[Resenha] O Conto da Deusa – Natsuo Kirino

Capa do livro, o rosto de perfil de uma moça de traços nipônicos, batom vermelho, cabelos escuros e molhados. Um fundo chuvoso e desfocado. No topo, o nome da autora. Na base, em amarelo, o título do livro.
Capa do livro, o rosto de perfil de uma moça de traços nipônicos, batom vermelho, cabelos escuros e molhados. Um fundo chuvoso e desfocado. No topo, o nome da autora. Na base, em amarelo, o título do livro.

Ao ler a sinopse de O Conto da Deusa logo me lembrei das epopeias gregas e da magnitude da mitologia nórdica. Pensei que a leitura iria me proporcionar um épico antigo com muitos deuses orientais. Da mesma forma que um sábio japonês, Natsuo Kirino prefere a calma contida no equilíbrio. Uma autora que não brada para ser ouvida e transmitir um mito sobre divindades nipônicas. A obra faz questão de mostrar uma mitologia que se inicia e encerra com pessoas comuns, sensibilizando o leitor. Esta resenha faz parte do desafio Leia Mulheres 2021.

Era uma vez

Na obra existe uma linha do tempo bem definida e tudo se inicia com Namina. Uma menina que mora em uma pequena ilha e é muito amiga da irmã dela, a Kamikuu. Mostrar que um local modesto possui um mito e rituais que devem ser seguidos é interessante. Acabei me encantado pela pequena vila muito pobre de uma pequena ilha em formato de uma lágrima. Como já ressaltei, a grandiosidade não é uma marca desta história. A autora prefere a delicadeza e o envolver do leitor. Ao seguir esta ideia, a autora conta uma fábula antes de construir um mito.

No início da história, Namina possui uma tarefa que é o pilar central da crença dos habitantes da ilha. Ela precisa dia após dias, com chuva ou com sol, deixar uma cesta cheia de comida na frente de uma casa. (o motivo desta tarefa ser importante e quem está na casa deve ser desvendado através da leitura). Impossível não lembrar da Chapeuzinho Vermelho. A narrativa prossegue, o leitor é conduzido com um ritmo bom sem ser lento e agradável que não se preocupa em ser veloz. Namina amadurece junto com a história e faz escolhas de impacto em relação a todo o contexto construído até o encerrar da primeira parte do Conto da Deusa. Em seguida, depois do ato final de um drama com um tom shakespeariano, o mitológico deixa de ser sutil.

Um contar íntimo

O tom de relato, que flerta com o confessional, ganha mais peso quando o mitológico é colocado na frente do palco. Esta transição é bem feita e o interessante é que a carga dramática dos deuses e dos mortais são diferentes, entretanto, combinam. Desta boa união as histórias dos deuses japoneses começam a surgir. Da mesma maneira que é feita nos bons mitos gregos e nórdicos, as histórias das divindades e dos mortais tornam-se uma só.

Humanização do divino

Ao ler mitos, independente da cultura da qual eles têm origem, é comum eu descobrir que os deuses são figuras humanas cheias de defeitos. Odin e Zeus possuem inveja, medo, soberba, orgulho e ganância. Defeitos que nessas histórias são relacionados a uma vontade de manter poder sobre os deuses menores e toda a criação. No Conto da Deusa também há essa humanização, porém, as divindades possuem rancor, tristeza, arrependimento, teimosia e fraqueza e estão associadas a uma história de amor. Por muitos momentos até esqueci que estava acompanhando uma narrativa sobre seres imortais com o poder sobre a vida e a morte.

Como avaliar?

É difícil, para não falar injusto, avaliar um mito. Apontar falhas narrativas em uma história que surgiu antes de uma solidificação de uma estrutura narrativa, é meio tolo. Posso elogiar a voz narrativa que conduz bem o leitor, é feminina e passa a sensação de compartilhar lembranças. O texto está mais preocupado em contar do que descrever e poucas vezes usa o discurso poético (muito diferente dos mitos que mencionei neste texto). É uma escolha da autora Natsuo Kirino que combina com a vida de Namina, a voz por trás do texto. Algo deve ser criticado?

Atualmente nas narrativas de grande sucesso é comum encontrar grandes mudanças no protagonista ou até mesmo em todo um universo ficcional. O Conto da Deusa não tem esta proposta e isto pode desanimar muitos leitores. O livro tem alma de passado, de história falada e tem o objetivo de explicar o porquê as pessoas morrem. Da mesma forma que existem fábulas, contos e mitos para explicar a noite, a chuva e o trovão. Se você estiver interessado em enxergar a morte pelos olhos de um mito japonês, em uma longa fábula/mito a leitura será agradável e enriquecerá culturalmente. Leia, conheça o olhar oriental sobre a morte.

“Nós acreditávamos que a parte subterrânea da ilha era o mundo dos mortos. Passamos a ter essa crença observando a passagem do sol. Depois que o sol aquece a ilha durante o dia, ele mergulha no mar abaixo da ilha, onde brilha ao longo do leito do mar e então faz seu caminho de volta à superfície para nascer novamente no leste. Sempre que mergulhávamos no mar e víamos a beleza lá embaixo, acreditávamos que tudo isso estava lá para os mortos, o que nos deixava calmos e felizes”.

Nota

Cinco selos cabulosos. A maior nota do site.
Cinco selos cabulosos. A maior nota do site.

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Ficha Técnica

Nome: O Conto da Deusa
Autor: Natsuo Kirino
Tradução: Alexandre D’Elia
Edição:
Editora: Rocco
Ano: 2014
Páginas: 280
ISBN: 9788532529015
Sinopse: Nesta releitura de um conto milenar, a aclamada escritora de romances policiais, Natsuo Kirino, ganhadora dos mais importantes prêmios do gênero, deixa de lado suas tramas urbanas para recriar um antigo capítulo da mitologia japonesa: a lenda dos deuses Izanagi e Izanami. Ambientada em uma ilha mística em forma de gota de lágrima, O Conto da Deusa é uma trágica história de amor e vingança, que reconta o mito da criação do Japão, com a marca inconfundível da autora.