[Resenha] As Três Marias – Rachel de Queiroz

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Capa do livro. Uma pintura mostrando uma paisagem com com um céu roxo-azulado, algumas casas no fundo e uma grande arvore. Três pessoas encostadas em um parapeito voltadas para uma região com água que reflete o céu e a árvore. Em primeiro plano o nome
Capa do livro. Uma pintura mostrando uma paisagem com com um céu roxo-azulado, algumas casas no fundo e uma grande arvore. Três pessoas encostadas em um parapeito voltadas para uma região com água que reflete o céu e a árvore. Em primeiro plano o nome "Rachel de Queiroz" na vertical em branco. E o título "As Três Marias" na horizontal em preto.

Em As Três Marias acompanhamos Maria Augusta que ao fazer 12 anos deixa a fazenda do pai e vai para a capital estudar em um colégio de freiras. Assustada com as novas regras e rotinas rígidas do internato, a garota logo faz amizade com outras duas alunas, Maria Glória e Maria José.

Através da perspectiva de Maria Augusta, acompanhamos a adolescência das amigas e o início da vida adulta, mas não apenas as delas. Rachel de Queiroz traz uma história sobre várias mulheres e o que ser mulher significava na primeira metade do século XX, através de uma narrativa quase poética. Esse é um livro curto, mas me arrebatou completamente.

Desafio LeiaMulheres

As resenhas do mês de março aqui do Leitor Cabuloso estão seguindo o Desafio Leia Mulheres 2021. Todos os desafios propostos serão cumpridos ao longo do mês, então dêem uma olhada aqui no site para conferir o que já saiu e acompanhem as redes sociais para ver os próximos desafios.

Desafio do mês de Julho: Uma Autora da Região Nordeste do Brasil.

Glória, Guta e Zezé

Na primeira parte do livro, acompanhamos a vida nesse colégio de freiras e isso me prendeu logo de cara. Eu adoro histórias que se passam em internatos. O clima de amizade, de confidências, das regras e das transgressões. É nesse momento em que descobrimos mais sobre a vida da protagonista e suas amigas.

Mas como comentei, Guta (a narradora) não centra a história apenas nela e em suas amigas mais próximas. Ela apresenta um leque de meninas e mulheres com diferentes personalidades e diferentes desejos. É nessa fase, em que as meninas são inseparáveis,  que elas recebem o apelido de As Três Marias, por estarem sempre juntas, como as estrelas, mas serem claramente diferentes.

“Glória olhou para mim, eu olhei para maria josé. Sorrimos. ‘as três maria! as três marias bíblicas? as três estrelas do céu? a classe achou graça, o apelido ficou. nós mesmas nos orgulhávamos dele, sentíamo-nos isoladas numa tríade celeste, aristocrática, no meio da plebe das outras.”

Apesar do título do livro, a verdadeira protagonista é Maria Augusta. A narrativa é extremamente intimistas, então acompanhamos os pensamentos mais profundos dela. Guta é questionadora e tem anseio de ver o mundo, mas não entende exatamente o que isso significa.

As Muitas Marias

Seguimos então para o início da vida adulta dessas jovens, sem perder de vista as várias mulheres e histórias que cercam Guta e esse foi o aspecto que mais gostei do livro. Rachel de Queiroz apresenta diversos tipos de vida das mulheres: a que segue o padrão que a sociedade espera e está feliz com isso, as que são muito religiosas, as que “se perdem”, as adúlteras, as prostitutas, as que esperam mais e não se conformam em ficar em uma caixinha como Guta.

Mesmo sendo um livro de 1939, as inquietações e questionamentos da personagem são atemporais. A sensação de querer mudar, mas ao mesmo tempo sentir medo do desconhecido. É uma escrita magnifica, bela e melancólica.

“e ninguém me entedia, admiravam-se que depois de anos de reclusão e disciplina, eu aspirasse à liberdade e aos prazeres proibidos. como se a prisão acostumasse o prisioneiro, e ele, depois de solto, não desejasse mais nada senão voltar à farda de preso e à ronda noturna do pátio.’

Aliás, esse é um livro bastante melancólico. Guta provavelmente tinha depressão e pensamentos suicidas estão presentes. Além dessa introspecção da nossa narradora, a vida de muitas das personagens não é fácil.

Mas onde estão os homens dessa história? Estão presentes e são muito importantes na vida de Guta e suas amigas, mas nenhum tem impacto como as personagens femininas. Rachel de Queiroz retratou de uma forma muito verossímil a vida de milhares de mulheres que se veem sem o apoio real de seus companheiros, pais, irmãos etc. Mulheres que têm que desbravar o mundo apesar do medo e sentem vontade e prazer de fazer isso.

Mas é bom?

Achei arrebatador. A escrita é um caso à parte de tão bonita e sei que não vou conseguir fazer jus a esse aspecto, então fica o recado: leiam. Sobre a história, já ficou claro o quanto eu amei conhecer essas várias mulheres, mesmo que esse seja um livro bem mais melancólico do que estou acostumada.

As Três Marias me tirou um pouco da zona de conforto e estou pronta para ler mais dessa autora.

Aviso de gatilho: suicídio e pensamentos suicidas.

Aviso de conteúdo: o livro foi escrito na década de 1930 e, embora eu não tenha sentido nenhum pensamento racista ou preconceituoso, alguns dos termos utilizados na época para se referir à pessoas negras ou pessoas com deficiência estão presentes e hoje em dia temos a noção de como são expressões problemáticas.

Nota

Cinco selos cabulosos. A maior nota do site.
Cinco selos cabulosos. A maior nota do site.

 Garanta a sua cópia de “As Três Marias”!

Ficha Técnica

Título: As Três Marias
Autora: Rachel de Queiroz
Editora: José Olympio
Ano: 2018
Páginas: 256
iSBN-13: 9788503013239
ISBN-10:
8503013231
Sinopse: A nova edição de As três Marias conta com prefácio de Heloísa Buarque de Hollanda, fortuna crítica com textos de Mário de Andrade e Fran Martins e um encarte com fotos da autora e das amigas que inspiraram as personagens do romance.As três Marias, romance de Rachel de Queiroz, publicado originalmente em 1939, conta a história das três amigas Maria Augusta (Guta), Maria da Glória e Maria José, desde sua infância em um colégio de freiras até a vida adulta.
Neste romance de formação, Rachel retrata o processo de ajustamento ao mundo pelos olhos das meninas e convida o leitor a acompanhá-las desde os medos e as incertezas da juventude – quando ainda sonhavam com a liberdade além das paredes do internato e se abismavam com a cidade – até o passar dos anos e chegarem ao amadurecimento e aos dilemas da vida adulta. Sempre juntas, independente das escolhas do caminho.Maria da Glória dedicou-se à maternidade e à família, Maria José, sempre devota, voltou a morar com a mãe e virou professora, e Maria Augusta, diferente das amigas, determinou-se a construir o próprio caminho: voltou a morar com a família, mas, descontente, retornou para Fortaleza.
Trabalhou como datilógrafa e, lá, apaixonou-se. É quando a autora permite-se ir mais fundo na perspectiva social e na agudeza da observação psicológica. E em nada estas três Marias perdem para as três estrelas da constelação de Orion, que se destacam alinhadas e reluzentes no céu e serviram de inspiração para apelidar as personagens de Rachel: notórias e brilhantes na lembrança de todos que as conhecem.