fundo o mago Howl, senti que Sophie nunca mais seria a mesma e o contar literário da vó da fantasia moldava-se em um tom sorridente de quem tem a certeza que foi capaz de proporcionar felicidade do começo ao fim.

Deixei o meu quartinho arrumado ao lado dos aposentos do Michael para você. O convite está feito. Já fui mais de uma vez ao Castelo Animado e encontrei algo que nunca pensei que iria encontrar. Algo infinito que só pode ser partilhado por duas pessoas. Depois de tão bela dádiva voltarei? É claro que sim, é um castelo mágico e encontrarei algo novo a cada novo regressar.

Nota

Cinco selos cabulosos. A maior nota do site.
Cinco selos cabulosos. A maior nota do site.

Garanta a sua cópia de “O Castelo Animado”!

Ficha Técnica

Nome: O Castelo Animado
Autora: Diana Wynne Jones
Tradução: Raquel Zampil
Editora: Galera Record
Ano: 2021
Páginas: 368
ISBN: 9786555872088
Sinopse: Mergulhe no universo mágico de Diana Wynne Jones, que inspirou a animação O castelo animado do Studio Ghibli. Nomeado pela revista Times como uma das fantasias mais icônicas de todos os tempos.

Certo dia, enquanto trabalha na chapelaria da família, a jovem Sophie é surpreendida e misteriosamente amaldiçoada por uma terrível bruxa, que a transforma em uma senhora de noventa anos. Sem saber como se livrar do feitiço e com receio de não ser reconhecida pelas irmãs, Sophie foge e acaba parando em um fantástico castelo, comandado pelo jovem e sedutor Mago Howl, cuja reputação é de devorador de corações das moças do povoado. No castelo, onde passa a trabalhar, Sophie promove uma grande transformação, mudando os hábitos de Michael, o aprendiz de mago, e de Calcifer, o demônio do fogo, responsável pela “vida mágica” do lugar.

Além de ficar presa no corpo de uma senhora, o feitiço impede que Sophie revele que está sob o efeito de uma maldição. Calcifer, que logo percebe o que está acontecendo, propõe que ela o ajude a se libertar do pacto que o liga ao Mago Howl, oferecendo, em troca, ajuda para quebrar a maldição da Bruxa.

Enquanto Sophie aprende a lidar, na inusitada rotina do castelo, com o insensível e impetuoso Howl, ela descobre um novo mundo, repleto de magias e maldições, bruxas e feiticeiros, e – o mais importante – conhece uma nova e surpreendente versão de si mesma.

De um modo ou outro interligadas, as histórias de Diana Wynne Jones são, definitivamente, o que você precisa para escapar do mundo real e viajar para bem longe: em um tapete diferente, para uma cidade distante, refúgio de poções mágicas, personagens fantásticos e um segredo a cada esquina. Com um projeto gráfico especialmene por Isadora Zeferino (@imzeferino), ilustradora carioca dona de trabalhos supercoloridos e com clientes como Faber Castell, Globosat e Melissa, O castelo animado e as demais obras da autora são o presente ideal – para alguém que você ama ou, melhor ainda, você mesmo.