[Coluna] Série Documental: Caso Evandro

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Poster da série em documentário. Uma silhueta escura de um garoto, no fundo diversas matérias, jornais e revistas do caso espalhadas, uma máquina de escrever e um aparelho de telefone. Em primeiro plano no topo, o texto:
Poster da série em documentário. Uma silhueta escura de um garoto, no fundo diversas matérias, jornais e revistas do caso espalhadas, uma máquina de escrever e um aparelho de telefone. Em primeiro plano no topo, o texto: "Original Globoplay", na base, o título: "O Caso Evandro", onde a última letra "O" é preenchida por uma silhueta de um garoto.

Série documental “Caso Evandro” expõe erros graves cometidos pela polícia e sistema judiciário do Paraná.

Baseada no podcast criado por Ivan Mizanzuk, a série de oito episódios narra a história bárbara da morte do menino Evandro Ramos Caetano, de seis anos, e o desaparecimento de Leandro Bossi, de oito anos, que levou a prisão de sete pessoas acusadas de sequestro e homicídio em um suposto ritual de magia negra. Pelo menos é isso o que o primeiro episódio nos leva a crer. Ao longo da série mergulhamos em uma trama que envolve política, intrigas familiares antigas e conspirações capazes de deixar muitas obras de ficção no chinelo.

Origem da série

Para os que já ouviram a quarta temporada do podcast Projeto Humanos, intitulado O Caso Evandro, há poucas novidades na adaptação televisiva. As imagens dão rosto a vozes com as quais os ouvintes já estavam acostumados, mas a grande maioria das informações já estava disponível e organizada no podcast. Ainda assim, a produção da série conseguiu trazer conteúdos exclusivos para a história. O mais importante provavelmente sendo o da violência sofrida por Celina Abagge, que só se sentiu confortável para falar sobre o assunto quase 30 anos depois do ocorrido, mas não sem antes pedir que todos os homens da produção deixassem a sala.

A grande descoberta

Outro momento relevante para a série é o episódio sete em que são reveladas para pessoas chave do caso as fitas encontradas por Mizanzuk que comprovam o uso de tortura na confição dos sete acusados. O surpreendente nesse episódio não está na reação dos acusados, eles conhecem o conteúdo das fitas. Eles estavam lá quando foram gravadas. O destaque está nas reações do advogado de defesa das Abagge e do promotor que atuou em um dos julgamentos do caso ao se depararem com uma prova que teria sido crucial no processo e que foi ocultada para esconder os atos cometidos pela polícia militar do Paraná.

Vale ressaltar a sensibilidade da produção ao dedicar o episódio final da série ao desaparecimento de Leandro Bossi. A história dele é contada por alto durante a série, sempre eclipsada pela morte de Evandro. O episódio dá voz ao pai do menino, João Bossi, que faleceu em maio deste ano e nunca perdeu a esperança de reencontrar o filho. No episódio também é contada a história de Diogo Rodrigo Moreira, um garoto de Manaus que foi erroneamente identificado com sendo Leandro, levado para Guaratuba e entregue aos pais do menino desaparecido.

A sucessão de erros do Caso Evandro

Com tantas informações e polêmicas é importante pararmos para analisar sobre o que a série realmente se trata: Erros. É tentador especular quem matou Evandro, quem sequestrou Leandro ou quem é a menina cuja ossada foi encontrada. Todos são questionamentos válidos, mas no decorrer dos episódios fica claro que se trata de dissecar uma sucessão de erros que compõem essa história.

O erro do Grupo Tigre em se aproveitar de uma investigação para usufruir da hospitalidade que a prefeitura de Guaratuba oferecia. Os erros cometidos pela família Abagge ao tentar abafar o desaparecimento de Evandro, possivelmente para evitar que uma cidade turística ficasse marcada pela tragédia. Os erros da polícia militar ao extrapolar suas funções e se envolver em uma investigação da polícia civil, buscando uma solução fácil, usando de métodos de investigação hediondos e criminosos, guiados por uma pessoas com claras rixas pessoais contra as acusadas.

Os erros continuam por parte da mídia que preferiu dançar em cima de uma história sensacionalista ao invés de fazer o que a imprensa faz de melhor: questionar. Erros no judiciário do Paraná que levou adiante uma história totalmente absurda. E finalmente o erro da sociedade que aceitou tudo isso como verdade.

Foram necessários mais de vinte anos até alguém olhar para trás, dizer “nada disso faz sentido” e expor todos esses erros. O gosto amargo que fica no final da série é imaginar quantos Evandros, quantos Leandros, quantas crianças sem nome jamais terão justiça? Quantas Celinas, quantas Beatrizes, quantos Vicentes foram condenados pela justiça ou pela sociedade por algo que não sobrevive a questionamentos básicos? Esse gosto amargo é o legado que a série documental do Globo Play nos deixa e é extremamente necessário para que erros assim não se repitam.

A repercussão da série nas redes sociais fez com que a Globo antecipasse o lançamento do último episódio. É uma obra que a sociedade brasileira precisa urgentemente  consumir e se a Rede Globo souber o poder do que tem nas mãos, irá lançar o material na TV aberta. Os debates levantados pela série precisam acontecer.

Material adicional sobre a série Caso Evandro

A série do Caso Evandro possui 8 episódios dirigidos por Michelle Chevrand e Aly Muritiba, todos disponíveis no serviço de streaming da Globo Play. A temporada do podcast que originou a série conta com 36 episódios disponíveis em agregadores de podcasts. Ivan Mizanzuk, criador do podcast, escreveu um livro sobre a história que já está em pré-venda.

Essa coluna foi escrita por GUILHERME DE BIASI.