“Cidadã de Segunda Classe“, escrito por Buchi Emecheta, e publicado pela editora Dublinense, com tradução de Heloisa Jahn, conta a história de Adah, jovem nigeriana que, na década de 60, busca realizar seu sonho de ir para a Inglaterra e conseguir a tão sonhada qualidade de vida.
A solidão tem cor
Adah sabia que queria estudar. Sabia que a educação e os livros eram o único caminho que ela poderia trilhar para ter algum futuro. Mas na Nigéria dos anos 60, ser mulher significava que você era inferior.
A mãe de Adah acreditava que estudo era para homens. Afinal, para que uma mulher precisa saber ler e escrever? Contanto que possa assinar o próprio nome e saiba fazer uma soma básica para controlar os gastos da casa, a mulher não precisa fazer mais nada além de ter e criar os filhos.
Mas Adah persiste. Ela sabe que é inteligente, e com uma grande dose de ousadia consegue continuar seus estudos.
Agora, mais velha, casada e com filhos, vivendo sobre a vigilância da família do marido, ela acredita que a única forma de escapar de todo opressão cultural que ela sofre, e que sua filha virá a sofrer, é indo para a Inglaterra.
Contudo, chegando ao tão sonhado Reino Unido, ela descobre além da misoginia, o racismo e a xenofobia. Enfrentando a dominação do marido, a violência doméstica, o desprezo de seus compatriotas, as humilhações impostas a ela por ser mulher, e negra, Adah descobre que dos cidadãos de segunda classe, a mulher negra ocupa o nível mais baixo, e que delas só se espera a submissão.
“Você sempre se esquece de que é mulher, e negra. O homem branco mal consegue nos tolerar, a nós, homens, isso para não falar em mulherzinhas desmioladas que nem você, que só pensam em amamentar os filhos”.
“Mas de uma coisa ela sabia: o fato de ser considerada inferior tinha um afeito psicológico sobre ela”
Numa sociedade patriarcal, ser uma mulher envolve vários ensinamentos. Você é ensinada que não é tão inteligente, tão capaz, nem tão importante quanto o homem. Você é ensinada a ser submissa.
Ser uma mulher negra em uma sociedade racista também traz vários ensinamentos. Você é ensinada que você nunca vai ser bonita o bastante. Que sua pele não tem o tom certo, seu cabelo não tem a textura certa, seu nariz não é fino o suficiente, sua boca não é pequena o suficiente e você não é suficiente.
A história de Adah em Cidadã de Segunda Classe se passa na Nigéria da década de 60, mas não é muito diferente da história de milhares de mulheres de diferentes países e de diferentes épocas. Ser mulher é um ato de resistência, ser mulher e negra é um ato de coragem.
Emecheta nos conta uma história, que poderia ser a história de vida da própria autora, apresentando uma personagem forte, que sabe o que quer da vida, que não deixa que as limitações impostas por outros lhe tirem os sonhos. Eu pelo menos tenta evitar que isso aconteça.
“Estava aprendendo a desconfiar de tudo que era bonito e puro. Essas coisas eram para os brancos, e não para os negros”.
Quando você está o tempo todo sendo lembrada de sua inferioridade, mais do que coragem é necessário ter uma grande dose de teimosia para continuar lutando.
Chega uma hora em que você começa a acreditar que está lutando sozinho. Que se esforçar para ter uma vida digna é coisa de “mulherzinhas desmioladas”. Que exigir um tratamento igual ao que é direcionado as pessoas brancas é ingenuidade. Que o belo não nos pertence. Que puro é sinônimo de “branquitude”.
“Lendo Baldwin, passou a acreditar que black is beautiful, negro é lindo. Perguntou a Bill o que ele achava, e ele perguntou se por acaso ela não sabia que negro é lindo”.
Por isso a importância de que os meios de comunicação contem histórias de pessoas negras, pelo ponto de vista das pessoas negras, e que esse material seja produzido por pessoas negras. Quando as maiorias têm contato com a minorias, elas começam a perceber que existem diferenças no mundo. Quando as minorias têm contato com as minorias, elas começam a perceber que não estão sozinhas no mundo.
Nota
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Ficha Técnica
Título: Cidadã de Segunda Classe
Autor: Buchi Emecheta
Tradução: Heloisa Jahn
Editora: Dublinense
Ano: 2018
Páginas: 256
ISBN: 9788583181118
Sinopse: Na Nigéria dos anos 60, Adah precisa lutar contra todo tipo de opressão cultural que recai sobre as mulheres. Nesse cenário, a estratégia para conquistar uma vida mais independente para si e seus filhos é a imigração para Londres.
O que ela não esperava era encontrar, em um país visto por muitos nigerianos como uma espécie de terra prometida, novos obstáculos tão desafiadores quanto os da terra natal. Além do racismo e da xenofobia que Adah até então não sabia existir, ela se depara com uma recepção nada acolhedora de seus próprios compatriotas, enfrenta a dominação do marido e a violência doméstica e aprende que, dos cidadãos de segunda classe, espera-se apenas submissão.