Há tempos estou pensando em escrever sobre Alfred Hitchcock nesta coluna, faltava-me tempo, pois assunto para isso têm. Lembrando aqui que a relação Hitchcock e adaptação é algo recorrente nas discussões sobre o diretor e que ele foi o responsável por levar ao cinema muitas histórias vindas da literatura.
Ainda na sua fase inglesa, Hitchcock adaptou “Os 39 Degraus”, livro de 1915 do autor John Buchan. Em 1940 fez o que para mim é o melhor filme de fantasma sem fantasma de toda a história do cinema, “Rebecca, a Mulher Inesquecível” baseado no livro com o mesmo nome do filme, escrito por Daphne Du Maurier. Sobre este filme convém citar aqui que há uma discussão de plágio envolvendo Du Maurier e Carolina Nabuco. Carolina escreveu “A Sucessora” que têm muito em comum no seu enredo.
Enfim temos o filme que falaremos hoje, “Psicose”, dirigido por Hitchcock em 1960 e adaptação do livro de Robert Bloch. O filme conta a história de Marion Crane que acaba de roubar de um empresário de caráter duvidoso uma quantia de 40 mil dólares e parte para se casar com o seu amado. No meio de sua fuga pelas estradas ela decide parar no Motel Bates e lá ela acaba sendo assassinada pelo dono do hotel, Norman Bates.
A protagonista morre no meio
Uma das coisas que fazia com que Hitchcock filmasse algum filme era a vontade de realizar uma determinada cena. Quando leio a clássica entrevista que ele fez com François Truffaut me parece que ele é uma pessoa que adora se desafiar e ver no que vai dar. “Psicose” é isso, ele se desafiou em fazer um filme em que a protagonista desse filme morre na metade dele! A protagnista Marion Crane (perfeitamente interpretada por Janet Leigh) morre no meio da história e ficamos sem saber o que acabou de acontecer (e o que esse diretor está nos preparando nessa última hora que falta do filme).
Aliás, a cena da morte de Crane é um clássico do cinema. Até quem nunca assistiu o filme sabe o que é essa cena do chuveiro e sabe o que significa aquela música de Bernard Herrmann. Inclusive, uma curiosidade sobre essa cena, ela tem cerca de 52 segundos e em toda ela há 78 cortes e em nenhum momento a faca toca o corpo da atriz. Tudo que vemos ali é a magia do cinema.
E é claro que temos que falar aqui sobre Anthony Perkins, o ator que deu vida a Norman Bates e que nos fez gelar de medo enquanto interpretava o filho e a mãe. É um dos melhores filmes já feitos em toda a história do cinema.
Hitchcock, um mestre do cinema
Alfred Hitchcock é um daqueles cineastas que mais gosto de assistir. É um caminho seguro para mim sempre que quero assistir algo bom e não quero correr nenhum risco. Até seus filmes que menos gosto ainda valem a pena por toda a inteligência e engenhosidade do diretor.
Para encerrar, deixo aqui esse diálogo entre Truffaut e um jornalista estadunidense que ele cita no prefácio do seu livro entrevista e que pra mim melhor define o cinema de Hitchcock.
“Em 1962, estando em Nova York para apresentar Jules e Jim, percebi que todo jornalista me fazia a mesma pergunta: ‘Por que os críticos do Cahiers du Cinéma levam Hitchcock tão a sério? Ele é rico, faz sucesso, mas seus filmes não têm substância’. Um desses críticos americanos, para quem eu acabava de acabava de elogiar Janela Indiscreta durante uma hora, me respondeu com esta barbaridade: ‘Você gosta de Janela Indiscreta porque, não está familiarizado com Nova York, não conhece muito bem Greenwich Village’. Respondi: ’Janela Indiscreta não é um filme sobre o Village. É um filme sobre o cinema, e eu conheço o cinema.’”
Alfred Hitchcock é cinema e todos os seus filmes são sobre o fazer, o sentir e o pensar o cinema.