Em um texto é comum elogiar as descrições capazes de transportam o leitor para um ambiente diferente da realidade. Diálogos rápidos que fazem os leitores avançar pelas páginas, sem deixar de conhecer a personalidade dos personagens, garantem boas notas dos críticos. Cada um desses elementos podem ser apontados na obra de Claudia Lemes. Entretanto, Quando os Mortos Falam destaca-se pela voz.
Uma voz
Não refiro-me àquela voz literária que autores buscam (apesar de estar presente em todo o texto). Através do narrar palavras são transformadas em vozes. É algo que vai muito além de bons diálogos ou boa caracterização de personagens. A voz de Verena, uma mulher que carrega um peso insuportável gerado por uma perda irreparável, é nítida. Um timbre que transmite uma vontade incessante de obter uma única resposta. Ela é firme, direta e cheia de energia. Avança e tenta, tenta, tenta e…cansa. O não se conformar com a impossibilidade de obter uma conclusão para a perda pesa dentro da personagem. Nesse ponto o dramático toma forma em um falar exausto. Um cansaço que gera impacto e emociona quando a protagonista despeja fraquezas misturadas a uma vontade de persistir. Fiquei tão apegado, torci pela felicidade de Verena.
A maior parte da narrativa é conduzida por diálogos e fluxos de consciência. Elementos caracterizados pela conversa que um personagem tem consigo e com os outros. Tendo esta base a autora brilha ao criar não só uma voz para Verena como também para os demais personagens. Ela junto com Caio (melhor amigo) conduzem a narrativa e cada um possui um núcleo.
Marcante em diversos sentidos
A ex-policial divide o protagonismo com o investigador Caio. Ele tem uma voz calma, insegura e ao mesmo tempo amiga. A eterna parceira, amiga e praticamente irmã do investigador tem uma voz forte. É incrível como a autora consegue transmitir um tom de voz de alguém somente com as palavras. Sabe quando você entra em uma sala e tem um monte de gente conversando? Você quer encontrar alguém. Olha para um lado, para outro… para, espera e a voz dessa pessoa destaca-se no meio da algazarra. A voz de Verena tem essa característica e torna-se facilmente reconhecível durante o texto. Este elemento somado a uma carga dramática feita com paciência e sensibilidade fazem a personagem ser marcante.
O gênero policial
O falar substitui as descrições que estão presentes, mas são pontuais. Ao ler pensamentos e escutar as vozes pude imaginar cada um dos personagens. Isso é o suficiente para conduzir o leitor por uma narrativa cheia de investigação? A autora brilha mais uma vez. Sinto que Claudia Lemes tem os tropos do gênero policial na palma da mão. Com este conhecimento não é criado atalhos. Em vez disso a narrativa é simplificada. Não existe textos enormes para explicar métodos de investigação, a autora poupa o leitor de detalhes enfadonhos e não levanta uma lista enorme de suspeitos para alongar a tensão. Tudo que uma boa história policial precisa está no texto e é passado de forma simplificada, gerando um bom ritmo e criando curiosidade.
Bom uso das referências
Investigar os assassinatos cometidos por um maníaco é algo pesado. Sendo assim, é mais que rotineiro ver obras com um tom policial ganharem uma atmosfera de terror. A obra Quando os Mortos Falam não segue uma crescente até a narrativa ser ocupada com o terror. Há uma alternância onde a autora sabe usar referências cinematográficas como um elemento fundamental para a trama e não um recurso para agradar fãs. Esmiuçar mais este pronto me aproximaria de uma maneira perigosa de um spoiler. Sem comprometer a sua experiência digo que duas críticas sociais chamaram a minha atenção. Uma é densa e instiga o leitor a refletir como um lar abusivo cria monstros. A outra é sutil, quase uma piscada para quem está lendo (se eu der mais detalhes estragará a sua experiência).
Nota
Garanta a sua cópia de “Quando os mortos falam”!
Ficha Técnica
Título: Quando os mortos falam
Autora: Cláudia Lemes
Edição: 1ª
Editora: AVEC
Páginas: 240
Ano: 2021
ISBN: 9786586099867
Sinopse: Verena Castro pediu exoneração do cargo de investigadora na DHPP quando sua filha mais nova foi assassinada. Quatro anos depois, sua vida toma um rumo inesperado quando recebe o telefonema de um médium, indicando um corpo e sua localização.
Envolvida na investigação de forma clandestina com a ajuda do melhor amigo, Caio, Verena logo descobre que há um maníaco na cidade de São Paulo, replicando as cenas de homicídio mais perturbadoras dos filmes clássicos de horror – e a próxima vítima pode ser alguém que ela ama.